Nota do Editor
Há mitos que inacreditavelmente se recusam a morrer. Pior: sua existência segue gerando empobrecimento.
O artigo abaixo foi originalmente publicado em julho de 2017. Naquele ano, houve uma pontual deflação de preços no mês de junho. Consequentemente, boa parte da mídia “especializada” entrou em polvorosa, dizendo que a deflação de preços prenunciava uma forte retração da economia (a qual, diga-se de passagem, havia acabado de sair da recessão).
Ontem, dia 9 de outubro de 2019, foi divulgada uma nova, pontual e totalmente tímida deflação de preços no mês de setembro. Houve redução de preços nos alimentos e em “artigos de residência”, como eletrodomésticos e itens de TV, som e informática.
Impressionantemente, a mídia “especializada” retomou a mesmíssima ladainha, dizendo que o fato de ter havido queda nestes preços é uma notícia ruim para a economia. (Veja três inacreditáveis análises aqui, aqui e aqui)
Apenas pense nisso: a mídia “especializada” está dizendo que o fato de alimentos, eletrodomésticos e produtos de informática terem ficado pontualmente mais baratos é na realidade uma notícia ruim, pois isso seria sintoma de uma economia fraca.
Por essa lógica, o ano de 2015, quando o IPCA subiu quase 11%, deveria ter apresentado uma economia pujante. No entanto, como todos se lembram, a economia se retraiu intensamente naquele período (o PIB afundou 5,5%).
Ou o que dizer do próprio PIB do primeiro trimestre deste ano, que foi ligeiramente negativo ao mesmo tempo em que apresentou a maior inflação trimestral em três anos?
Com efeito, se essa mídia “especializada” for coerente, quando o próximo IPCA for divulgado e apontar aumento de preços, ela terá de comemorar dizendo que tal inflação indica “forte recuperação econômica”.
Veja por que você deve ignorar as “análises” desta mídia (no final, tudo é política) e entenda por que preços em queda (aproveite, não irão durar) são uma bênção (como se você já não soubesse disso).
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Suponha que você reserve o seu sábado para ir ao shopping fazer compras. Ao chegar lá, você vê um cartaz anunciando: “50% de desconto em tudo!”.
Isso é uma ótima notícia, certo?
Ou então, suponha que você está à procura de um carro novo. Ao pesquisar, você se surpreende ao descobrir que os carros estão mais baratos em relação ao ano anterior. Incrível e sensacional!
Ou digamos que você está pagando o colégio de sua filha e descobre que você separou mais dinheiro que o necessário, pois os preços da mensalidade e dos livros estão mais baixos do que você esperava. Glória!
Olhemos agora do ponto de vista empreendedorial. Você é um industrial e seu principal gasto é com as peças de aço. Após vários anos, até mesmo décadas, de preços crescentes para rolamentos e outras partes do maquinário, seus custos repentinamente caem. Consequentemente, o custo de manutenção e de substituição de ativos é dramaticamente reduzido. Isso lhe deixa com mais dinheiro para investimentos, folha de pagamento, propaganda, e para atrair mais investidores por meio de maiores dividendos. Trata-se de uma situação em que todos ganham.
Até agora, a deflação de preços parece algo glorioso. “Mas não é!”, grita o economista empertigado. Consumidores e produtores podem até se beneficiar, mas e os vendedores?
É fato que vendedores sempre querem vender seus produtos ao preço mais alto possível. Isso vale tanto para a Apple quanto para a padaria na esquina da sua casa. Se dependesse da Dell, cada computador custaria $ 1 milhão e, se ela conseguisse vender por $1 milhão o mesmo número de computadores que vende hoje aos preços atuais, é claro que ela cobraria este novo valor.
Igualmente, consumidores gostariam de pagar exatamente $0 por tudo aquilo que compram.
É a interação entre estes dois mundos ideais o que gerará os preços de mercado.
