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Acabar com o crédito rotativo não é uma atitude liberal

Em audiência no Senado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que estuda acabar com o crédito rotativo nos cartões de crédito. As taxas dessa modalidade, que atingem 454 % ao ano, são a razão de uma enorme inadimplência entre os portadores de cartões: entre os que entram no rotativo, cerca de 52 % dos consumidores não conseguem pagar suas dívidas. O BC quer que aquele portador que não pagar a fatura integralmente caia em um parcelamento compulsório, com juros menores.

“A solução está se encaminhando para que o cliente não vá para o rotativo. Que vá direto para o parcelamento. Extingue o rotativo e quem não paga o cartão vai direto para um parcelamento com taxa ao redor de 9%. E a gente cria algum tipo de tarifa para desincentivar esse tipo de parcelamento sem juros tão longo. Não é proibir o parcelamento sem juros. É simplesmente tentar que ele fique disciplinado para não afetar o consumo. Cartão de crédito responde por 40% do consumo no Brasil”, disse Campos Neto aos senadores.

O problema, no entanto, não está no financiamento rotativo – e sim no gigantismo dos juros praticados no Brasil. Em países com taxas menores, como nos Estados Unidos, o crédito rotativo é utilizado em larga escala e faz parte do chamado “american way of life”. Segundo dados do Federal Reserve, 45 % de todas as famílias americanas utilizam o crédito rotativo em um ou mais cartões. A média devida nessa modalidade é de US$ 6.270 – e o montante de juros e tarifas cobradas pelos administradores de cartões para quem rola o débito do cartão é de US$ 111 bilhões ao ano.

O cartão é um instrumento fácil e prático para financiar compras. Mas, de fato, pode ser uma armadilha quase que mortal com juros estratosféricos como os brasileiros. Mas vamos supor que Campos Neto acabe com o crédito rotativo por causa dos atuais percentuais. O que vai ocorrer se as taxas caírem no futuro? Vai revivê-lo, pois o risco de inadimplência será menor?

No fundo, essa decisão é semelhante ao do presidente Eurico Gaspar Dutra, que acabou com o jogo de azar no Brasil (e, consequentemente, com os cassinos) em 1946 – dizem que a medida foi tomada por insistência da primeira-dama Carmela (conhecida nacionalmente como “Dona Santinha”). O jogo criava um problema social para algumas pessoas? Então seria função do Estado proteger os cidadãos do perigo que existia no carteado e nas roletas e perdiam dinheiro na jogatina. Foi o que Dutra fez: quis acabar com o vício de alguns cidadãos por decreto. Sem os cassinos, porém, eles se entregaram a apostas ilícitas ou legalizadas e igualmente viciantes, como as corridas de cavalos.

Com os cartões, parece ser a mesma coisa. Todos sabem que as taxas cobradas no rotativo são exorbitantes. Só caem nessa esparrela aqueles que não têm alternativa. Ocorre que as administradoras de cartão já oferecem o parcelamento de faturas a juros menores – o mesmo que o BC quer tornar obrigatório.

Os bancos já fizeram, nos últimos anos, um trabalho de catequização dos clientes e explicaram exaustivamente aos correntistas os riscos de abusar do cheque especial e do crédito rotativo do chamado dinheiro de plástico. Por isso, dificilmente alguém que rola a dívida se surpreende com os juros cobrados na fatura seguinte.

Assim, não seria o caso de deixar as coisas como estão – e talvez ampliar as campanhas de educação financeira? Confesso que me incomodo toda a vez que o Estado resolve tomar decisões em meu lugar. E, neste caso, Campos Neto está decidindo uma questão financeira por mim, por você e por todos.

Ele seria mesmo um liberal da gema, como foi o avô?

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