Para variar, briga pode empacar nos tribunais, já que a concessão é federal. O que o prefeito Ricardo Nunes anseia é evitar ser culpado pelo apagão – o que é razoável
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou nesta quinta-feira (16) que pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o cancelamento do contrato de concessão para distribuição de energia com a Enel. E vão colocar quem no lugar? A medida é inédita e surge diante da possibilidade de um novo apagão se a capital paulista for atingida por uma nova forte tempestade. O primeiro apagão ocorreu em 3 de novembro, causou mais de R$ 500 milhões de prejuízo foram registrados só em bares e restaurantes. Houve fechamento empresas e escolas, com serviços essenciais comprometidos e milhões de pessoas sem energia ao longo de dias seguidos.
No feriado de quarta-feira (15), uma chuva um pouco mais forte fez a energia cair novamente alguns bairros. Para piorar, não são só os ventos, as chuvas, as quedas de árvores e as fiações expostas. A onda de calor que atinge as regiões Sudeste e Sul força o aumento do consumo de energia, o que impacta no trabalho da concessionária, que sequer conseguiu restituir todo o fornecimento.
Pode parecer fácil, mas as queixas do prefeito e da população podem dar em nada por questões regulatórias. Os contrato de distribuição de energia por concessão, como o da Enel, são fechados com a Aneel, um órgão regulador federal. Distribuidora de majoritário capital estatal italiano, a Enel opera em São Paulo desde 2018, quando adquiriu 73% das ações da então Eletropaulo Metropolitana para atender 24 municípios da Grande SP. Desmontar um operação deste tamanho é um problema muito maior do que tentar resolver com um comitê de crise.
Portanto, tudo pode virar uma imobilizante briga jurídica, mesmo com agências estaduais e municipais tendo o direito de aplicar multas e sanções à empresa. Nem a prefeitura nem concessionária podem fazer algo. Sem a interferência do governo federal por meio do Ministério das Minas e Energia, nada andará direito. A decisão de Nunes demorou um tanto para sair e foi deflagrada pelo presidente nacional da Enel, Nicola Cotugno, que em artigo à Folha de S.Paulo escreveu que não se desculparia pelo apagão que deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia elétrica na região metropolitana. Diante da repercussão negativa, Cotugno se desculpou nesta quinta-feira (16), à CPI da Enel, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Ele disse que se expressou mal ao escrever.
Questionado sobre a afirmação de Nunes, Cotugno não quis comentar, alegando desconhecimento do teor. “Acho que é correto por minha parte deixar para momento futuro [comentar] porque não tenho como examinar as palavras e o contexto. Vamos analisar e abrir as discussões que pertencem a esse caso.”
Diante do risco de ser culpado por inação a um ano das próximas eleições municipais, Nunes afirmou: “O que pedi para a Agência Nacional de Energia Elétrica é para que cancelasse o contrato com a Enel. Não é só por conta dessas chuvas que aconteceram, as rajadas de vento do dia 3 de novembro. A gente já vinha há muito tempo discutindo com a Enel uma série de questões. Eu tenho, por exemplo, cinco Unidades Básicas de Saúde que estão prontas aguardando a Enel fazer a ligação de energia, tenho um conjunto habitacional para inaugurar na Vila Olímpia, que não conseguimos inaugurar porque a Enel não faz ligação de energia”. Ele é o segundo colocado nas primeiras pesquisas de intenção de votos.
Nunes disse que também acionou a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). “O governo federal precisa ter uma postura. Eu não tenho poder de fiscalização e de autuação. O que me cabe foi recorrer à Justiça”, disse. “Essa companhia que é uma péssima companhia para a cidade”, concluiu.
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) anunciou na semana passada uma investigação contra a Enel por suposta omissão e prejuízo aos consumidores. Contrários a qualquer tipo de privatização, o Sindicato dos Eletricitários denunciou que a concessionária reduziu drasticamente o contingente de contratados para cuidar dos trabalhos rotineiros de manutenção da rede e que, com os estragos do vendaval, se tornou impossível fazer os reparos em tempo hábil. Em 2019, a empresa contava com 23,8 mil funcionários e terceirizados. No fim de setembro de 2023, a concessionária mantinha 15,3 mil profissionais – uma redução de 35,5% em quatro anos.
Até o final da manhã desta quinta, cerca de 63 mil residências e pontos comerciais ainda estavam sem energia depois do temporal que atingiu a Grande São Paulo no início da noite de quarta-feira (15). Em nota, a Enel, afirmou que tinha restabelecido o fornecimento para 78% dos clientes que sofreram com a falta de luz. A concessionária não se manifestou sobre a iniciativa de Ricardo Nunes, mas enviou nota sobre suas ações.
NOTA IMPRENSA – Atualização de 16/11/2023, às 17h
São Paulo, 16 de novembro de 2023 – A Enel Distribuição São Paulo informa que restabeleceu o fornecimento de energia para mais de 93% dos clientes impactados ontem (15/11) pelas fortes chuvas que atingiram novamente parte da área de concessão da distribuidora, desta vez com rajadas de vento de 56 km/h.
A forte chuva provocou queda de árvores inteiras sobre a rede e arremessou galhos e outros objetos sobre a fiação. A empresa reforçou imediatamente o seu efetivo em campo para atender as ocorrências e, neste momento, cerca de 900 equipes seguem mobilizadas atuando hoje (16) nas ruas.
Dos cerca de 8 milhões de clientes atendidos pela Enel em 24 municípios, aproximadamente 290 mil foram impactados na noite de ontem por conta do temporal.
As regiões Norte e Oeste são os locais mais afetados no momento e a distribuidora seguirá com reforço em campo para normalizar o serviço para todos os clientes impactados.
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