Por John Tamny
A desigualdade de riqueza sempre existiu no mundo. Mas ela nunca foi tão explícita e deletéria quanto na era feudal.
Naquele mundo, quando alguém via uma plantação, ou um celeiro, ou um arado, ou animais de carga, e perguntava a quem tais meios de produção serviam, a resposta é “ao agricultor e sua família, e a ninguém mais”. À exceção de algum ocasional gesto de caridade dos proprietários, aqueles que não possuíam meios de produção não podiam se beneficiar dos meios de produção existentes, a menos que eles próprios de alguma maneira também se tornassem proprietários de meios de produção. Eles não podiam se beneficiar dos meios de produção de terceiros, a menos que os herdassem ou os confiscassem.
Com a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo, a realidade mudou. Os meios de produção dos mais ricos passaram a servir diretamente aos mais pobres. A desigualdade continuou existindo, mas a pobreza absoluta passou a desabar.
No entanto, e curiosamente, a obsessão das pessoas com a desigualdade de renda nunca foi tão premente como é agora, exatamente quando a miséria absoluta está nas mínimas históricas.
Economistas como Thomas Piketty e entidades como a Oxfam pedem mais impostos sobre os ricos e mais controles e regulamentações para “combater o capitalismo” e “acabar com as desigualdades geradas por ele”. Utilizando-se de uma metodologia altamente questionável, a Oxfam quer “uma economia para os 99% da população mundial”, que “desconcentre” a riqueza do 1% mais rico da sociedade.
A contínua revolta contra “os ricos” e os seguidos clamores para se confiscar uma substantiva fatia de sua riqueza baseiam-se no velho princípio marxista de que há uma pequena minoria de abastados vivendo à custa da exploração da esmagadora maioria da população.
Tal raciocínio seria verdadeiro caso a revolta se direcionasse especificamente para aqueles indivíduos cuja riqueza foi adquirida por meios que atentam justamente contra o capitalismo, como subsídios governamentais, protecionismo e outras formas de governo que obstruem a livre concorrência.
No entanto, a gritaria tem sido generalizada e o alvo comum tem sido “os ricos” de forma geral.
Eis o problema fundamental com esta postura: ela desconhece por completo o papel que esse 1% desempenhou na melhora dos padrões de vida e das condições de trabalho da humanidade.
O grupo do 1%
Dos oito homens que encabeçam a lista dos mais ricos do mundo, quatro estão ligados às novas tecnologias. Na lista dos 500 mais ricos do mundo publicada pela revista Forbes, Bill Gates, da Microsoft, é seguido por Jeff Bezos, da Amazon, por Mark Zuckerberg, do Facebook, e por Larry Ellison, da Oracle. (E Steve Jobs, da Apple, só não está ali porque já morreu).
Isso os coloca no exclusivo grupo dos inovadores tecnológicos, que diariamente nos assombram e surpreendem com suas criações. É claro que suas inovações os deixaram incrivelmente ricos em relação a nós, mas será que isso significa que eles nos deixaram mais pobres? Mais ainda: será que isso significa que sua riqueza deveria ser confiscada?
Um estudo publicado em 2004 pelo economista William Nordhaus, da Universidade de Yale, já mostrava que “apenas uma pequena fração dos retornos derivados dos avanços tecnológicos entre 1948 e 2001 foi capturada pelos produtores, o que indica que a maior parte desses benefícios foi transferida aos consumidores”.
Nordhaus estimou que os empreendedores inovadores capturaram somente 2,2% do valor total que suas invenções criaram para a sociedade. E isso muito antes da invenção do smartphone e dos tablets.
Ou seja, não há dúvidas de que Bill Gates, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e o falecido Steve Jobs se tornaram multimilionários com suas criações. Porém, como já mostrava Nordhaus, o valor que eles criaram para a sociedade com suas invenções é quase 40 vezes maior do que eles próprios embolsaram.
E isso é algo que podemos ver e sentir diariamente. A tecnologia da informação avança a passos mais do que agigantados, facilitando e barateando incrivelmente a comunicação e as transações comerciais das empresas e pessoas comuns. Esta redução nos custos da comunicação e do processamento de informação possui um notável impacto não apenas na vida diária das pessoas como também na produtividade das empresas.
Quando um computador custava US$ 10.000 (R$ 31.500) e a comunicação era cara e lenta, quantas pequenas empresas podiam surgir e prosperar? Hoje, em que um computador custa US$ 400 (R$ 1.260) e a comunicação é instantânea e de baixíssimo custo, quantas pessoas podem empreender e crescer?
Tudo isso foi gerado pelo avanço tecnológico possibilitado por esses bilionários. Mais empresas, mais produção, mais emprego e menos pobreza.
Como diz Edward Conrad, autor do livro “O lado bom da desigualdade“:
Dado que os benefícios da inovação auferidos pelo público são muito maiores que os lucros capturados pelos inovadores bem-sucedidos, surpreende a ânsia dos defensores da redistribuição em maximizar os impostos cobrados dos inovadores. Essas pessoas deveriam, isso sim, querer maximizar o ritmo destas inovações.
Quando a desigualdade aumenta, a diferença de padrão de vida entre ricos e pobres diminui
Apenas pense em Henry Ford, no falecido Steve Jobs, no criador da Amazon Jeff Bezos e no empreendedor da informática Michael Dell. Cada um destes se tornou extraordinariamente rico não por prejudicar os pobres e a classe média, mas sim por saber transformar luxos que até então eram usufruídos apenas pelos ricos — o automóvel, um smartphone (que, na prática, é um supercomputador), um Shopping Center mundial que vende produtos baratos a um clique, e o computador portátil — em bens corriqueiros acessíveis a todos.
E, graças à globalização, os inventos desses empreendedores não ficaram restringidos às suas fronteiras, mas se espalharam por todo o mundo. Ao popularizarem seus inventos, esses três empreendedores se tornaram extremamente ricos. Bem mais ricos que o resto de nós, meros mortais. Houve um aumento da desigualdade.
Mas esse aumento da desigualdade não apenas não foi maléfico, como, na verdade, representou uma redução na diferença de estilo de vida entre pobres e ricos. Quando essa desigualdade aumentou, a diferença de padrão de vida entre ricos e pobres diminuiu. Por definição.
E é assim porque, como a história sobre a riqueza no mundo deixa bastante claro, em economias de mercado, indivíduos se tornam ricos majoritariamente à medida que suas inovações melhoram o padrão de vida de todas as classes sociais. Eles só podem enriquecer — aumentando a desigualdade de renda — se conseguirem satisfazer as necessidades daquela maioria que não é rica.
Pense, por exemplo, no extraordinário valor de mercado da Amazon, que catapultou Jeff Bezos para o posto de segundo homem mais rico do mundo. O valor da Amazon é uma função de Bezos ser capaz de servir, de forma barata, aos desejos de todos os consumidores do planeta desde sua base em Seattle, sem que a Amazon tenha uma presença física na maior parte do globo. Por isso, a importância da história da Amazon não pode ser minimizada.
O progresso sempre foi historicamente definido pelo encolhimento do mundo por meio da tecnologia. À medida que a tecnologia aproxima as pessoas (encolhendo o mundo), um número cada vez maior de indivíduos se torna capaz de atender aos nossos infinitos desejos. É extremamente emocionante lembrar que os melhores cérebros da humanidade trabalharam fervorosamente para possibilitar e facilitar o comércio entre indivíduos que não moram na mesma cidade e nem no mesmo país. Jaz aí a fonte de nossa imensa riqueza atual.
Assim, será que realmente há algo de surpreendente no fato de que a desigualdade aumentou nas últimas décadas? Eis um fenômeno que realmente não deveria causar surpresa alguma. O que é realmente importante é que esse aumento da desigualdade foi um efeito feliz e lógico de um aumento no comércio global. Graças aos avanços nas comunicações e nos meios de transporte, o empreendedor de hoje pode servir praticamente a todo o planeta (quando os governos não atrapalham com escorchantes tarifas de importação).
Cem anos atrás, a genialidade de Bezos estaria confinada ao noroeste dos Estados Unidos. Hoje, grande parte do planeta pode usufruir seu talento e se beneficiar dele. O mesmo raciocínio vale para Apple, Microsoft, Dell e todas as empresas de tecnologia.
Com a proliferação desta tecnologia que, figurativamente, encolheu o mundo, as chances de mentes empreendedoras geniais servirem aos desejos do mundo aumentaram exponencialmente. E, consequentemente, também aumentaram as chances destas mentes geniais se tornarem impressionantemente ricas. E, ao enriquecerem, tais pessoas também melhoram nosso padrão de vida e nos enriqueceram.
Sim, elas nos enriqueceram. A riqueza, como disse o economista Matt Ridley, é “a vida tornada mais fácil e confortável em decorrência dos mercados, das máquinas, da tecnologia, e das outras pessoas”. Hoje, mesmo as pessoas mais pobres dos países ricos (e daqueles países cujos governos não atrapalham severamente o livre comércio e a criação de riqueza) têm acesso a confortos e amenidades que teriam assombrado os bilionários de não muito tempo atrás: smartphones — que nada mais são do que computadores de alta tecnologia que dão acesso a literalmente todo o conhecimento existente no mundo — em seus bolsos; transporte barato com motorista particular ao toque de um aplicativo; filmes e televisão em seus tablets. Cito apenas esses três para não me alongar.
E, à medida que as pessoas vão enriquecendo, elas valorizam mais a inovação. E, à medida que avança a globalização, e a tecnologia da informação melhora nossa capacidade de nos comunicarmos, também aumenta a capacidade das empresas e dos indivíduos de alcançar uma maior quantidade de consumidores.
Assim, os inovadores que alcançam o êxito, como Steve Jobs, Bill Gates e Jeff Bezos, enriquecem muito mais que os inovadores que os antecederam no passado. E também se enriquecem muito mais que os doutores, professores e motoristas de ônibus, pois os ganhos destes estão limitados ao número de pessoas que podem servir.
O mesmo ocorre com os CEOs das empresas multinacionais bem-sucedidas. Eles gerenciam negócios que mudam a vida de bilhões de pessoas, e isso lhes traz uma remuneração de acordo.
Por isso, o aumento da desigualdade de renda é um subproduto de um arranjo econômico que premia aqueles que direcionam seu talento e sua riqueza de maneira mais efetiva. Quando um indivíduo tem êxito em uma economia globalizada, seu enriquecimento pode até parecer desproporcionado, mas o fato é que quem estipulou o valor de mercado deste indivíduo foram os próprios consumidores de seus produtos.
Duas histórias pouco difundidas
Jamais foi explicado por que seria deletério para a economia indivíduos buscarem carreiras que, caso bem-sucedidos, os tornarão muito mais desiguais em relação a seus pares. Levando ao extremo, se um grupo de cientistas descobrir a cura definitiva para o câncer, e enriquecer enormemente por causa dessa descoberta, os críticos da desigualdade terão de exigir que essa descoberta seja revogada, pois levou a um aumento da desigualdade.
Nessa mesma linha, Henry Ford morreu muito rico, Steve Jobs morreu valendo bilhões, e Michael Dell vale dezenas de bilhões. Como exatamente o fato de eles serem muito ricos prejudicou você? Alguém realmente diria que o mundo estaria melhor caso estes três fossem meros preguiçosos sem ambição? A desigualdade, sem dúvida, seria menor.
Quando John D. Rockefeller começou a vender querosene em 1870, ele detinha aproximadamente 4% do mercado. Já em 1890, ele tinha 85% do mercado. Como ele conseguiu esse aumento estrondoso de sua fatia de mercado? Foi espoliando os consumidores? Muito pelo contrário. Os preços do galão de querosene desabaram: eram de 30 centavos em 1869 e despencaram para 6 centavos em 1897. Rockefeller reduziu seus preços exatamente para aumentar sua fatia de mercado. Ao agir assim, ele afastou a concorrência e aumentou estrondosamente sua riqueza. Mas, simultaneamente, melhorou a qualidade de vida das pessoas. A Standard Oil de Rockefeller tornou a gasolina tão barata, que possibilitou à Ford criar um mercado de massa para o seu modelo T.
Já Henry Ford, por sua vez, duplicou o salário básico de seus empregados em 1914. A lenda é que ele fez isso para possibilitar a seus funcionários comprarem Fords. Falso. A verdade é que ele aumentou o salário de seus empregados para diminuir a rotatividade deles. Em 1913, a rotatividade de empregados na economia americana era de incríveis 370%. Ford, ao aumentar os salários e diminuir a rotatividade, reduziu seus custos trabalhistas, pois não mais tinha de treinar novos empregados. E, ao fazer isso, sua riqueza aumentou exponencialmente. Mas a qualidade de vida de seus consumidores também.
De novo: quando a disparidade de riqueza aumenta, a diferença de padrão de vida diminui.
Conclusão
Embora sempre haverá pobres e ricos, a definição moderna de “pobreza” é algo que certamente seria classificado como classe média em 2005, e bilionário em 1905.
À medida que a desigualdade aumenta, a diferença de padrão de vida entre pobres e ricos diminui. Óbvio: inovadores enriquecem em virtude da comercialização daquilo que era um luxo no passado, e os inovadores de hoje servem às necessidades de um número muito maior de pessoas.
Todos nós deveríamos querer viver em um mundo repleto de empreendedores visionários e inovadores, que enriqueçam bastante em decorrências de seus inventos que aumentam substantivamente nosso padrão de vida. Quanto mais eles enriquecerem e mais financeiramente desiguais forem em relação a nós, maior será o nosso padrão de vida e menor será a diferença de estilo de vida entre eles e nós.
Por isso, para estimular a inovação e o crescimento, é necessário permitir que os inovadores e empreendedores bem-sucedidos mantenham a totalidade de sua renda, a qual a sociedade, voluntariamente, lhes outorgou.
Punir o êxito com mais impostos logrará o objetivo contrário. Haverá menos inovações, menos crescimento econômico e, logo, salários mais baixos e mais pobreza.
É urgente passar a ver o lado positivo da desigualdade. Por isso, a genuína preocupação não tem de ser com a pobreza relativa, mas sim com a pobreza absoluta. E esta está sendo devidamente aniquilada pelo capitalismo e pela globalização.
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https://www.mises.org.br/article/2764/como-a-desigualdade-de-riqueza-acaba-reduzindo-a-pobreza