SÃO PAULO (Reuters) – A Polícia Federal prendeu temporariamente nesta segunda-feira o ex-presidente da BRF Pedro Faria e a Justiça determinou a prisão de outras 10 pessoas em nova fase da operação Carne Fraca, que investiga irregularidades na análise sanitária de produtos alimentícios e que contou ainda com mandados de condução coercitiva de outras 27 pessoas.
A operação provocou a maior queda nas ações da BRF na história da companhia criada em 2009 e suspensão pelo Ministério da Agricultura de operações nas fábricas da companhia em Rio Verde (GO), Carambei (PR) e Mineiros (GO) –essa última havia recebido autorização para voltar a exportar em setembro do ano passado.
As ações da BRF fecharam em baixa de 19,75 por cento, a 24,75 reais, levando a empresa a perder apenas nesta segunda-feira cerca de 5 bilhões de reais em valor de mercado.
Segundo o delegado da PF encarregado das investigações, Maurício Moscardi Grillo, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, não tomava todos os cuidados sanitários necessários, e executivos da companhia tinham conhecimento dos fatos.
O delegado disse em entrevista que provas e emails coletados indicam que as fraudes foram cometidas entre 2012 e 2015, com intervenção de gerentes da BRF no cadastramento de laboratório que fraudaria análises da qualidade dos alimentos da empresa.
“O controle de qualidade da empresa, bem como executivos ligados à empresa em todas as áreas hierárquicas, do seu presidente até o gerente de controle de qualidade, tinham conhecimento dos fatos que aconteciam”, afirmou o delegado.
Os emails incluíram troca de mensagens de uma ex-funcionária do grupo que afirma ter sido pressionada por superiores para alterar resultados de análises laboratoriais, disse o juiz André Wasilewski Duszczak em despacho que autorizou a operação desta segunda-feira.
Além de trocas de resultados das análises laboratoriais, o coordenador-geral de inspeção de produtos de origem animal do Ministério de Agricultura, Alexandre Campos da Silva, disse que houve omissão da presença da bactéria salmonela em produtos da companhia.
Apesar das declarações das autoridades, a BRF afirmou em comunicado que “segue as normas e regulamentos brasileiros e internacionais referentes à produção e comercialização de seus produtos” e que está colaborando com as investigações.
MUDANÇAS DE GESTÃO
Faria foi presidente da BRF entre 2015 até o final do ano passado. A saída do executivo do comando da empresa foi decidida em agosto, em uma reformulação da gestão da BRF que teve o presidente do conselho de administração, Abilio Diniz, como um dos principais promotores.
O ex-presidente da BRF é sócio da empresa de investimentos Tarpon, uma das acionistas da companhia. As ações da Tarpon fecharam em queda de mais de 20 por cento nesta segunda-feira.
Além de Faria, foi preso temporariamente Hélio dos Santos Júnior, que na semana passada renunciou ao posto de vice-presidente de operações globais da BRF.
A gestão da BRF pode vir a passar por nova mudança nas próximas semanas. O conselho de administração da companhia, pressionado pelos acionistas Previ e Petros, aprovou nesta segunda-feira convocação de assembleia extraordinária para 26 de abril para votar uma nova composição do colegiado da companhia, incluindo a substituição de Diniz.
A BRF é a maior exportadora de carne de frango do mundo e desde o início da operação Carne Fraca, no começo de 2017, os resultados da companhia têm sido atingidos pelo escândalo, que impactou as exportações do Brasil, já que vários países, incluindo a China, suspenderam temporariamente importações de produtos de proteína animal do Brasil.
Nesta segunda-feira, o Ministério da Agricultura afirmou que determinou suspensão das exportações pelos frigoríficos envolvidos para 12 mercados: África do Sul, Argélia, Coreia do Sul, Israel, Irã, Macedônia, Maurício, Tadjiquistão, Suíça, Ucrânia, Vietnã e União Europeia.
Analistas do Itaú BBA afirmaram em nota a clientes que a BRF, que teve prejuízo líquido de 1,1 bilhão de reais em 2017, corre o risco de perder grau de investimento em meio aos impactos desencadeados pela nova fase da Carne Fraca.
A agência de classificação de risco Standard & Poor’s afirmou que os eventos desta segunda-feira poderão atrapalhar o processo de redução do endividamento da BRF, que encerrou 2017 com dívida líquida de 13,3 bilhões de reais. Na avaliação da S&P, o fechamento de fábricas da BRF pode aumentar desafios operacionais da companhia e “impedir a desalavancagem” da empresa.
CREDIBILIDADE
No ano passado, ao anunciar a decisão de troca da presidência-executiva da BRF, Abilio Diniz afirmou que não havia nenhuma chance do substituto de Faria vir de dentro da própria companhia. Na ocasião, Diniz afirmou a analistas da BRF que a ocasião do anúncio da saída de Faria, em um momento em que a empresa vinha apresentando resultados abaixo do esperado, era adequado e que “não houve pressão de ninguém” para a troca do comando.
Já na semana passada, Diniz afirmou aos analistas do setor que a empresa precisava “recuperar a credibilidade para a administração da companhia”. O comentário foi feito após a empresa divulgar o prejuízo bilionário do ano passado.
Procurada nesta segunda-feira, a Península, empresa que representa os investimentos da família de Diniz, não se manifestou sobre a operação da PF.
Segundo a Polícia Federal, as investigações demonstraram que a prática das fraudes contava com a anuência de executivos da BRF, e também foram constatadas manobras extrajudiciais operadas por executivos do grupo com o fim de acobertar a prática dos atos ilícitos ao longo das investigações.
“As fraudes operadas tinham como finalidade burlar o Serviço de Inspeção Federal (SIF/MAPA) e, com isso, não permitir que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento fiscalizasse com eficácia a qualidade do processo industrial da empresa investigada”, afirmou a PF.
(Texto de Alberto Alerigi Jr, com reportagem de Gabriela Mello, Pedro Fonseca, Flavia Bohone e Ricardo Brito)