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Empresas criam ações para ampliar a liderança negra

Mercado Livre, Sanofi e Aegea adotam políticas de aceleração de carreira. Para especialistas, clareza nas metas é fundamental

Onze anos após a criação do Dia da Consciência Negra, celebrado neste domingo (20) e dez anos após a instituição da lei de cotas para negros no ensino superior, o número de pessoas negras que ocupam uma cadeira na universidade aumentou — mas, apesar disso, elas continuam sendo minoria em cargos de liderança nas empresas. 

Segundo dados do estudo “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, realizado pelo IBGE, os negros representavam a maioria dos trabalhadores no país (53,8%) em 2021. Porém, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais no mercado de trabalho.

O número, que já era baixo, ainda sofreu uma queda após a pandemia: o mesmo estudo realizado pelo IBGE apontou que, em 2019, os negros ocupavam 29,9% das posições gerenciais nas organizações.

“Muitas oportunidades não chegam para pessoas negras e, quando chegam, são oportunidades de base, para cargos de entrada como estágio, jovem-aprendiz ou analista. Isso não é por acaso, durante muito tempo e, ainda hoje, o mercado diz que não há pessoas negras preparadas para essas posições.

O que é uma contradição dado que os negros, graças a lei de cotas, acessaram a universidade e hoje possuem mais anos de estudo”, diz Sônia Lesse, sócia-diretora na Profissas, consultoria de diversidade e inclusão.

Sônia Lesse e Ana Minuto na apresentação do Potências Negras Tec, evento criado pelo Profissas com foco na carreira de pessoas pretas e pardas (Da esquerda para direita) (Profissas/Divulgação)

Recentemente, a Profissas conduziu um estudo com 4.259 pessoas, o Potências Negras Tec, que encontrou dados muito semelhantes aos apontados pelo IBGE: enquanto os brancos ocupam 37% dos cargos de gestão, entre os negros o número cai para apenas 14%.

“Muitas áreas, como marketing, publicidade e tecnologia são excludentes e não contam com pessoas que não se encaixem no perfil de homem branco, heterossexual, cisgênero e de menos de 35 anos.

O mercado de tecnologia ainda exige que você venha das universidades top de linha, tenha acesso a internet de ponta e fale inglês, ou seja, são diversos fatores que excluem os negros apesar de ser uma área promissora e conhecida pelos altos salários e falta de mão de obra”, afirma Lesse.

Inclusão além dos cargos de entrada

Nos últimos anos, com o avanço da discussão sobre a pauta racial no mundo corporativo, muitas empresas criaram programas de estágio e trainee focados em pessoas negras.

Mas, especialistas apontam que só esse tipo de iniciativa não é suficiente para corrigir as desigualdades históricas que a população negra enfrenta e mover os ponteiros na alta liderança.

“Não adianta criar programas de estágio, jovem aprendiz ou trainee se as empresas não tiverem uma estrutura para que as pessoas negras se sintam acolhidas e pertencentes. Porque daí o que vai acontecer é esses profissionais saírem das companhias após o período do programa”, diz Lesse.

“‘Ou seja, não basta integrar, dizer: eu permito que vocês estejam aqui. É preciso garantir a inclusão, com processos e políticas para garantir a permanência e aumentar o senso de pertencimento desses indivíduos”, completa a especialista.

Cientes disso, algumas empresas estão criando programas específicos para desenvolver profissionais negros e aumentar representatividade em cargos de liderança. Uma dessas companhias é o Mercado Livre, gigante do e-commerce que emprega mais de 13 mil funcionários.

Desde 2018, a companhia começou a abordar a temática da diversidade. Primeiro, externamente, com parcerias com instituições, como a PretaHub, para aumentar e oferecer suporte para empreendedores negros interessados em vender na plataforma do Meli.

Angela Faria, diretora de diversidade e inclusão do Mercado Livre: empresa aumentou de 38% para 43% número de negros no quadro de funcionários e de 5% para 9% em cargos de alta liderança (Mercado Livre/Divulgação)

O ponto de virada, entretanto, aconteceu em 2019, quando o Mercado Livre resolveu estruturar uma área dedicada à diversidade e inclusão e criou uma agenda com ações relacionadas à pauta racial no seu quadro de pessoas.

“Começamos a olhar tanto para a contratação quanto para inclusão de pessoas negras dentro da companhia. Em 2020 criamos um grupo de afinidades. Depois, começamos a fazer treinamentos e sensibilizações específicas sobre a temática racial com as lideranças, explicando, por exemplo, o contexto histórico do racismo”, diz Angela Faria, diretora de Diversidade e Inclusão do Mercado Livre.

