O que a o liberalismo econômico tem a ensinar nas finanças
Howard Marks, renomado gestor de investimentos e “guru” do mercado financeiro americano, argumenta que, para alcançarmos retornos acima da média, necessitamos empregar pensamentos de segundo e terceiro níveis. Isso significa ser capaz de compreender além das consequências diretas de um evento.
E poucos são mais capazes de compreender a cadeia de consequências dos eventos econômicos e políticos do que um genuíno adepto dos princípios da Praxeologia e a teoria da Escola Austríaca de Economia.
Um adepto “austríaco” possui uma excelente compreensão sobre as consequências nocivas da política monetária do governo, de cortes artificiais das taxas de juros, das políticas intervencionistas, do sistema socio-democrático; assim como os efeitos positivos que a liberdade econômica, a preservação do direito à propriedade privada e uma baixa preferência temporal causam em uma sociedade.
Com uma boa compreensão do mercado financeiro e seus instrumentos, esses conhecimentos podem ser explorados e convertidos em oportunidades nos investimentos.
Quando afirmamos que podemos explorar um conhecimento específico para nos destacarmos no mercado financeiro, superando a média de mercado, estamos desafiando um dos principais conceitos do mercado (que hoje é quase um pressuposto): a “Hipótese dos Mercados Eficientes” (HME), uma teoria formada ainda na década de 1960 pelo chicaguista Eugene Fama, que sugere que os preços de mercado refletem de forma eficiente as informações disponíveis ao público.
Segundo a HME, não faz sentido tentar explorar “oportunidades” no mercado e buscar “alfa” (retorno acima da média de mercado), uma vez que não existe uma assimetria entre os preços de mercado e o valor desses ativos. Para buscar retornos maiores, necessariamente devemos correr riscos mais elevados.
Mas como toda teoria de modelo matemático, a HME abstrai da sua análise o papel do indivíduo no mercado, ignorando a natureza subjetiva das expectativas e decisões dos investidores e a forma como se relacionam com o mercado.
E antes de fazer uma crítica à HME sob a perspectiva austríaca, quero trazer brevemente uma outra abordagem (bem mais famosa) que também faz essa crítica de forma indireta: a linha da psicologia comportamental.
Segundo ela, os agentes de mercado são a todo momento influenciados por diversos vieses e heurísticas que influenciam suas decisões, como o viés político e viés da confirmação, heurística da ancoragem e FOMO (medo de ficar de fora), conceitos explorados por psicólogos como Daniel Kahneman, indicando que os investidores não são tão racionais como a HME implica.
E isso fica evidente pela forma como os preços se comportam em meio às emoções presentes no mercado. Pegando o histórico recente no Brasil, o mercado não demonstrava preocupação ao negociar ações a múltiplos ridiculamente altos e IPOs a valuations absurdos durante o governo Bolsonaro. Mas em 2023, após a eleição do Lula, quando a bolsa atingiu o seu patamar de Preço/Lucro mais baixo desde 2003, apresentando uma relação de risco/retorno, os investidores estavam mais céticos do que nunca para investir em ações. Embora cada cenário tenha suas particularidades, o viés político que influencia os investidores é claramente perceptível.
Não só isso, os investidores possuem diferentes horizontes de tempo: uma pessoa de 30 anos, que faz seus investimentos pensando em conseguir uma boa renda passiva nos seus 55 anos, terá um perfil de risco e alocação muito diferente de um gestor institucional, cuja própria remuneração depende do resultado que ele entrega aos seus clientes a cada ano.
Além das diferentes interpretações do cenário: um austríaco tem uma perspectiva diferente acerca das políticas de estímulos econômicos, juros artificialmente baixos, gastos públicos elevados, em comparação a um investidor “mainstream”.
Ao longo de 2020, enquanto diversos investidores (nomes de peso inclusive) do mercado financeiro brasileiro estavam celebrando o novo “patamar” dos juros no Brasil, mesmo em meio à pandemia, os austríacos alertavam que esse patamar de juros era insustentável e totalmente incompatível com a realidade do país.
O discurso na época, repetido por líderes como Lula, Henrique Meirelles (que já comandou tanto o Banco Central como o Ministério da Fazenda), André Lara Resende, Antonio Corrêa (ex-presidente do conselho federal de Economia e antigo reitor da PUC-SP) e até por Paulo Guedes, era que se deveria “imprimir” dinheiro para bancar os gastos com a pandemia e os lockdowns, pois “não havia risco de inflação”, o que, de fato, acabou sendo a linha de atuação do Bacen.
Entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2022, o agregado monetário M2 brasileiro aumentou em absurdos 38%.
Resultado: a bolsa continuou entregando máximas históricas até junho de 2021, quando entrou em uma tendência de queda, ainda sem recuperar o patamar anterior, após 3 anos dessa máxima.
A inflação (medida pelo IPCA) fechou em 10,06% em 2021, um movimento que surpreendeu o mercado, como podemos observar pelo relatório Focus, do Banco Central, que reúne a opinião de dezenas das casas de análise das principais instituições financeiras do país. Em seu primeiro relatório de janeiro de 2021, estimava que o ano fechasse com uma inflação acumulada de 3,34%.