Sendo assim, em um cenário de deflação de preços, se as empresas estão sendo forçadas pela concorrência a venderem a preços cada vez menores, como elas podem ter lucros? Simples: tornando-se mais eficientes. Cortando custos.
Qualquer um que já tenha trabalhado em uma empresa sabe que eficiência é algo que empresas implantam quando realmente necessitam dela e quando não há alternativa mais fácil (por exemplo, apenas aumentar preços). Um monopólio (pense nos Correios ou no Detran) não enfrenta nenhuma concorrência, de modo que ele pode continuar elevando preços e mantendo horrendas ineficiências ano após ano. Já uma empresa em um ambiente concorrencial não pode se dar a este luxo.
A indústria tecnológica fornece a melhor ilustração prática desta teoria. Ao longo das últimas décadas, os preços desabaram (principalmente naqueles países que praticam livre comércio, sem barreiras à importação), as vendas aumentaram, e os lucros não pararam de subir. Fabricantes e revendedores de computadores e notebooks auferiram fartos lucros.
Mas este não foi o único setor. O mesmo ocorreu para os utensílios e os aparelhos eletrodomésticos, cujos preços também caíram ao mesmo tempo em que as vendas e os lucros aumentaram. Por quê? Porque fabricantes e vendedores melhoraram naquilo que fazem, e consequentemente conseguiram obter lucros mesmo em um cenário de queda de preços.
Consequentemente, não há nenhum conflito entre os interesses dos consumidores (quem sempre querem preços menores) e a saúde de uma economia em geral. O que é bom para os consumidores é bom para todos.
Vale lembrar que, do início da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, até o início da Segunda Guerra Mundial, os preços nos países desenvolvidos geralmente caíam, ano após ano. Um cenário de deflação de preços anual era a norma no mundo, especialmente nos EUA, entre 1865 e 1913 (ano da criação do Fed). Foi também nessa época que o país mais cresceu em termos anuais
Isso porque um contínuo aumento da produtividade, gerado pelo livre mercado, levou a uma queda nos preços. E dado que os custos de produção caíam junto com os preços de venda, os investimentos aumentavam normalmente. Em geral, os salários permaneceram constantes ao passo que o custo de vida caiu — de tal forma que os salários “reais”, ou o padrão de vida de todos, aumentou constantemente.
Vale enfatizar: o segredo está na produtividade. Com o aumento da produtividade e da eficiência dos métodos de produção, os custos podem cair proporcionalmente mais que os preços, tornando qualquer empreendimento lucrativo, mesmo com queda de preços.
Com efeito, em um cenário de deflação de preços generalizada, ter lucros pode ser ainda mais fácil, pois, ao contrário do que ocorre em um cenário de inflação de preços, os custos de produção também estariam caindo. E, com a correta adoção de economias de escala e métodos produtivos mais eficientes, os custos cairiam ainda mais que os preços, garantindo altos lucros.
Não há nada de terrível se ter preços em queda. Queda de preços é justamente o que ocorre em uma economia de mercado em que haja concorrência e um contínuo aumento da oferta de bens e serviços. Todos nós consumidores gostamos quando os preços das coisas ficam mais baratos.
Entram em cena os economistas para bagunçar tudo
Tendo entendido isso, é de se espantar a quantidade de economistas e comentaristas econômicos que tentam convencer o público de que a deflação de preços é uma coisa apavorante. Muitos gostam de falar isso porque tal afirmativa traz aquela comoção e aquele impacto geralmente associados a uma conclusão contra-intuitiva. Só que, neste caso, eles simplesmente estão errados. A primeira e natural intuição — a de que barganhas são ótimas — é exatamente a intuição correta. Em matéria de economia, algumas vezes o bom senso acaba sendo todo o necessário para se avaliar uma medida.
Eis, a seguir, os principais “argumentos” anti-deflação apresentados por essas pessoas.