Paralelo a isso, o Mercado Livre começou a desenvolver programas de contratação exclusivos para pessoas negras, muitos deles com a oferta de formação. Um deles é o IT Bootcamp, iniciativa de desenvolvimento na área de tecnologia, em que os profissionais já iniciam a trilha contratados pela empresa.

Outro é o First Mile, programa de formação em logística, para pessoas negras em início de carreira, que oferece treinamentos com foco em competências para posições de lideranças da área.

“Essa iniciativa é voltado para cargos de primeira liderança porque percebemos a necessidade de trazer os profissionais negros para o nosso pipeline de liderança. Então, escolhemos a logística por ser uma área onde temos mais vagas abertas”, diz Faria.

A executiva diz que, fora isso, o Mercado Livre tem implementado ações como recrutamento às cegas e programas de mentorias para profissionais negros que já estão dentro da companhia.

Para acelerar ainda mais o crescimento de pessoas negros dentro da empresa, o Meli mapeou as pessoas negras que poderiam ser considerados talentos em potencial para facilitar a visualização desses profissionais nos processos de promoção.

“Precisa ser um trabalho intencional. Mesmo no Mercado Livre, em que tivemos um crescimento gigante nos últimos anos, se não houvesse essa intenção de promover pessoas negras, nada mudaria. Porque, naturalmente, nossos vieses impedem que esse processo ocorra se não houver uma decisão proativa”, afirma Faria.

Embora recentes, os resultados das ações no Mercado Livre já começam a aparecer. Somente no ano passado, a empresa contratou cerca de 4 mil profissionais negros, fazendo com que o número de pessoas negras na empresa saltasse de 38% para 43%.

Atualmente, 17% dos funcionários negros ocupam posições de liderança, a partir de cargos de supervisão. Outros 9% estão em cargos de alta liderança, número que era de 5% em 2019.

Metas claras

Quando se fala em diversidade e inclusão existem alguns fatores que são a chave para sair do discurso e realizar mudanças concretas. Um deles é o engajamento da alta liderança. Outro é a intencionalidade, ou seja, a vontade, de fato, de incentivar a ascensão de pessoas negras — algo que passa pela criação de políticas afirmativas e metas claras sobre o tema.

Esse é o caso da Sanofi, que acaba de anunciar a meta de contratar 30% de profissionais pretos e pardos até 2025, sendo 25% somente para este ano. Além disso, nos próximos três anos, a multinacional francesa pretende ter 30% de negros em posições de liderança.

Outro exemplo é a Aegea, companhia de saneamento, que emprega mais de 11 mil funcionários que, além de estabelecer metas, atrelou a promoção de negros e mulheres na liderança a objetivos financeiros da companhia.

Até 2030, a empresa brasileira pretende aumentar de 32% para 45% e 17% para 27% o número de líderes mulheres e negros, respectivamente. Objetivo este que está atrelado a uma emissão de títulos ESG do tipo Sustainability-Linked Bonds (SLBs).

Para atingir essa meta, em 2017, a empresa criou um Programa de Igualdade Racial. Batizado de Respeito Dá o Tom, a iniciativa conta com três pilares de atuação: empregabilidade, desenvolvimento e relacionamento.

Na parte de empregabilidade, o foco é na geração de vagas para pessoas negras; no de desenvolvimento, a atenção é para a disponibilização de cursos e outras iniciativas de aprimoramento.

O último pilar, de relacionamento, atua na sensibilização dos funcionários por meio de atividades e ações para disseminação de conteúdo relacionados à questão racial, assim como realizar parcerias e participação em iniciativas empresariais externas para fomentar a questão.

Fabianna Strozzi, diretora de gestão de pessoas da Aegea: metas atreladas à emissão de títulos ESG

“Outro método sendo usado é o desenvolvimento de trilhas profissionais e mentorias de 100% dos talentos negros. Assim como a criação de Programas de Desenvolvimento Acelerado para talentos negros mapeados na linha de sucessão. E a implementação de Programas de Graduação, MBA e Formação Executiva com representatividade negra”, diz Fabianna Strozzi, diretora de gestão de pessoas da companhia.

Atualmente, 63% dos funcionários da Aegea se autodeclaram negros ou pardos, sendo que 19% deles estão em cargos de liderança.

“Para a Aegea uma concessão de saneamento é mais do que um contrato, é um compromisso com a geração de prosperidade compartilhada com a população em cada território onde opera. Para isso, é fundamental que cada concessionária seja composta pela força de trabalho que representa cada região, com a cara e o sotaque de cada um dos diferentes brasis onde atua”, completa Fabiana.

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Por Luciana Lima

Publicado originalmente em: cutt.ly/mMZySPf

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