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Vale a pena ver de novo?

A Folha Ilustrada de ontem teve como principal matéria uma reportagem sobre fanáticos por novelas antigas – aquelas que não estão disponíveis nem nos serviços de streaming. Além disso, há um artigo sobre a cantora Tracy Chapman, cujo auge foi há mais de trinta anos, e recentemente participou da cerimônia de premiação do troféu Grammy 2024. Na página seguinte, temos uma resenha sobre o livro que conta a saga do quarteto televisivo “Os Trapalhões”. Logo após, vê-se um artigo sobre o seriado “Gilmore Girls”, que durou de 2000 a 2007. Quer mais? O título da matéria na página C8 é: “Paula Pimenta aposta na nostalgia com novo livro após hiato de anos”. Como se não bastasse, há um anúncio que divulga shows com as seguintes atrações, entre outras: Earth, Wind and Fire Experience, Tom Jones, Air Supply e Abba – The Show. Ao longo do caderno, há várias fotos antigas, entre as quais se destacam as atrizes Françoise Forton (novela “Estúpido Cupido”, de 1976-1977) e Beatrix Segall (“Vale Tudo”, de 1988-1989).

É o caso de se perguntar: não há produções artísticas novas por aí? Por que os flashbacks musicais, literários e televisivos estão em alta?

Há várias explicações para o fenômeno. Uma delas é a de que a população brasileira está envelhecendo. Isso, associado ao fato de que é possível resgatar joias do passado através da tecnologia, produz um interesse maior por obras que poderiam ter sido esquecidas há muito tempo.

Mas esse interesse por coisas do passado também vem dos mais jovens. Em duas viagens recentes, por exemplo, minha filha de quinze anos pediu para que eu tocasse no rádio do carro uma playlist que ela havia criado no Spotify. Havia, no meio das canções da Taylor Swift, um hino dos anos 1980: “Everybody Wants to Rule the World”, da banda Tears for Fears (entre outras pérolas daquela década). Em uma festa recente, o repertório do deejay era composto basicamente por flashbacks. Os jovens não só dançaram como também sabiam as letras de cor.

Será que uma parcela da juventude acredita que a obra da atual geração de artistas é inferior à do passado? É possível. Mas, se isso for verdade, será um fenômeno relativamente inédito. Vamos tentar transportar o episódio da playlist da minha filha para as minhas circunstâncias aos 15 anos de idade (ouvir uma música com quase 40 anos de idade). Neste caso, eu teria de apreciar uma canção de 1928, como “The Mooche”, de Duke Ellington (para quem viu o filme “Cotton Club”, de Francis Ford Copolla, este éo tema de abertura da película – Ellington, diga-se, era o maestro da orquestra desse clube noturno que fez enorme fama no Harlem nova-iorquino).

O fenômeno do flashback tem um efeito bastante poderoso nos mais velhos. Uma canção antiga pode nos lembrar um fato específico de outrora – ou de algo que sentíamos naquela época (uma sensação, por exemplo, de liberdade ou de autonomia). Mas o que uma obra artística antiga causa nos mais jovens, que não têm lembranças de uma época em que não viveram?

O fato é que existe um fascínio em relação ao passado, mesmo aquele que não presenciamos. O filme “Meia Noite em Paris” mostra isso. O personagem principal, Gil (Owen Wilson), é obcecado pelo que aconteceu na cena parisiense da década de 1920, na qual houve uma confluência inusitada de talentos (Scott Fitzgerald, Cole Porter, Ernest Hemingway, Joséphine Baker, Picasso, Gertrude Stein, Luis Buñuel e Salvador Dali, entre outros).

Ele, então, descobre que consegue voltar no tempo se embarcar em um carro que passa à meia-noite em um determinado lugar em Paris. Ele chega, então, à década de 1920 e conhece todos os artistas que lá moravam. Também é apresentado a uma jovem chamada Adriana (Marion Cotillard) e se apaixona por ela. Mas a moça não acha que aquele momento histórico é especial – e sim o início da Belle Epoque, cujo início é por volta de 1890. Eles conseguem se transportar para aquela época e conhecem Henri de Tolouse-Lautrec, Paul Gauguin e Edgard Degas. Os três discordam de Adriana e dizem que a melhor fase artística de Paris foi a do Renascimento.

Resultado: muitos de nós nunca estão satisfeitos com o presente, mas idealizam sempre o passado. Seja aquilo que eles viveram – ou tempos mais remotos. Talvez isso ocorra porque o passado é uma pintura que não pode ser mudada. O presente, por sua vez, muda constantemente e é o caminho para o futuro, uma incógnita. Mas para quem idolatra aquilo que já passou e despreza o que acontece em tempos atuais, talvez o recado do poeta Belchior, imortalizado na voz de Elis Regina, possa surtir algum efeito: “No presente, a mente, o corpo é diferente /E o passado é uma roupa que não nos serve mais/ Você não sente, não vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo/ Que uma nova mudança em breve vai acontecer/ O que há algum tempo era novo, jovem/ Hoje é antigo/ E precisamos todos rejuvenescer”.

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