Consumo versus poupança
O principal argumento utilizado por esses economistas e comentaristas econômicos é que, se as pessoas sabem que os preços cairão continuamente, então elas irão postergar ao máximo seu consumo, esperando tudo ficar mais barato. Consequentemente, com o consumo em queda, o desemprego aumentaria e toda a economia entraria em uma permanente depressão.
Na prática, essas pessoas estão dizendo que, entre comprar hoje ou postergar a compra em cinco anos, quando os preços estarão menores, todos optarão pela segunda alternativa.
Em primeiro lugar, é verdade que preços em queda criam um incentivo para a poupança. Mas isso, por si só, é ótimo. Enquanto a preferência voluntária dos consumidores for pela poupança em detrimento do consumismo, isso irá criar os fundamentos para um crescimento econômico futuro. A poupança é exatamente a atitude que possibilita uma maior acumulação de capital e um maior volume de investimentos. E consumidores poupam por um motivo óbvio: para poderem gastar mais no futuro.
Em segundo lugar, não há nenhuma evidência de que uma queda nos preços faça com que as pessoas posterguem suas compras. Se isso de fato ocorresse, ninguém jamais compraria televisões, smartphones, câmeras, notebooks e demais apetrechos eletrônicos, pois sabemos perfeitamente bem que tais itens estarão mais baratos e com ainda mais qualidade no ano que vem. O que ocorre na realidade é que as pessoas acabam comprando uma maior quantidade de todos esses itens.
As pessoas compram coisas quando necessitam delas, e levam em consideração a tendência dos preços (afinal, ninguém pode adiar compras para sempre).
Ademais, e isso é ainda mais importante, o ser humano sempre irá preferir ter um bem hoje a ter esse mesmo bem apenas no futuro distante. Isso é o básico da teoria da preferência temporal. Logo, sempre que possível, consumidores preferem consumir no presente. Além de você não poder postergar sua demanda por alimentos, roupas, moradia e alguns outros bens, há também o fato de que você não necessariamente irá adiar sua aquisição de um bem hoje só porque ele estará mais barato daqui a uma ano. Porque mesmo comprando-o hoje a um preço maior, você sabe que seu poder de compra será maior no futuro. E isso muda tudo.
Se você vive em um ambiente em que os preços estão caindo, você sabe que seu poder de compra futuro será maior que o atual. Mesmo sabendo que um carro estará $3.000 mais barato daqui a dois anos, você ainda assim irá comprá-lo hoje, pois sabe que daqui a dois anos seu dinheiro estará valendo mais. Não obstante seu gasto de hoje, você terá maior poder de compra para aquisições futuras. É justamente o fato de você saber que terá maior poder de compra no futuro o que não irá restringir seu consumo presente.
Ao contrário: é até bem possível que o consumo presente possa aumentar.
Portanto, eis o que temos em um cenário de deflação de preços: 1) ou as pessoas pouparão mais, o que será ótimo para o futuro da economia; ou 2) elas consumirão mais, o que é o exato oposto do que temem os economistas anti-deflação de preços.
O problema do endividamento
Outro temor destes economistas se refere às implicações da deflação de preços para o endividamento. Segundo eles, a deflação de preços “faz com que seja muito mais difícil a quitação das dívidas pendentes”.
É verdade que, em um cenário de deflação de preços, os empréstimos serão quitados com um dinheiro que vale mais do que aquele que foi emprestado. No caso de empresas pouco eficientes, a queda dos preços levará a uma queda de suas receitas, o que dificultará a quitação dos empréstimos.
Mas tudo isso faz parte do risco que um indivíduo assumiu quando decidiu se endividar. Se todos nós tivéssemos uma perfeita capacidade de previsão, nosso comportamento seria totalmente diferente. Isso não é um argumento para apertarmos o botão do pause nas relações econômicas. O que a deflação de preços faz é fornecer um desestímulo ao endividamento e criar um estímulo ao uso da própria poupança para o propósito do investimento. Isso significa que indivíduos frugais e empresas prudentes e bem-capitalizadas serão os mais recompensados — algo ótimo em termos éticos e econômicos.
