Antes de ser jornalista, fui deejay profissional dos 21 aos 22 anos. Foi uma época divertida, embora dormisse muito pouco – mas quem está interessado em dormir quando se tem a vida toda pela frente, não? A casa onde eu trabalhava se chamava Rádio Clube. Era o que se chamava, na época, de “danceteria”. Esse termo surgiu por conta de uma boate nova-iorquina que tinha esse nome. O que diferenciava esse local das antigas discotecas? O som era de bandas New Wave e havia um palco para música ao vivo (lembra-se do lugar em que Prince tocava no filme “Purple Rain”? Mesmíssimo estilo).
Essa era exatamente a fórmula do Rádio Clube e de seus rivais – o maior deles era o Radar Tantã. Só que ficávamos em Pinheiros, em um endereço que hoje é ocupado por uma churrascaria, e o Radar era localizado no Bom Retiro, em uma antiga fábrica. Os deejays lá eram o Carlito e o Kid e ficamos amigos, apesar da rivalidade de nossos patrões.
O Rádio Clube saiu na frente como casa de shows de rock e passou a trazer todas as bandas brasileiras que despontaram naquela época: Ultraje a Rigor, Magazine, Kid Abelha, Paralamas, Metrô, Barão Vermelho, Lobão e os Ronaldos, Legião Urbana, Titãs, Absyntho, Blitz, Sempre Livre, Camisa de Vênus, João Penca e os Miquinhos Amestrados e outros menos votados. Essa era a moçada que tocava nos sábados à noite.
Já nas sextas-feiras, a vibe era mais voltada para a MPB. Por lá fizeram shows Jorge Benjor, Tim Maia, Belchior e uma banda fabulosa de salsa, chamada Sossega Leão, que tinha músicos que mais tarde se tornaram conhecidos, como Nando Reis, André Jung, Guga Stroeter, George Freire e Skowa.
Enquanto nos sábados a frequência era mais adulta e os jovens chegavam depois da meia-noite para dançar B-52’s na pista de néon, os sábados superlotavam. A capacidade máxima, em tese, era de 800 pessoas. Mas, no primeiro show que o Kid Abelha fez em São Paulo, a lotação excedeu, fácil, 1.000 pessoas.
Tive o privilégio de conviver com esses roqueiros no backstage e no bar que ficava separado da pista de dança. Aliás, ali era um point interessante, que juntava escritores, músicos e artistas. Uma vez, estava fazendo hora no bar e vi o escritor Ignácio de Loyola Brandão meio perdido no meio do salão. Ele disse que estava esperando o cartunista Angeli. Alguns anos antes, tinha lido o primeiro livro dele, chamado “Bebel”. E tinha terminado, há pouco, “Não Verás País Nenhum”. Arrisquei algumas perguntas sobre esses livros e começamos uma conversa animada. Logo depois, chegou o Angeli e se juntou a nós. Em questão de segundos, me senti amigo de infância dos dois. Poucas vezes, em minha vida, lembro de ter dado tantas risadas.
Entre as bandas de rock, a que mais tocou lá foi o Magazine, do finado Kid Vinil, uma figura divertidíssima e pândega, que nunca se levava a sério. O Ultraje a Rigor também fez muitos shows por lá. Já conhecia o baterista Leospa, que era vizinho de uma ex-namorada, e ele me apresentou o resto da banda. O Roger, várias vezes, ia para lá quando não tinha compromissos profissionais.
Toda vez que um artista furava, nós chamávamos o Magazine. Apesar de ter emplacado dois sucessos (“Sou Boy” e “Tique-Tique Nervoso”), a banda não excursionava muito e estava quase sempre à disposição. Numa noite de outubro, eles deram um show lá e chamaram vários amigos do rock nacional. Como já tinha visto aquela apresentação umas dez vezes, resolvi ficar um pouco em frente à rua, observando o movimento.
Depois de alguns minutos, parou uma Marajó amarela em frente à entrada do Rádio Clube (para quem não sabe, Marajó era a versão perua do Chevette). Escuto alguém gritando lá de dentro: “Aluiziô, Aluiziô” (imagine um sotaque bem paulistano). Fui até o carro e vi o Roger, na direção, acompanhado de uma moça. No banco de trás, Herbert Vianna (Paralamas) e Paula Toller (na imagem de destaque, então vocalista do Kid Abelha) – só que, na época, Toller estava oficialmente com o Leoni, que tocava guitarra no Kid.
Cumprimentei o Roger, que me perguntou quem estava tocando. Respondi e ele queria saber como estava lá dentro. Minha resposta: “Metade do rock nacional está lá dentro; a outra metade está aqui no seu carro”. Como o caso entre Herbert e Paula era ainda segredo, Roger achou melhor ir embora.
Hoje, vejo Roger como ícone da direita e Herbert como autor de “Luiz Inácio (300 Picaretas)”. Penso: será que ainda são amigos, no meio dessa polarização toda? Dificilmente. Mas, na minha memória, eles ainda estão juntos e dando muita risada naquela Marajó amarela.
Que fase divertida.