Meu filho me deu um livro bastante divertido de presente pelo Dia dos Pais. Trata-se de “Música com Z”, do crítico musical Zuza Homem de Mello, que nos deixou há dois anos. Esta obra é uma compilação de artigos, reportagens e entrevistas realizadas entre 1957 e 2014. Um dos capítulos me chamou a atenção em especial. Trata-se de uma autoentrevista, na qual ele revela suas preferências musicais e também canções e artistas que despreza. Gostei muito do formato e resolvi copiá-lo para a crônica deste sábado.
O texto original, publicado em 2009 no jornal O Estado de S. Paulo, é bastante comprido e versa apenas sobre jazz e Música Popular Brasileira, as praias deste musicólogo que merece a admiração de todos. A minha versão pende mais para o rock, o pop e um pouco de MPB.
Qual o disco ou música que mudou sua maneira de ver o mundo?
“A Day in the Life”, dos Beatles – na verdade, todo o álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. John Lennon fez uma colagem de leituras de jornal para escrever a letra dessa música, a partir do acidente de carro que matou um amigo, Tara Browne, 21 anos herdeiro da cervejaria Guiness. Os versos encaixam magistralmente com a melodia onírica – e Paul McCartney deu um tempero especial. Ele inventou o arranjo dadaísta de cordas e escreveu uma cançoneta que aparece no meio da gravação. Para mim, é uma das melhores coisas que ouvi na vida. Lembro direitinho quando escutei essa música, na sala de minha casa, com 13 anos e idade. Era um dia nublado e frio. Toda vez que escuto essa canção, volto àquele inverno de 1976. Outro disco dos Beatles que me deixou absolutamente embasbacado foi “Abbey Road”, especialmente o lado B.
Que obra você detestou à primeira vista e passou a venerar depois?
“The Dreaming”, de Kate Bush. Disco experimental e difícil de ouvir. Me obriguei a escutar todas as faixas e a tentar entender o que Ms. Bush queria com aquela mixórdia esquisita de sons. Ela deu uma entrevista recentemente sobre esse disco e disse: “o álbum que fiz quando fiquei doida”.
Que disco ou música ruim você adora ouvir, mas tem vergonha de dizer que gosta?
Qualquer sucesso do ABBA. Gosto de todos, mas reconheço que há uma breguice intrínseca na melodia, no jeito que Agnetha Fälstkog e Anni-Frid Lyngstad cantam e nas letras de Björn Ulvaeus e Benny Andersson (que algumas vezes tinham a ajuda de Stig Anderson, o empresário da banda).
Qual clássico da MPB você acha que não merece esse título?
“Gilberto Gil”, de 1969, aquele disco que tem “Aquele Abraço”. Muito experimental para o meu gosto, assim como “Araçá Azul”, de Caetano Veloso.
Qual compositor, grupo ou cantor você tem todos os discos?
Beatles. Tenho todos os discos e já li mais de vinte livros sobre eles. Paul McCartney e John Lennon são como membros da minha família, de tanto que eu já li sobre os dois.
Qual unanimidade da MPB pela qual você não tem interesse?
Marisa Monte. Tem algumas boas canções e uma voz excepcional. Mas não gosto da maioria do repertório.
Que músico você admira por combinar atitude e qualidade artística?
Admiro Lobão, talvez mais pelos seus defeitos que qualidades — e sobretudo por sua coerência. Sua música é rebelde e ele é a imagem vívida da rebeldia. Sua obra é crítica e ele distribui alfinetadas aqui e a ali. Seu estilo musical é amplo, abraçando vários gêneros – e, em sua vida pessoal, ele muda de ideia com frequência. É um volúvel profissional, com uma metralhadora giratória poderosa. Ele é a personificação de sua música.
Qual bom disco mal gravado mereceria ser refeito hoje pelo artista original?
“Fruto Proibido”, de Rita Lee. Talvez não refeito – apenas remixado. A bateria está mal gravada e tem um registro muito grave. Mas considero esse disco uma obra-prima do rock nacional. Algumas letras (muito boas) são de Paulo Coelho (o letrista da maioria dos grandes sucessos de Rau Seixas) e as faixas contam com uma sonoridade fabulosa, vinda da guitarra de Luís Sérgio Carlini (dono de solos primorosos).
Aponte um disco que considera um clássico instantâneo.
Aqui, concordo integralmente com Zuza. Ele escolheu “Elis & Tom”, um disco que escutei inúmeras vezes, com Tom Jobim e Elis Regina. Cheguei a comprar um DVD que tinha o som desse LP em sistema Dolby 5.1, incluindo as falas dos músicos antes e depois de cada faixa. Uma sensação única: parecia que eu estava no estúdio com Elis, Tom e o resto da banda.
Qual foi o show que marcou a sua vida?
Foram três. O primeiro show de rock que vi na minha vida: Queen, no estádio do Morumbi. Depois, Echo & The Bunnymen no Anhembi. Por fim, Paul McCartney, de novo no Morumbi. Esse último teve um significado especial para mim: ver meu filho, na época um adolescente, vibrando com cada acorde de “Hey Jude”.