Já os indivíduos gastadores terão de apertar os cintos, e as empresas ineficientes terão de se aprumar, cortar custos e otimizar seus serviços e suas linhas de produção.
Deflação e investimentos
Não há nenhuma evidência de que preços em queda afetem a confiança das empresas. As empresas investem naqueles setores em que acreditam ser possível ter lucro, e o lucro está muito mais relacionado a custos do que aos preços de venda. Se os custos estiverem caindo, não haverá problemas se os preços também caírem.
Em um cenário de deflação de preços, os preços cairiam, mas os custos também cairiam. Custos são preços. Eles também estão embutidos na queda.
Com o aumento da produtividade e da eficiência dos métodos de produção, os custos podem cair proporcionalmente mais que os preços, tornando qualquer empreendimento lucrativo, mesmo com queda de preços.
Ademais, se uma redução de preços contínua levasse a uma depressão permanente, o setor tecnológico já teria desaparecido. Deflação de preços é a norma neste setor. Os preços de câmeras, notebooks, smartphones, televisões etc. só caem. E ainda assim as empresas desses ramos só lucram. Se uma queda de preços realmente afetasse a confiança das empresas, nenhuma empresa jamais iria empreender no ramo tecnológico.
Uma recessão com inflação ou uma recessão com deflação de preços?
Preços em queda são exatamente a “grande vantagem” de uma recessão econômica.
Apenas se pergunte a si próprio: durante uma recessão, você quer que o poder de compra do seu dinheiro aumente ou diminua? Se o futuro do seu emprego está em risco, você quer pagar mais ou menos por bens e serviços? Se a sua poupança é baixa, você quer que este seu pequeno dinheiro acumulado tenha maior ou menor poder de compra no futuro?
Se você responder a estas questões racionalmente, você pode entender por que a deflação de preços é ótima para todos, sendo inclusive a redenção em um período de contração econômica.
Se temos de aturar uma recessão causada pelo governo, então que ela ao menos seja uma recessão deflacionária. Muito pior seria uma recessão inflacionária: você perde seu emprego e sua renda, e seu custo de vida continua subindo. Pelo mesmo motivo que uma deflação de preços é algo bom, preços crescentes durante uma recessão representam o pior dos mundos: além de todo o estrago no bem-estar, tal fenômeno também desestimula a poupança e o investimento futuro. Ele estimula o consumo presente e, com isso, afeta a acumulação de capital necessária para o crescimento futuro (entenda os detalhes aqui). É o perfeito exemplo do prolongamento do sofrimento.
Conclusão
Na economia, aquilo que é bom para os indivíduos e para as famílias é também bom para a economia. Todos nós gostamos de barganhas, promoções e descontos. Todos nós, em suma, gostamos de preços baixos.
Infelizmente, em nossa atual era inflacionária, preços menores estão restritos apenas a setores muito específicos (todos eles relacionados à tecnologia). Que sonho seria se os preços em queda destes setores se expandissem para todos os outros e para tudo aquilo que compramos.
Deixe os economistas e comentaristas econômicos darem chiliques e se preocuparem com aquilo que seus falaciosos modelos macroeconômicos lhes ensinam. Apenas desfrute este efêmero fenômeno de uma queda de preços e aproveite este momentâneo aumento no seu padrão de vida e no poder de compra do seu dinheiro.
[N. do E.: Desde 1994, o real já perdeu 82% do seu poder de compra. Este roubo irá continuar. Por isso, aproveite ao máximo este curtíssimo período de tempo, até que a “normalidade” seja restaurada].
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Para entender por que os preços se estabilizaram no Brasil, confira este artigo.
(Anthony P. Geller)
https://www.mises.org.br/article/2717/as-bencaos-de-uma-deflacao-de-precos