Um adepto da Escola Austríaca, ciente da teoria monetária e dos ciclos econômicos, já antecipava uma inflação mais elevada e o consequente aumento dos juros. Mas esse conhecimento é de pouco valor se não for aplicado na prática.
Aqui a importância de conhecer bem os ativos financeiros. Esse investidor poderia ter aproveitado o momento para se posicionar em títulos pós-fixados, títulos indexados à inflação de curto prazo e tomar cuidado com suas posições em renda variável e títulos de longo prazo com componentes prefixados.
Também podemos usar de exemplo como muitos investidores são “influenciados” pela má teoria econômica (ou pela falta de uma boa) e vieses, quando olhamos o longo histórico de grandes investidores, empresas e instituições financeiras que tomaram decisões ruins e foram à falência, apesar de possuírem acesso às melhores informações disponíveis, pois fizeram uma má interpretação do ciclo econômico.
Acredito que esses exemplos deixam claro como o mercado consistentemente está mal precificando ativos financeiros. Se ao mesmo tempo em que o mercado tem uma interpretação divergente de nós, austríacos, alguém está “errado” em sua análise e essa assimetria de informações deve ser explorada.
Uma das maiores falhas dos austríacos é estarem “certos” no momento errado. Afinal, para que eventualmente estejamos “certos”, o mercado deve entrar em consenso com nossa perspectiva e perceber a má precificação para que uma correção ocorra, e chegar a essa convergência no mercado pode demorar.
Cientes disso, também é importante adotar mecanismos de segurança contra nós mesmos, pois ainda que tenhamos ao nosso lado a boa teoria econômica, também estamos expostos ao risco de vieses e heurísticas, e um específico que acomete muito os austríacos é o viés da confirmação (segundo o qual, passamos a interpretar toda a informação de forma apenas a confirmar crenças prévias), que nos abstrai um pouco a capacidade do raciocínio crítico.
Alguns austríacos (Peter Schiff entre eles), por exemplo, já estavam “profetizando” uma nova crise financeira global por volta de 2015, indicando a compra de ouro como forma de proteção. Mas por mais que as sementes de uma nova crise cíclica estavam sendo plantadas na época por conta da política econômica expansionista do governo Obama e Federal Reserve, outros fatores acabaram sendo ignorados dessa análise, como a capacidade do FED em seguir com suas políticas estimulativas e da economia americana de absorvê-las (um fator frequentemente subestimado), sendo a ascensão das big techs um dos vetores do crescimento econômico nesse período.
É impossível prever com exatidão quando haverá uma virada de ciclo ou por quanto tempo o governo (Banco Central) manterá suas apostas expansionistas. Portanto, é razoável que os ajustes de carteira sejam feitos de forma gradual, na proporção em que os sinais de virada de ciclo se mostram mais evidentes.
O investidor que tivesse seguido a recomendação de vender ações no meio dos anos 2010 teria perdido uma das maiores altas do mercado de ações da história, para ver seu patrimônio andando de lado com o ouro.
Os austríacos são bons investidores?
Um dos pontos pelos quais a teoria austríaca mais se destaca é sua perspectiva realista e descritiva da realidade, habilidades importantíssimas para um investidor.
O lado “ruim” de ter uma teoria sólida como aliada é que ficamos mais suscetíveis à arrogância, que por sua vez, nos torna mais vulneráveis a vieses psicológicos, que acabam nublando nossa capacidade de análise. No complexo (e emotivo) mundo dos investimentos, a ênfase na teoria e na racionalidade não é suficiente. Esse talvez seja o erro que alguns austríacos cometem.
Por isso, friso que não basta apenas conhecer a boa teoria econômica. A psicologia comportamental também pode ser um grande aliado, pois nos auxilia a entender o racional do mercado (e o nosso) e o processo de análise se torna menos frustrante.
A inflação (na semântica austríaca: emissão monetária), por exemplo, tema central da crítica austríaca, é frequentemente superestimada entre os austríacos. Basta o governo anunciar um quantitative easing (afrouxamento monetário) para alguns austríacos gritarem aos quatro ventos (ironia) que níveis absurdos de inflação virão.
Mas os preços não são formados apenas em função da quantidade de dinheiro em circulação (apesar de sim, ser o principal fator), mas também pelos níveis de oferta e demanda, perspectivas do mercado e fatores externos.
Todos os dias são produzidas e oferecidas quantidades inimagináveis de bens e serviços. A alta dos preços ocorre porque os Bancos Centrais criam quantidades ainda maiores de dinheiro. O que impede que o mundo não caia em uma espiral inflacionária é a produtividade da economia global, que assim como a oferta monetária, aumenta continuamente. Os mercados financeiros absorvem boa parte dessa liquidez, inclusive, inflando os valuations de tudo o que é ativo.
Nós austríacos, melhor do que ninguém, deveríamos estar cientes disso.
Uma análise isenta de juízos de valor e menos enviesada, utilizando os princípios e as teorias austríacas, em conjunto com o conhecimento de mercado financeiro e da psicologia comportamental, nos proporcionará a bagagem necessária para navegar pelo melhor caminho em nossos investimentos.
Na parte 2 deste artigo, vamos navegar pelas aplicações práticas das teorias e princípios da Escola Austríaca nos mercados financeiros e como explorar esses conhecimentos para identificar oportunidades de investimentos.
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Por Arthur Falcão
Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/pGEVu