Por Jeffrey Tucker
Somos diariamente bombardeados por incessantes lamúrias sobre a “crescente desigualdade”, além de clamores por aumentos draconianos de impostos para resolver este “problema”.
As reclamações ocorrem, religiosamente, há anos, não obstante as altamente suspeitas técnicas de mensuração dos dados.
Para começar, não faz sentido dizer que uma desigualdade crescente — ainda que esta de fato ocorresse — seja um problema, simplesmente porque, em uma economia de mercado, em nada me subtrai o fato de o cara do outro lado da rua ser um bilionário e eu não. As chances são de que ele está criando empregos, doando para instituições de caridade, e fazendo investimentos na estrutura produtiva da economia, o que beneficia a todos nós. (Entenda todos os detalhes aqui).
Uma sociedade igualitária afundada na pobreza é fácil de ser criada: basta dar força suficiente ao governo.
Entretanto, examinemos esta alegação por um ângulo diferente. O que exatamente está sendo mensurado? O coeficiente de Gini, por exemplo, que é o indicador mais utilizado, mensura a renda de vários segmentos da população, o que é bastante de diferente de mensurar o consumo. Isso, por si só, já é uma falha grave, pois, em uma economia em crescimento, uma mesma quantidade de renda compra cada vez mais bens e serviços.
Em termos práticos, os pobres de hoje vivem melhor do que os reis de antigamente. Se o objetivo é melhorar a situação de todos, mensurações de igualdade de renda e de posses materiais apenas desviam a atenção daquele que deveria ser o verdadeiro objetivo: a universalização de vidas dignas.
O material e o conhecimento
Analisemos agora mais profundamente a ideia de que a riqueza material é o que deveria ser a mensuração da igualdade. Faz sentido?
Uma forma de riqueza intangível, porém extremamente crucial, é a informação. Mais especificamente, o acesso à informação, ao conhecimento.
De certa maneira, a informação — a oportunidade de acessá-la e a capacidade de contribuir para o estoque utilizado pela humanidade — é muito mais importante para nossas vidas do que posses materiais.
A informação é o pilar de uma cultura. Ela fornece o caminho para o sucesso. Ela nos ajuda a viver vidas melhores. Ela, no mínimo, facilita a multiplicação de riquezas: informação bem utilizada ajuda as pessoas a investirem melhor e a fazerem bom uso do dinheiro que possuem.
E onde estamos no que diz respeito ao compartilhamento de informações, ou seja, a distribuição da mercadoria mais valiosa? Nunca o acesso foi tão simples e fácil. Acesso ao quê, exatamente? A absolutamente tudo o que a humanidade já aprendeu e conhece.
Neste exato momento, estou sentado em uma cadeira em um aeroporto. Várias pessoas estão esperando o momento de embarcar. Cada uma delas está portando uma ferramenta que é um portal para toda a informação conhecida pelo mundo. E várias destas pessoas provavelmente estão acrescentando informações ao mundo neste exato momento. E isso está acontecendo apesar de disparidades de renda, de gravidezes indesejadas e até mesmo do próprio nível de renda. Os pontos de acesso e os custos deste acesso ao redor do mundo — gratuito na esmagadora maioria dos estabelecimentos comerciais — caíram a um nível em que praticamente ninguém mais é excluído. E irão continuar caindo, graças ao progresso tecnológico.
[N. do E.: no Brasil, 85% das pessoas entre 18 e 25 anos de idade já têm acesso à internet, e 138 milhões de brasileiros já têm celular. Por outro lado, a quantidade de casas com esgoto, um monopólio estatal, chega apenas a 66% das famílias…].
Não se trata apenas de uma maravilha da tecnologia. Não é apenas algo esplêndido de se observar e constatar. Trata-se também de algo que trouxe mais igualdade à sociedade.
Considere o contraste com 30 anos atrás. Tudo o que sabíamos era controlado por apenas um punhado de pessoas que tinham acesso privilegiado. Eles eram os escritores de livros, os jornalistas que escreviam para revistas, e as pessoas que trabalhavam nas poucas redes de televisão. E a comunicação deles conosco era uma via de mão única. Nós não tínhamos como responder ou mesmo rebater esta elite. Eles falavam e nós escutávamos. Nossa capacidade de contribuir com informações para o debate era praticamente nula, e tudo o que podíamos fazer era compartilhar as notícias com as pessoas fisicamente próximas de nós. No máximo, podíamos enviar cartas às pessoas mais distantes, as quais seriam entregues com semanas de atraso por algum funcionário do governo.
Esta realidade ainda está fresca na memória da maioria das pessoas vivas hoje.
Isidoro de Sevilha, no século VI, se auto-incumbiu da tarefa de reunir todo o conhecimento do mundo em um único livro. O resultado foi a enciclopédia Etymologiae. Foi o projeto de uma vida. A obra se tornou o livro essencial para ser utilizado como aprendizado durante toda a Idade Média. Mas apenas alguns pouquíssimos privilegiados tinham acesso. O uso massificado de livros só começou a virar uma realidade no século XIX.
A era do conhecimento
Hoje, todos nós carregamos inúmeras versões expandidas da Etymologiae em nossos bolsos. Esta mesma ferramenta nos oferece o poder da televisão, não apenas como consumidores, mas como transmissores, para todo o mundo. Podemos acessar absolutamente todos os cursos do MIT. Os portais de informações são infindáveis e impressionantes. Podemos jogar jogos e nos comunicar gratuitamente com qualquer outra pessoa que tenha acesso à internet. Mesmo o simples ato de ligar a televisão nos fornece acesso imediato a várias centenas de estações. A explosão da informação em nossas vidas é tão vasta e profunda que é impossível de ser acuradamente descrita.
