Desde que me entendo por gente, a Rainha Elizabeth estava lá, ocupando o Palácio de Buckingham. Presente em todos os filmes de James Bond. Empossando os primeiros-ministros britânicos (incluindo a atual, Liz Truss). Alvo de todos os fofoqueiros de plantão do Reino Unido. E, recentemente, protagonizando memes que exaltavam sua idade avançada.
Bem, esse símbolo do Século 20 e de boa parte dos anos 2000, como todos sabem, se foi ontem. Lembro quando, ainda criança, soube que a Rainha estava visitando o Brasil, para um agenda de onze dias, junto com o príncipe Phillip (imagem). Nessa ocasião, fiz duas perguntas para minha mãe. A primeira foi: por que não temos uma rainha aqui? Ela me explicou que a Inglaterra era uma monarquia e o Brasil era uma república, que havia derrubado seus monarcas. Minha segunda pergunta foi: por que o marido dela é príncipe e não rei? Minha mãe, que não devia saber o que dizer, disfarçou e me deu um chocolate Lingote (deixou de ser fabricado há anos). Estou esperando por essa resposta há anos.
Recordo que, durante muitos dias, a Rainha apareceu nas emissoras de TV e na imprensa escrita. Só se falava nela. Teve jogo da seleção paulista contra a carioca em homenagem à dinasta inglesa – com direito a um duelo entre Pelé e Gérson. Em São Paulo, visitou o Museu do Ipiranga, o último andar do Terraço Itália, o MASP e o Palácio dos Bandeirantes. A visita monopolizou tanto as atenções que Fernando Sabino escreveu uma crônica, na qual dois personagens dialogavam sobre a Rainha em um bar. Abaixo, um trecho desse texto:
— A gente devia ter uma também, até que seria bacana.
— Uma o quê?
— Uma rainha.
— Tu tá com essa rainha na cabeça, que é que há?
— Por que é que não pode ter?
— Porque aqui não é reinado, é presidência, só por isso. Essa já não tá tão gelada.
— Uma rainha era capaz de consertar essa joça. Pra te falar a verdade… posso falar a verdade?
— Pode. Mas fala baixo, que não tou pra entrar em fria. Olha o doutor aí na outra mesa ouvindo a gente. Acaba essa e vamos pedir outra mais gelada.
— E daí? Tou falando o que todo mundo sabe: que esse país tá uma joça. E tá mesmo.
— Pronto, começou a ignorância. Continua assim, que eu vou puxando.
— Só uma rainha pra dar jeito nessa gente, botar respeito. Enquadrar essa polícia, esses milicos.
— Com essa eu me mando. Garotão! Suspende a brama, traz a nota! Tu ainda vai se dar mal.
— Pera aí! Não tou falando nada demais. Só tou falando que uma rainha mesmo de verdade ficava no trono até morrer, todo mundo respeitava ela, não tinha esse negócio de toda hora tirar o presidente e botar outro. Tou certo ou não tou?
Sabino escreveu esse texto em novembro de 1968. Para quem estranhou o tom crítico aos militares, uma explicação: o AI-5, que extinguiria os direitos individuais e estabeleceria a censura, seria implementado pouco tempo depois, em 13 de dezembro.
Com a morte da monarca, Charles passa a ser, finalmente, o Rei da Inglaterra, aos 73 anos. O hino do Reino Unido terá sua letra mudada para “God Save the King”. E Camilla Parker-Bowles vai morar em Buckingham. Será que, sob Charles, o casal real rebelde Harry e Megan vai voltar à Inglaterra? Vamos esperar.
Rei morto, rei posto – e não estou me referindo a Charles. Com a morte de Elizabeth, os produtores de memes passam agora a dirigir as baterias para Keith Richards, o guitarrista dos Rolling Stones. Ele, com 78 anos e aparentando um século de vida, já ocupa o lugar da rainha nas brincadeiras sobre idade avançada. Alguma dúvida? Veja o que saiu nas redes minutos após a morte de Elizabeth ter sido anunciada: