A maior comemoração popular do Brasil, o Carnaval neste ano foi inviabilizado pela pandemia. A preocupação com a impossibilidade da realização dos grandes carnavais já estava em discussão desde 2020, quando governadores e órgãos de turismo e saúde se reuniram em diversos estados para discutir o cenário. Algumas das maiores festividades de rua do Brasil, como as que acontecem nas cidades de São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro já tinham sido avaliadas como impraticáveis, quebrando tradições que duravam mais de um século.
O prejuízo causado pelo cancelamento não se resume apenas à saudade da folia. O Carnaval movimenta a economia e é, em muitos pontos turísticos, o ápice de arrecadação anual e a maior oportunidade de novos negócios para micro, pequenos e médios empresários. Entretanto, a preocupação com a covid-19 em decorrência do Carnaval resultou em medidas severas para o período. Trabalhadores de diversos setores que dependem da movimentação comercial gerada pelo turismo e pelo consumo do Carnaval buscam alternativas e apoio do governo para mitigar o impacto financeiro.
Rio de Janeiro
Para as escolas de samba do grupo especial, considerado a elite do carnaval do Rio, é grande o baque com a suspensão dos desfiles neste ano. O impacto vai desde a perda de receitas até os reflexos na vida dos trabalhadores da extensa cadeia que envolve os desfiles para a escola chegar à Passarela do Samba no domingo (14) ou na segunda-feira (15) de carnaval. Para o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba, Jorge Castanheira, a preocupação é que grande parte dessas pessoas não tem emprego fixo durante o ano e só quando começa a movimentação dos barracões que conseguem um trabalho com remuneração.
“O objetivo nosso é dar condição de suporte financeiro às pessoas que trabalham no carnaval e que ao longo do ano de 2020 e agora no início de 2021 estão sem atividade. A quantidade de pessoas varia, porque alguns trabalham para mais de uma escola de samba”, afirmou Castanheira.
Receita
Segundo o presidente, a receita anual com venda de ingressos, direitos de transmissão televisivos e patrocínios varia entre R$ 120 milhões e R$ 150 milhões. Nada disto vai ocorrer este ano, mas as escolas Beija-Flor, Grande Rio, Mocidade e Viradouro receberão R$ 150 mil cada para a escolha dos samba-enredos. O evento terá transmissão on-line. Em contrapartida, as escolas deverão fazer 4 apresentações durante a classificação.
Os recursos serão captados por meio da Lei Aldir Blanc, nos termos do edital Fomenta Festival RJ. De acordo com a secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) também recebeu R$ 100 mil com o edital Retomada Cultural RJ, vinculado à Lei Aldir Blanc.
A Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil (Liesb), que reúne escolas da Série A e dos grupos da Intendente Magalhães, na Zona Norte, será contemplada com o mesmo valor. Para as escolas do grupo especial que não se enquadraram no edital, a secretaria analisou a liberação de valor igual para cobrir as despesas com a escolha do samba de forma virtual.
Hotelaria
Outro setor que sofre impacto com a suspensão do carnaval este ano é o da hotelaria. Embora uma prévia da pesquisa do Sindicato dos Meios de Hospedagens do Município (Hotéis Rio) referente à demanda para o período entre 12 e 16 de fevereiro tenha indicado uma média de ocupação de 41% da rede da capital, o presidente da entidade, Alfredo Lopes está apostando que o percentual vai alcançar 65%.
“Diante do tamanho do problema que estamos vivenciando, termos 65% de ocupação. É uma ocupação muito boa e prova a atratividade do Rio como cidade independente do carnaval. As pessoas que fizeram reservas já sabiam que não ia ter carnaval. Elas vêm para cá em troca do que a cidade pode oferecer: praias, Floresta da Tijuca, roda gigante, museus, shoppings e restaurantes”, afirmou Lopes. Ele acrescentou que o turismo interno atualmente sustenta o setor. A maior parte de visitantes vem de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. O setor de hotelaria se organizou para garantir segurança aos turistas com medidas sanitárias, o que influenciou na escolha pelo Rio.
Bares e Restaurantes
A preocupação do setor de bares e restaurantes com o cancelamento do carnaval este ano é focada nos estabelecimentos do centro da capital. Empresários da região da Lapa estimaram queda de até 70% em relação ao carnaval de 2020. Já na Zona Sul, o faturamento de restaurantes pode ter perda de até 50% na comparação com o ano anterior.
Comércio
Um estudo do Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises indicou que, por causa do cancelamento do feriado, boa parte da população do estado do Rio de Janeiro não deve viajar. Apenas 10,6% dos entrevistados pretendem sair da cidade. A pesquisa mostrou ainda que 39,1% dos fluminenses ficarão em casa, 21,9% vão trabalhar, 11,1% ainda não decidiram o que farão no período e 10,6% pretendem realizar alguma atividade de lazer. Entre os que vão viajar, 78,9% vão para lugares dentro do estado e 21,1% para outras regiões. A pesquisa foi realizada entre os dias 5 e 7 de fevereiro e teve a participação de 539 consumidores do Rio de Janeiro.
Com a falta do carnaval em 2021, a cidade do Rio de janeiro perderá cerca de R$ 5,5 bilhões neste ano, conforme o estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE). Segundo o levantamento, as perdas somam 1,4% do PIB carioca.
Se não houvesse o cancelamento por causa da pandemia, segundo a pesquisa, a economia do Rio movimentaria R$ 4,4 bilhões. Destes, 88% seriam gerados por turistas brasileiros, com permanência média de 6,6 dias na cidade e gastos diários de cerca de R$ 280,32. Os 12% restantes viriam de turistas estrangeiros, que teriam estadia média de 7,7 dias e gastos diários de cerca de R$ 334,01. O impacto dos moradores da região metropolitana do Rio e gastos operacionais seriam de pouco mais de R$ 1 bilhão. A economista Juliana Trece, uma das responsáveis pelo estudo da FGV, destaca que a velocidade da recuperação econômica vai depender do calendário de vacinação.
Pernambuco
O cancelamento do Carnaval em Pernambuco não afetou apenas o folião. A medida mexeu também com uma grande cadeia econômica, que passa por agremiações, artistas, músicos, comércio, setor hoteleiro e de turismo.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), o cenário é preocupante com a média de ocupação mais baixa que em anos anteriores, menor procura nas capitais e maior demanda por destinos menores. Com o cancelamento das prévias e das festas de Carnaval pelas autoridades, a ocupação hoteleira durante o período – que em anos anteriores, nos principais destinos do estado (Recife e Porto de Galinhas) chegava a 97% – em 2021 não deve ultrapassar os 60%. No início deste ano a queda chegou a 60%.
“Ainda esperamos para 2021 uma retomada. Para que as empresas continuem suas atividades, precisamos do apoio em todos os níveis e a cooperação dos governos municipais e estaduais com medidas de redução de impostos, como o IPTU – despesa com forte impacto nos custos dos hotéis – e de tarifas – como a de água e energia”, explicou o presidente da ABIH Nacional, Manoel Linhares.
Auxílio
O impacto financeiro na indústria carnavalesca de Pernambuco levou o governador do estado, Paulo Câmara (PSB), a criar um auxílio financeiro em caráter emergencial para artistas vinculados ao carnaval. A medida, encaminhada para a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), prevê o pagamento de auxílios que vão de R$ 3 mil a R$ 15 mil. O auxílio deve beneficiar cerca de 450 artistas e agremiações. No total, serão investidos R$ 3 milhões à concessão do benefício, que deve ser pago até abril. Os recursos sairão do tesouro estadual. A iniciativa foi seguida pelas duas maiores representantes do Carnaval pernambucano, Olinda e Recife, que também decidiram cancelar o ponto facultativo.
Com a suspensão do Carnaval, a prefeitura de Olinda anunciou que também terá um auxílio emergencial no município. O valor disponível é de cerca de R$ 1 milhão, fruto dos cofres da prefeitura. De acordo com a prefeitura, os artistas, agremiações e grupos receberão 35% do valor pago no carnaval do ano passado. O limite estabelecido é de R$ 10 mil -, a prefeitura decidiu incluir os catadores de recicláveis entre os beneficiados pela lei de auxílio emergencial. Serão utilizados os cadastros de cooperativas que já trabalham na cidade, no período de folia. O valor será de R$ 250.
Recife
Em Recife, a prefeitura também disse que pagará um benefício para artistas, agremiações e outras pessoas que fazem parte da cadeia produtiva do carnaval de Recife. Batizado de Auxílio Municipal Emergencial (AME), o auxílio prevê o pagamento de até R$ 10 mil para os beneficiados. No total, a prefeitura planeja investir cerca de R$ 4 milhões para o pagamento desse benefício. Desse total, R$ 1,5 milhão é proveniente da iniciativa privada. A expectativa é que sejam beneficiados cerca de 27 mil pessoas de 160 agremiações e 900 atrações.
Salvador
O ponto facultativo na cidade de Salvador, decretado todos os anos desde 1981, foi suspenso. O comércio funcionará normalmente e os circuitos por onde passariam os trios elétricos estarão abertos à circulação dos carros.
Shows e apresentações acontecerão apenas em lives de artistas. A prefeitura reconhece que há um prejuízo financeiro com esta decisão, mas que não voltará atrás. “Para Salvador é muito pior do que para outras capitais, nós não temos grandes indústrias, a maior atividade aqui é o turismo, é a cultura, e o carnaval representa muito”, afirmou Fábio Mota, secretário de Cultura da cidade. Ele explicou que o carnaval de 2020 levou 16,5 milhões de pessoas à capital da Bahia, com a injeção de R$ 1,8 bilhão no período e geração de 2,5 mil empregos.
O setor hoteleiro também sofreu impacto com a decisão, mas soluções alternativas para atrair turistas para roteiros tradicionais têm ajudado. “Estamos com mais de 50% de ocupação nos hotéis e 70% nos fins de semana. É uma ação da prefeitura nessa linha de incentivar o turista local a conhecer a capital da cidade. Isso tem surtido efeito”, destacou Mota. Ele garante que o turismo fora de época de Carnaval, com visitas a pontos turísticos e históricos, não gera aglomerações.
Segundo o secretário, ainda há possibilidade de um Carnaval fora de época caso o processo de imunização esteja adiantado a partir do terceiro trimestre de 2021.
Interior de Minas Gerais
O carnaval sobre as ladeiras íngremes da histórica Ouro Preto também está cancelado. Os eventos públicos e privados estão proibidos na cidade. A prefeitura deverá investir em eventos on-line, como concursos de marchinhas de carnaval. As pousadas locais não estão funcionando com máxima capacidade, o que só deverá ocorrer quando os casos de covid-19 diminuírem na cidade.
Em Diamantina, as festas de carnaval também estão suspensas. A prefeitura não promoverá eventos e, no momento, realiza uma campanha de conscientização para que a população não faça festas e nem aglomerações. Em Tiradentes e Lavras, festas estão proibidas. Não haverá ponto facultativo nas cidades. No entanto, na segunda-feira de carnaval (14) será comemorado o feriado local do Dia do Comerciário – o comércio ficará fechado e festas permanecerão proibidas.
(Com Agência Brasil)