No próximo dia 8, será o trigésimo aniversário da morte de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. O grande maestro, talvez o maior nome de nossa música, foi frequente e injustamente acusado de copiar o jazz americano em sua obra – logo ele, que tem a alcunha “brasileiro” em seu nome completo. Tom era um grande frasista e conseguiu resumir o nosso país em cinco frases.
A primeira: “O Brasil não é para principiantes”. Mais uma: “No Brasil, o sucesso é quase uma ofensa pessoal”. E a terceira, com direito a palavrões que são importantes para montar o contexto: “Os Estados Unidos são do c…, mas é uma m…; o Brasil é uma m…, mas é do c…”. Mais uma: “Assim como o brasileiro foi educado para perder, o americano foi educado para ganhar”. E a última: “O Japão é um país paupérrimo, com vocação para a riqueza; nós somos um país riquíssimo, com vocação para a pobreza”.
À primeira vista, diante dessas máximas, Tom pareceria ser um ressentido. Mas poucas pessoas amaram tanto a vida e o nosso país como ele. Não era dono de uma personalidade fácil. Mas, rompidas suas barreiras iniciais, era dócil e generoso. Sempre cultivou um traço de cinismo que o fazia dono de uma verve espetacular. Quer um exemplo? Perguntado se era uma pessoa feliz, saiu-se com essa: “Quando me casei, descobri a felicidade. Mas aí já era tarde demais”.
Lembro que ele não fazia muito sucesso nas redações, pois aproveitava qualquer entrevista para falar de natureza e da necessidade de se preservar o meio ambiente. Isso mesmo: Tom Jobim foi um ambientalista antes que isso virasse moda. E, por essa razão, os jornalistas torciam o nariz quando alguém sugeria uma pingue-pongue com ele. “Não, não, ele vai querer falar de urubu e árvore em vez de música, não vai rolar”, era o que diziam os editores.
“Toda a minha obra é inspirada na Mata Atlântica – ou melhor, nos 5% que sobraram dela”, dizia ele, que era capaz de enumerar as cinco espécies de urubu que existem no país. Seus favoritos eram o jereba, o peba e o urubupeba. Mas ele gostava de chamar a atenção para a diversidade de nomes que cada espécie tinha. Só o jereba tinha mais de trinta.
Imagino o que se passaria pela cabeça do velho maestro se estivesse entre nós para experimentar as mudanças climáticas que vieram com a negligência da humanidade com a natureza: As inundações no Sul; a seca na Amazônia; o calor desmedido em São Paulo no inverno e o frio durante a primavera. Talvez ele se tornasse um xiita empedernido – ou usasse sua imagem internacional para trabalhar contra a devastação do verde.
O Tom compositor era mais conhecido por suas melodias que receberam letras de monstros sagrados como Chico Buarque e Vinícius de Moraes. Mas ele também escreveu várias letras inesquecíveis – e entendeu o amor como poucos. Alguns exemplos:
+ “Quero a vida sempre assim com você perto de mim/ Até o apagar da velha chama”. (Corcovado)
+ “Vou te contar, os olhos já não podem ver/ Coisas que só o coração pode entender/ Fundamental é mesmo o amor/ É impossível ser feliz sozinho”. (Wave)
+ “É, só eu sei quanto amor eu guardei/ sem saber que era só pra você”. (Só tinha de ser com você)
+ “Triste é viver na solidão/ Na dor cruel de uma paixão/ Triste é saber que ninguém/ Pode viver de ilusão/ Que nunca vai ser, nunca vai dar/ O sonhador tem que acordar”. (Triste)
+ “São as águas de março fechando o verão/ É a promessa de vida no teu coração”.
Minha favorita? “Lígia”, pois é a descrição de uma história de amor mal resolvida entre o próprio Tom e Lygia Marina de Moraes (que tinha olhos verdes e não morenos). Tom a conheceu no emblemático bar Veloso (onde ele e Vinicius tiveram a ideia para “Garota de Ipanema” anos antes) e, sabendo que o amigo Fernando Sabino a conhecia, pediu o telefone dela. O que Tom não sabia era que Sabino e Lígia eram namorados. Por isso, o escritor mineiro deu o telefone errado ao maestro.
Desta confusão é creditada o verso: “Quando eu lhe telefonei/ Desliguei, foi engano, seu nome não sei”. A letra original era um pouco diferente, mas Chico Buarque deu uma arredondada na versão final, gravada por ele em 1974 (“E quando eu lhe telefonei/ foi por um triste engano/ seu nome eu não sei”). Há uma outra versão, segundo a qual esse verso foi incorporado à versão final pelo próprio Chico. O piano, na gravação do disco “Sinal Fechado”, é sublime, elegante na medida. Será que é do próprio Tom?
“Lígia” é um retrato de amor impossível, igual àqueles que todos nós experimentamos na vida:
“Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba
Não vou a Ipanema
Não gosto de chuva
Nem gosto de sol
E quando eu lhe telefonei
Desliguei foi engano
Seu nome não sei
Esqueci no piano
As bobagens de amor
Que eu iria dizer
Não, Lígia, Lígia
Eu nunca quis tê-la ao meu lado
Num fim de semana
Um chope gelado
Em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão
O seu nome rasguei
Fiz um samba canção
Das mentiras de amor
Que aprendi com você
É Lígia, Lígia
E quando você me envolver
Nos seus braços serenos
Eu vou me render
Mas seus olhos morenos
Me metem mais medo
Que um raio de sol
Lígia, Lígia”
Grande Tom Jobim. Você faz muita falta nesses dias turbulentos. Seja pela sua inteligência transbordante ou pelo talento insuperável.