Antes restrito ao mundo das grandes fortunas, o mercado de investimentos passa por um processo de democratização no Brasil. O surgimento de novas tecnologias, aliado ao avanço da educação financeira, impulsionou a criação de diversas plataformas de investimento no país, que oferecem aplicações acessíveis para o pequeno investidor.
Apesar de a poupança ainda ser a aplicação mais popular entre os brasileiros, com R$ 730,7 bilhões investidos ao final de 2018, seu avanço no ano passado (10%) foi menor na comparação com o crescimento dos fundos de investimento (10,8%), considerando apenas o segmento do varejo – de aplicações abaixo de R$ 3 milhões.
Com o objetivo de entrar neste nicho, o BTG Pactual lançou sua plataforma digital no fim de 2016. Tradicional no setor de private banking, que engloba investimentos individuais a partir de R$ 3 milhões, o BTG almeja ter 10% do mercado de varejo sob custódia nos próximos anos. Em entrevista a MONEY REPORT, Marcelo Flora (foto), sócio responsável pelo BTG Pactual digital, fala sobre a evolução do setor no Brasil e os planos do banco para avançar sobre o pequeno investidor.
Como você vê o mercado brasileiro de investimentos?
Estamos assistindo a um crescimento da educação financeira no Brasil. À medida em que as pessoas passam a se educar, elas conseguem identificar com mais facilidade a importância de investir com qualidade. Antes, tínhamos uma segregação no país, pois o varejo tradicional não tinha acesso às aplicações mais rentáveis, disponíveis apenas para os clientes de renda mais elevada. Agora, com o avanço da tecnologia, conseguimos remover esse atrito e levar a mesma oferta para os investidores do varejo, pelo mesmo preço e sem cobrar sobretaxa. Apesar de o varejo normal não crescer tanto, por ter menos capacidade de poupança, o varejo de alta renda encerrou 2018 com avanço de 12,1%, acima dos 10,7% registrados no private banking. Estamos tendo uma oportunidade fantástica com esse movimento de transformação digital no mundo, que beneficia empresas que são “asset lights” – com alta rentabilidade sobre o capital investido -, como Uber e Airbnb.
Quais são os desafios que essas mudanças impõem aos bancos tradicionais?
Eu creio que os grandes bancos de varejo – hoje são basicamente cinco no Brasil – estão tentando adequar a sua estrutura de custo a esse novo modelo. Se formos analisar, qual era a dinâmica até aqui? Se o cliente precisasse resolver qualquer problema no banco, ele ligava lá e a resposta era sempre a mesma: ‘vai lá na agência para o gerente resolver, mas desde que você também ajude-o a bater sua meta’, o que fazia o cliente sair de lá com produtos pouco atrativos. Quem não conhece uma pessoa mais idosa que saiu do banco com um plano de previdência totalmente inadequado para a sua idade? Como parte desse processo de transformação digital, não é mais preciso ir à agência. Hoje você consegue abrir uma conta apenas pela internet. No BTG Pactual digital, por exemplo, 35% das contas criadas em janeiro foram abertas em menos de duas horas. Os bancos estão percebendo que as pessoas querem mais comodidade e vêm fechando cada vez mais agências desde 2015. Esse processo vai continuar para eles poderem competir nesse ambiente de arquitetura aberta, no qual o cliente pode acessar investimentos de diferentes instituições em uma mesma plataforma. No modelo tradicional, os gerentes só oferecem produtos da mesma instituição. Porém, conforme as agências vão sendo fechadas, os gerentes são incentivados a se tornar agentes autônomos, com algumas plataformas à disposição para escolher com quem eles vão trabalhar.
Falando na figura do agente autônomo, ele é importante para ajudar o investidor a tomar as melhores decisões. Contudo, estamos assistindo ao surgimento de robôs que indicam as aplicações mais rentáveis. O agente pode perder espaço para novas tecnologias?
