Leio no Segundo Caderno de “O Globo”, nesta semana, que a nova novela das 7 se chama “Volta por cima” – e que a música homônima de Paulo Vanzolini é seu tema de abertura, nas vozes de Alcione e Ludmilla. Os versos de Vanzolini que compõem o refrão deste samba estão no imaginário popular: “Reconhece a queda/ E não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ E dá a volta por cima”.
Descubro mais duas coisas neste artigo. A primeira é que foi inaugurada uma exposição no Sesc Ipiranga sobre este cientista e compositor, que irá até março do ano que vem. Médico e zoólogo, era reconhecido internacionalmente por sua carreira científica e chegou a dirigir o Museu de Zoologia da USP. Essa exibição aborda os dois lados deste paulistano cujo centenário foi comemorado em abril deste ano, tanto o compositor como o pesquisador científico.
Minha outra descoberta é que a exposição tem a curadoria de Daniela Thomas e idealizada por dois dos filhos de Paulo, o cineasta Toni e a psicóloga Maria Eugênia. Conheci Toni quando ele frequentava uma danceteria chamada Rádio Clube, aonde fui deejay, décadas atrás. E Maria Eugênia sempre foi, para mim, uma referência no mundo da psicologia (ela, por sinal, é mãe de Patrícia, presidente da OAB em São Paulo).
Ouço falar em Paulo Vanzolini desde criança. Meu pai foi muito amigo dele, desde quando os dois frequentavam um bar chamado Jogral, cujo dono era o também compositor Luiz Carlos Paraná (depois, com a morte de Paraná, o Aluizio pai seria sócio deste bar, que apresentava grandes nomes da música brasileira em seu espaço).
Meu pai produziu dois discos que tinham como tema justamente o compositor Paulo Vanzolini. Um em 1974, com vocais de Carmen Costa e Paulo Marques. E outro, em 1979, com a voz do próprio Vanzolini. Neste disco de cinquenta anos atrás, a faixa número 4 é “Ronda”, que foi gravada pela primeira vez em 1945. Talvez a versão mais conhecida desta música seja uma de 1977, da cantora Márcia (viúva do locutor esportivo Silvio Luiz), cujo arranjo serviu de inspiração para Caetano Veloso fazer a introdução instrumental de “Sampa” (as duas canções, diga-se, mencionam a avenida São João).
Curiosamente, nenhum desses discos apresenta uma das composições prediletas de meu pai, o samba “Praça Clóvis”: “Na praça Clóvis, minha carteira foi batida/ Tinha vinte e cinco cruzeiros e o teu retrato/ Vinte e cinco, francamente, achei barato/ Pra me livrar do meu atraso de vida”.
Vejo semelhanças entre Vanzolini e o Aluizio sênior e entendo perfeitamente como floresceu a amizade entre os dois. Vanzolini, durante o dia, era sério demais – assim como meu pai é até hoje, aos 90 anos de idade. Suas profissões eram prioridade em suas vidas, cada um em sua seara. Apesar disso, ambos se dedicaram de corpo e alma à composição musical e à vida boêmia, quando os sorrisos ficavam mais abertos e as emoções fluíam mais facilmente.
Paulo Vanzolini é mais conhecido por seus sambas. Mas é dele uma canção romântica que foi imortalizada por seu co-autor, Toquinho, em 1974: “Na boca da noite”, que estaria no meu Top Ten das minhas favoritas da MPB. E, com essa obra-prima, encerro essa homenagem ao gênio Paulo Vanzolini. Um mestre da ciência e da música.
Na boca a noite
Cheguei na boca da noite, parti de madrugada
Eu não disse que ficava nem você perguntou nada
Na hora que eu ia indo, dormia tão descansada,
Respiração tão macia, morena nem parecia
Que a fronha estava molhada
Vi um rosto na janela, parei na beira da estrada
Cheguei na boca da noite, saí de madrugada
Gente da nossa estampa não pede juras nem faz,
Ama e passa, e não demonstra sua guerra, sua paz
Quando o galo me chamou, eu parti sem olhar pra trás
Porque, morena, eu sabia, se olhasse, não conseguia
Sair dali nunca mais
O vento vai pra onde quer, a água corre pro mar
Nuvem alta em mão de vento é o jeito da água voltar
Morena, se acaso um dia tempestade te apanhar
Não foge da ventania, da chuva que rodopia,
Sou eu mesmo a te abraçar