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Uma lição para o primeiro dia do resto de nossas vidas

Hoje é meu aniversário e estou bem próximo de completar uma idade que costuma ser vista como um sinal inequívoco de velhice. Envelhecer seria ótimo se não fosse um processo acompanhado de complicações na saúde e da perspectiva de que seu prazo de validade está encurtando. É como eu ouvi no filme “A Negociação”. Em sua festa de aniversário, o personagem Robert Miller (Richard Gere) diz: “Age is an issue of mind over matter. If you don’t mind, it doesn’t matter”. Essa frase, cuja graça só existe no idioma inglês, é atribuída a Mark Twain, mas sua verdadeira autoria, como o sentido da vida, é um mistério.

É até poético ver a impetuosidade da juventude desaparecer vagarosamente de nossos corações conforme o tempo vai passando. Não deixa de ser irônico. Quando jovens, temos todo o tempo do mundo – mas queremos tudo com pressa. Mas, quando estamos na reta final da vida, temos mais paciência para esperar as coisas acontecerem. Ser jovem é como tomar um shot de Bourbon de uma vez só. Estar na maturidade significa sorver a vida em pequenos goles, como se faz com um vinho bom.

Não deveria ser o contrário?

Estou prestes a entrar em um período da vida em que precisarei cada vez mais de sentimentos, sensações e reflexões de intensidade máxima. Acredito que essa é uma fase diferente. Até pouco tempo atrás, tinha a impressão de que era um personagem em um livro narrado por alguém. Hoje, quero fazer a narrativa da minha existência na primeira pessoa. Tomar definitivamente as rédeas desta trajetória para mim. É impossível controlar tudo, eu sei. Mas percebo não há mais tempo a desperdiçar com emoções baratas e fugazes – ou ficar em uma fila de espera para realizar coisas importantes. Acabo de decretar: ficar parado, neste estágio da existência, é proibido. Alguma coisa está demorando para acontecer? Esgotou todas as suas possibilidades? Vamos partir para outra. Imobilidade é a morte em vida.

Minha geração pavimentou seu caminho através do conhecimento. Para mim, especificamente, foi a leitura que me levou à criatividade e à inquietação cultural. Recentemente, conversava com um amigo que disse ler apenas livros relacionados com negócios ou sua atividade profissional. Eu, ao contrário, tenho uma necessidade quase física de ler ficção. Disse a ele que muitas das melhores ideias que já tive foram inspiradas por historietas que saíram da cabeça de alguém – e não por biografias de grandes empresários.

Livros, filmes e música formam uma parte importante de meu repertório, tanto quanto informações históricas, políticas ou econômicas. É através das artes que nos humanizamos. E, assim, conseguimos ser originais.

Ao contrário do corpo, que dá sinais de fadiga, percebo que a mente está mais aguda do que nunca. E que ainda sinto a juventude pulsando dentro de uma carcaça que rateia. É uma sensação de que a alma ainda está incompleta e precisa ser preenchida com novas experiências, sensoriais ou intelectuais.

Talvez seja isso que mantenha a chama interna. A sensação de obra inacabada e em constante upgrade. Quando sentimos que escrevemos o capítulo final de nossos livros e não há mais espaço para evoluir ou crescer, é sinal de que o fim está próximo.

Felizmente, ainda sinto a urgência das descobertas. O chamado da realidade. Tudo isso misturado com a prudência de escolher as minhas batalhas – e relevar aquilo que me parece sem importância. Mas acreditando que eu posso mudar alguma coisa de errada do mundo, mesmo que minúscula.

Estou cada vez mais me sentindo como nos versos da canção “Ten Years Gone”, imortalizada pela banda Led Zeppelin no álbum Physical Grafitti. Usei essas linhas como epígrafe do meu livro, lançado em 2007, para expressar o fio condutor da narrativa. E, hoje, vejo que estava, na verdade, traduzindo o meu próprio estado de espírito:

“Then as it was, then again it will be

And though the course may change sometimes

Rivers always reach the sea

Blind stars of fortune, each have several rays

On the wings of maybe, down in birds of prey

Kind of makes me feel sometimes, didn’t have to grow

But as the eagle leaves the nest, it’s got so far to go.”

Tradução:

“Então, tudo está como era e novamente estará

E embora o curso possa mudar às vezes

Os rios sempre chegam ao mar

Estrelas cegas do destino, cada uma com vários raios

Nas asas da incerteza, nas aves de rapina

Isso meio que me faz sentir às vezes que eu não tinha que crescer

Mas quando a águia deixa o ninho, ela tem que ir para longe”.

Robert Plant escreveu essa letra quando tinha 26 anos e, quase meio século depois, ainda consegue emocionar pessoas como eu. Esse é o grande poder da música e das artes em geral. Enquanto nosso coração bater mais forte ao ouvirmos uma canção, ver um filme, ler um livro ou apreciar um quadro é sinal de que ainda existe juventude dentro de nós. Por isso, fica aqui a minha lição de casa para o primeiro dia do resto de nossas vidas: vamos manter esse jovem alerta e vivo dentro de nossos corações e mentes. Até o fim.

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Comentários

Respostas de 4

  1. Aluizio querido, seu texto belíssimo convida o leitor a expandir a visão de si próprio e da vida, num passeio ao mesmo tempo lírico e lúdico.
    Fosse este texto um quadro, seria um Mirò. Tem a mesma energia, está cheio de um vigor sem idade.
    Ao tomar as rédeas e assumir conscientemente o protagonismo de sua existência, vc na largada já multiplica mil vezes sua juventude e inicia o exercício maior para transformar o mundo: a auto-transformação.
    Posso te dizer por experiência própria: “If it doesn’t mind, it really doesn’t matter.”
    Feliz vida nova, amigo!

  2. Li.
    Como poderia não ler. Um titulo sugerindo uma lição, na qual poderemos tentar desvendar os .mistérios do resto de nossas vidas.
    Acho que tambem cheguei em uma idade que parece o caminho do fim, mas que também decidi ser o coneço. Belo texto, ótima reflexão, tenho certeza que com a experiência de vida, as derrotas, as vitórias, este caminho ficará visível.

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