Apesar dessa tendência de autoatendimento existir, eu acredito fortemente que o agente autônomo exerce um papel fundamental no processo de migração da riqueza dos grandes bancos para as plataformas de investimento. Isso ainda mais em um país como o Brasil, onde mais de 95% da riqueza das famílias ainda é investida em grandes bancos de varejo, no famoso cafezinho com o gerente. Eu creio que o grande papel do agente é ajudar o cliente a sair dessa dinâmica tradicional e colocá-lo neste novo contexto. Penso que a grande oportunidade que temos no Brasil, de reduzir a concentração bancária, não é via autoatendimento, mas com o agente pegando o cliente na mão e ajudando-o a desbravar esse mundo novo. E a tendência é essa atividade crescer no longo prazo. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem mais de 800 mil agentes e o número continua aumentando, apesar de o nível de educação financeira ser maior e você ter robôs de investimentos mais sofisticados. Para o Brasil, onde este mercado ainda é muito incipiente, seria um salto muito grande sair do gerente do banco e ir direto para uma conta 100% online sem falar com ninguém, usando apenas o robô.
Pensando mais especificamente no BTG, que sempre esteve focado na gestão de grandes fortunas, podemos dizer que o banco está começando a olhar com uma nova visão para o pequeno investidor?
Com certeza. O BTG Pactual digital é a nossa plataforma para acessar o varejo e o varejo de alta renda. Nosso wealth management é muito focado naquela família com patrimônio elevadíssimo, de R$ 500 milhões, R$ 1 bilhão, por exemplo. Com o digital, a novidade é poder atrair aquele cliente na faixa entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões, além do restante do varejo, que é um mercado enorme. Eu acho que o avanço das nossas ações desde novembro é reflexo da possibilidade de nos tornarmos um player relevante nestes mercados, em que não atuávamos antes.
Como foi essa mudança?
O BTG sempre teve um posicionamento de banco de investimentos, com um volume muito pequeno de clientes. Quando começamos o digital, talvez o banco tivesse 5 mil, 10 mil clientes, não mais do que isso. Nossos R$ 120 bilhões do wealth managament estão concentrados em poucas famílias. Para estarmos conversando aqui, é porque tomamos uma decisão em 2014, de desenvolver a nossa plataforma digital, e isso, obviamente, não foi um processo trivial. Com um investimento muito forte em tecnologia, estamos abrindo cada vez mais contas – abrimos mais contas em janeiro do que em 2015 e 2016 somados. Dos mais de 150 mil clientes que nós temos, a maioria esmagadora está na nossa plataforma digital.
Aonde vocês pretendem chegar?
É muito difícil estimar isso, mas temos a seguinte ideia: o mercado de private banking no Brasil tem mais ou menos R$ 1 trilhão investidos. Nosso setor de wealth management cuida de mais ou menos R$ 120 bilhões, 125 bilhões, ou seja, mais de 10% desse nicho, no qual os clientes são mais sofisticados e assediados. Além dos grandes bancos brasileiros do varejo, você tem todos os grandes bancos globais tentando acessar esse nicho, como JP Morgan, Goldman Sachs, UBS, e esse cliente, obviamente, está acostumado com a arquitetura de produtos aberta, ele não fica restrito a uma única instituição e tem acesso a preços muito competitivos. Quando você vai para o varejo e o varejo de alta renda, estamos falando de um mercado de aproximadamente R$ 1,8 trilhão, quase o dobro do mercado de private banking, com indivíduos que são menos sofisticados, menos assediados – pois os bancos internacionais não atuam nesse segmento –, com uma oferta de produtos cara e fechada. Acreditamos que com tecnologia e as soluções que estamos desenvolvendo, temos que ter pelo menos 10% do mercado, o que seria quase R$ 200 bilhões hoje. Pode até ser que alcancemos 12%, 15%, mas acreditamos fortemente que vamos abocanhar esse mercado dentro dos próximos 3, 4, 5 anos.