Nesta semana que passou, tive a oportunidade de ir à apresentação de um especialista em política internacional, em jantar patrocinado por um escritório multinacional de fusões e aquisições. Durante a palestra, esse profissional, que mora em Nova York e acompanha a trajetória de Donald Trump há décadas, falou um bocado sobre o estilo do presidente americano.
Enquanto ele falava, lembrei-me da primeira cena do filme “O Poderoso Chefão”. Don Vito Corleone, em meio às celebrações do casamento de sua filha, está recebendo pessoas de seu convívio – e uma delas é Amerigo Bonasera, cuja filha foi atacada por dois rapazes. O visitante quer vingança. E pede que Corleone faça isso por ele.
O chefão, encarnado com brilhantismo por Marlon Brando, diz:
– Nos conhecemos há anos, mas esta é a primeira vez que me você vem até mim para pedir um conselho ou ajuda. Já não me lembro da última vez que me convidou para tomar um café na sua casa… mesmo sendo minha esposa madrinha de sua filha. Vamos ser francos: você nunca quis a minha amizade. Nunca quis estar em dívida comigo.
A conversa continua. E Corleone mostra seu desconforto com o conhecido.
– Muito bem, a Polícia te protege, há tribunais, por isso não vai precisar de um amigo como eu. Mas agora vem até mim e diz ‘Don Corleone, tem de me fazer justiça’. Mas não me pede com respeito. Não me oferece amizade. E nem me chama de ‘Padrinho’; em vez disso, você vem até aqui no dia em que a minha filha se vai casar e me pede para cometer assassinato… por dinheiro.
Bonasera insiste em pagar Corleone, que se mostra ofendido com a proposta. E diz que, se eles fossem amigos, os inimigos do interlocutor seriam adversários do chefão. Ele pergunta, cheio de expectativa:
– Você quer ser meu amigo?
Corleone fica em silêncio. Lentamente, o pai da menina abaixa a cabeça e murmura.
– Padrinho.
Bonasera, então, beija a mão de Don Corleone. Há uma pausa. O personagem de Brando, então, coloca a mão no ombro dele.
– Um dia, e talvez esse dia nunca chegue, eu vou te chamar para fazer um serviço para mim. Até lá, considere isso como um presente que você ganhou no dia do casamento da minha filha.
Essa cena me veio à cabeça depois que o analista americano falou sobre a importância que Trump dá para as relações pessoais. E qual seria o papel das tarifas alfandegárias nisso? Para o especialista, seria uma forma de o presidente criar desconfortos e fazer seus antagonistas virem até ele para pedir um favor.
Ao distribuir favores, Trump estabeleceria uma rede direta de relações com os líderes mundiais, passando por cima das estruturas institucionais de Estado. Ele concederá cortesias e, depois, poderá cobrar essas mesmas benesses. Portanto, a analogia entre Corleone e Trump nada tem a ver com atividades mafiosas ou coisas do gênero.
Trata-se de um estilo único de governar, centralizando decisões e esvaziando o papel de seus secretários, chamando o jogo para a Casa Branca. Pode dar muito certo ou muito errado. Apenas o tempo dirá se Trump vai ganhar esse jogo.
Voltando à cena inicial de “O Poderoso Chefão”. Qual é a primeira frase do filme, dita por Bonasera? Os aficionados têm a resposta na ponta da língua: “I believe in America” (“Eu acredito na América/nos Estados Unidos”). Essa frase poderia ser uma antepassada do slogan de Trump: “Make America Great Again”.
Será que o presidente americano é fã da obra-prima de Mario Puzo e Francis Ford Coppola?