Por Dominique Patton
PEQUIM/SÃO PAULO (Reuters) – A China anunciou nesta sexta-feira que vai impor direito antidumping provisório sobre as importações de carne de frango brasileira, em mais um revés para as gigantes de proteína animal do país e no momento em que os Estados Unidos pressionam Pequim a reabrir seu mercado para os produtos avícolas norte-americanos.
Os importadores chineses de frango brasileiro terão que pagar depósitos de 18,8 a 38,4 por cento do valor de suas compras a partir de 9 de junho, informou o Ministério do Comércio em um comunicado.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) disse que a medida, que abrange produtos fornecidos pelos principais exportadores brasileiros JBS e BRF, é um “retrocesso” nas relações comerciais entre os dois países e que vai trabalhar para reverter a decisão temporária.
“A associação reafirma que não há qualquer nexo causal entre as exportações de carne de frango do Brasil e eventuais situações mercadológicas locais”, disse a ABPA, acrescentando que os “esclarecimentos apresentados pelo setor produtivo e pelas agroindústrias exportadoras deixaram clara a ausência de qualquer possível dano aos produtores e ao mercado chinês”.
Uma decisão preliminar do ministério chinês apontou que os produtores chineses foram “substancialmente prejudicados” pelos embarques do Brasil entre 2013 e 2016, quando o país respondeu por mais da metade das importações chinesas de carne de frango.
As medidas antidumping são mais um golpe para a indústria de carne do Brasil, que ainda está se recuperando das consequências da operação Carne Fraca, da Polícia Federal. Além disso, em maio, a paralisação de caminhoneiros no país resultou na morte de cerca de 70 milhões de aves, devido à falta de ração ocasionada pelos bloqueios de estradas.
“Nós enxergamos esta notícia como negativa para o setor de aves no Brasil, que está enfrentando uma situação difícil após a operação Carne Fraca, a greve dos caminhoneiros e uma recente alta nos preços dos grãos”, disseram analistas do Credit Suisse, em nota a clientes.
O movimento chinês também mostra como outros países como o Brasil, o maior exportador global de carne de frango, podem sofrer danos indiretos de negociações entre a China e os Estados Unidos para resolver uma disputa comercial.
Embora o governo chinês chame as medidas de “depósitos”, o que em teoria poderia retornar no futuro, uma fonte da indústria de carne do Brasil, que pediu anonimato, afirmou que na prática ninguém acredita que os recursos retornarão aos importadores.
Uma fonte da embaixada brasileira em Pequim disse que a medida é “muito decepcionante”.
“Estamos muito, muito preocupados com essas negociações, porque o que não queremos ver é que os exportadores brasileiros fiquem em desvantagem em relação a outros concorrentes que também podem estar em condições de exportar para esse país”, acrescentou a fonte da embaixada, recusando-se a ser identificada devido à natureza sensível do tópico.
Embora o resultado inicial da investigação iniciada em agosto passado fosse esperado para este mês, a imposição das medidas ocorre também no momento que os EUA tentam recuperar o acesso ao mercado avícola chinês, em meio a negociações comerciais em andamento.
A China concordou em aumentar suas importações de produtos agrícolas norte-americanos em recentes negociações destinadas a evitar uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.
O consultor da OD Consulting, Osler Desouzart, especialista no setor e ex-diretor das maiores indústrias de carne de frango do Brasil, não vê essa relação da medida antidumping com a disputa China-EUA, entretanto.
Para ele, a decisão chinesa mostra mais como o momento político do Brasil deixa as indústrias do país vulneráveis a ações deste tipo.
“Estamos completamente acéfalos neste país… e todo mundo aproveita para encher de porrada, como estamos acéfalos neste país, os concorrentes não precisam temer retaliações”, afirmou ele.
Em nota no final do dia assinada pelos ministérios da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; de Relações Exteriores; e da Agricultura, o governo brasileiro afirmou que tem manifestado seu entendimento da inexistência de dano causado pelas exportações brasileiras.
“A participação das importações brasileiras representa cerca de 5 por cento do mercado da China e elas, em nenhum momento, foram responsáveis por deslocar as vendas internas de produto chinês…”, disse o governo, que espera que os chineses encerrem a investigação sem a aplicação de medida antidumping definitiva.
A medida chinesa contra o frango ocorre um ano depois que a China implementou medidas antidumping contra outra commodity líder brasileira. Em maio do ano passado, o governo chinês impôs pesadas tarifas às importações de açúcar.
O Brasil costumava ser o maior exportador de açúcar para a China, mas após a medida os embarques despencaram.
BRF DESPENCA
A BRF, maior exportadora mundial de carne de frango, disse no mês passado que o aumento nos preços dos grãos e as barreiras ao comércio em importantes mercados frustraram os esforços para que a empresa voltasse a lucrar.
Analistas e a indústria não ficaram surpresos com a decisão, e ressaltaram que ela ainda é inicial e pode ser mudada.
Contudo, as ações da BRF fecharam em queda de 7,5 por cento nesta sexta-feira. Já os papéis da rival JBS, que também detém unidade de frango nos EUA, a Pilgrim’s Pride, subiram cerca de 4 por cento.
A JBS, dona da marca Seara no Brasil, disse que não comentaria as informações, assim como a BRF.
Uma fonte da indústria brasileira disse que o Ministério do Comércio propôs mais negociações com os exportadores, incluindo a possibilidade de estabelecer um preço mínimo para as exportações para a China.
Ainda não está claro se a indústria vai aceitar tal proposta, disse ele.
PÉ DE GALINHA
Os exportadores brasileiros devem ser capazes de absorver o impacto dos depósitos, particularmente para pés de frango, que de outra forma não teriam valor, disse Pan Chenjun, analista sênior do Rabobank.
“A China não é o mercado mais importante (para o Brasil), mas em valor é muito importante, pois absorve todos os subprodutos.”
A ABPA também considera que o mercado chinês continuará a absorver o produto brasileiro.
“Apesar de uma potencial retração no desempenho dos embarques em toneladas, o fluxo comercial deverá ser mantido mesmo com a imposição da medida, frente à necessidade e alta demanda do mercado chinês”, disse a entidade.
Em 2017, a China absorveu 391,4 mil toneladas de carne de frango do Brasil, equivalente a 9,2 por cento de tudo que o país embarcou no mesmo período, segundo a ABPA.
Das 29 empresas brasileiras listadas pelo ministério chinês, as taxas de depósito nos produtos da JBS e da sua divisão de aves e suínos Seara serão de 18,8 por cento, já os produtos da BRF sofrerão uma taxa de 25,3 por cento e os embarques da C.Vale – Cooperativa Agroindustrial serão taxados em 38,4 por cento.
Para a Cooperativa Central Aurora Alimentos o depósito será de 20,7 por cento. .
Pan Chenjun espera que os importadores negociem com os fornecedores para compartilhar as taxas de depósito.
Li Jinghui, diretor da Associação de Avicultura da China, não quis comentar as notícias. Um funcionário da Associação de Agricultura Animal da China também se recusou a comentar.
Não está claro o que acontecerá com as remessas já a caminho da China. Um depósito antidumping incidente sobre o sorgo dos Estados Unidos em abril causou o caos no comércio de grãos, com dezenas de cargas retidas enquanto importadores tentavam vender para outros mercados para evitar pagar as tarifas.
Os preços dos frangos de corte na China se recuperaram significativamente desde o ano passado, quando caíram para mínimas em décadas depois que centenas de pessoas morreram por contrair o vírus H7N9 da gripe aviária.
(Reportagem adicional de Paula Arend Laier e José Roberto Gomes e Roberto Samora, em São Paulo)