Mas eis o crucial: hoje, não mais é só para uma elite; é para todos. E isso foi tornado possível por um mercado que está incessantemente em busca de sua próxima base de consumidores.
Em termos de acesso à informação e de oportunidade de aprender e compartilhar conhecimento, nunca fomos tão ricos e iguais. Compartilhamos o que sabemos, aprendemos com terceiros, e somos inundados por uma infindável corrente de dados cruciais para viver uma boa vida. Cabe exclusivamente a cada um de nós saber tirar proveito de tudo isso.
Estamos constantemente bebendo daquela fonte que F.A. Hayek rotulou de “fundo da experiência”: trata-se do meio pelo qual todo o planeta e toda a história pode se beneficiar do sucesso de uma única empresa ou de um único inovador, desde que haja meios através dos quais esse conhecimento possa ser compartilhado.
“A dádiva do conhecimento,” — escreveu ele em 1966 — “que tanto custou para ser conseguida por aqueles que estão na vanguarda, permite aos seguidores alcançar o mesmo nível de conhecimento a um custo muito menor”.
Hayek então fornece esta extremamente perspicaz observação sobre o valor da informação:
A expansão do conhecimento é de crucial importância porque, embora os recursos materiais irão para sempre permanecer escassos e terão de ser reservados para propósitos limitados, o uso de novos conhecimentos (em que não os tornamos artificialmente escassos por meio de patentes que concedem monopólios) é irrestrito.
O conhecimento, uma vez alcançado, se torna gratuitamente disponível para o benefício de todos. É por meio desta dádiva gratuita do conhecimento adquirido pelos experimentos de alguns membros da sociedade que o progresso generalizado se torna possível; que as conquistas daqueles que estiveram na vanguarda facilitam o avanço daqueles que vêm depois.
A difusão da tecnologia e dos aplicativos de celular que transformam a todos em empreendedores, em conjunto com a Lei de Moore (que diz que o poder de processamento da informática em geral dobra a cada 18 meses, e com custos decrescentes), está acelerando a divisão do trabalho ao aumentar o número de empreendedores, ao reduzir o custo da informação e, principalmente, ao difundir o conhecimento a custo praticamente zero.
Estamos de volta àquela outra observação feita por Hayek, ainda em 1945, em seu artigo O uso do conhecimento na sociedade. O conhecimento é descentralizado. O livre mercado cria incentivos para que aquelas pessoas que possuem informação especializada possam colocar esse conhecimento para usos lucrativos. E, ao fazerem isso, todo o resto do mundo é gratuitamente beneficiado. A riqueza se espalha e se torna mais igual.
Infelizmente, nunca há como ganhar
Mas, por acaso vemos os defensores da igualdade celebrando esta notável conquista? De minha parte, nunca vi nenhum. Ao contrário: o fiel da balança foi brutalmente deslocado, e os termos do debate foram inteiramente direcionados para um enfoque exclusivo, obsessivo e maníaco na renda como a única fonte possível de riqueza.
Só que tudo é ainda pior. Nunca tivemos tanto acesso a outras formas de pensamento e de vida, e a novas culturas, idiomas e experiências humanos. A oportunidade de descobrir e adotar nunca foi tão volumosa. E, em meio a este extraordinário fluxo de informações que vêm de fora da nossa estreita experiência, a esquerda progressista afirma que é errado — e até mesmo profundamente imoral — se “apropriar” das experiências de outras pessoas e aprender com elas de uma forma que seja proveitosa para nós. Afinal, fazer isso é considerado uma “apropriação cultural“, como se fosse uma forma de roubo.
Trata-se de uma acusação inacreditável, além de ser profundamente anti-intelectual. Você não tem como roubar uma cultura. Cultura não é um bem escasso. Está ali disponível para todos se “apropriarem” dela. Atacar nossa liberdade de aprender e de ser influenciado, e rotular de “antiético” descobrir algo diferente e vivenciar aquela experiência significa aniquilar todas as chances de progresso. Trata-se de um ataque fundamental à maior fonte de riqueza que hoje usufruímos como sociedade.
Com isso, é possível entender que, da maneira como a esquerda manipulou o jogo, simplesmente não há como a liberdade vencer o debate a respeito da igualdade. Se você mostra que a informação é o bem mais valioso que existe e que nunca houve uma oferta tão grande, a esquerda diz que isso não importa. Se você mostra que a cultura geral nunca esteve tão acessível, a esquerda diz que é errado consumir e ser influenciado pela cultura alheia, pois isso configura roubo.
Os críticos da economia de mercado que invocam a igualdade como um ideal não irão sossegar enquanto não conseguirem aniquilar toda e qualquer oportunidade de as pessoas viverem uma boa vida.
Aqui estamos nós, em um era de inaudita abundância do bem mais valioso que existe, o qual está disponível para todos, independentemente da classe social, e, em vez de celebração e apreciação, vemos o exato oposto: reclamações infindáveis sobre mesquinhas preocupações materialistas, as quais têm uma relevância totalmente efêmera para a qualidade de vida que todas as pessoas esperam usufruir.
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