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Consequências inesperadas do aumento de impostos sobre os ricos

Todas as quatro hipóteses afetam diretamente você, o eleitor/consumidor/contribuinte

Nota do editor

O artigo a seguir foi originalmente publicado em agosto de 2017. Infezlimente, o assunto nunca morre. Em meio à pandemia, por exemplo, ele voltou à baila com mais força do que nunca (eram quatro projetos no Senado). Portanto, vale a pena revisitar os problemas trazidos por essa prática. 

Os problemas discutidos no artigo abaixo levam em conta uma situação econômica normal. Desnecessário enfatizar que todos os problemas listados seriam ainda piores em um cenário de depressão econômica repleto de incertezas.

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Não são poucos os que acreditam que obrigar os mais ricos a pagar mais impostos seja uma política “socialmente justa” e “boa para o país”. 

Com efeito, não seria exagero afirmar que, no geral, as pessoas ficariam contentes se terceiros pagassem suas contas. E governos costumam ser ótimos em insuflar este sentimento assistencialista.

O problema é que há vários problemas inevitáveis gerados por um aumento de impostos sobre os mais ricos. Deixando as questões morais de lado — nunca é ético e justo aumentar o confisco sobre os mais bem sucedidos –, eis as quatro principais consequências econômicas desta medida.

1. Aumentar impostos sobre os ricos afeta os mais pobres

O aspecto mais importante a ser observado é que é impossível isolar os custos de qualquer imposto. No caso dos impostos indiretos — os quais absolutamente todas as pessoas pagam — isso é explícito. Mas o que poucos entendem é que isso também é válido para os impostos diretos, principalmente sobre a renda.

A maioria das pessoas pensa que cada indivíduo paga, sozinho, seus impostos diretos.  Mas essa crença é demonstravelmente falsa. 

Se, por exemplo, a alíquota do imposto de renda que incide sobre as rendas mais altas fosse elevada em 30% (valor próximo ao aumento que chegou a ser aventado pelo governo, que queria elevar a alíquota máxima de 27,5% para 35%, o que corresponderia um aumento de 27%), os trabalhadores de renda mais alta reagiriam a isso negociando um aumento salarial. 

Por se tratarem de pessoas que ganham bem, então, por definição, elas são produtivas (não ganhariam bem no setor privado se fossem improdutivas). Logo, por se tratar de pessoas produtivas, elas têm poder de barganha junto a seus empregadores, e irão pleitear esse aumento salarial para contrabalançar o aumento de confisco de sua renda pelo governo.

Se essas pessoas conseguirem um aumento salarial de, por exemplo, 15%, isso significa que praticamente metade do aumento de 30% da carga tributária foi repassada aos seus empregadores.

Essa maior alíquota do imposto de renda reduziu os salários líquidos; o consequente aumento nos salários elevou os salários brutos. Neste ponto, a exata divisão do fardo tributário entre empregados e empregadores vai depender do relativo poder de barganha entre eles no mercado de trabalho. O que interessa é que os empregados de maior renda irão repassar uma parte, se não a maior parte, de qualquer aumento em seu imposto de renda para seus empregadores.

Consequentemente, estes empregadores irão contratar menos empregados — ou tentarão contratar oferecendo salários bem menores, algo difícil –, e irão tentar repassar esse aumento nos custos trabalhistas para os consumidores, na forma de preços maiores.  Esse aumento, no entanto, vai depender do relativo poder de barganha entre o vendedor e seus clientes, bem como do nível de concorrência no mercado.  

Os empresários irão repassar estes maiores custos aos consumidores até o ponto em que possam elevar preços sem sofrer uma relativamente grande perda no volume de vendas. Desta forma, os consumidores que ainda continuarem comprando a estes preços maiores estarão pagando parte do aumento na carga tributária que supostamente deveria afetar apenas os “mais ricos”.

Consequentemente, a classe média e os pobres acabarão pagando parte daquele aumento do imposto de renda que visava a atacar apenas os ricos, por causa dos maiores preços dos bens e serviços. 

Qualquer aumento no imposto de renda da camada mais rica da população — seja o 1% mais rico ou os 5% mais ricos — irá acabar por elevar os custos sobre toda a população.

É possível contra-argumentar dizendo que o repasse para os preços desse aumento no imposto de renda seria muito pequeno. Talvez apenas uma pequena porcentagem da elevação do imposto de renda, o qual foi repassado aos empregadores, seria repassada aos consumidores na forma de preços maiores. Só que, se isso ocorrer, o efeito de longo prazo será ainda pior. 

Se os empregadores tiverem de arcar com uma elevação marginal dos custos trabalhistas sem uma correspondente elevação marginal de sua receita, suas margens de lucro diminuirão. Redução nos lucros significa menos investimentos. E menos investimentos inibem um maior crescimento econômico. Um menor crescimento econômico significa menores aumentos nos salários e na renda de toda a população. 

Os efeitos dos impostos sobre o crescimento econômico, portanto, são bem mais indiretos do que se imagina.

Primeira conclusão: ao menos alguma porcentagem dos impostos que foram aumentados sobre os ricos serão repassados a todos os consumidores — e isso prejudicará majoritariamente os mais pobres. Qualquer aumento de impostos sobre um grupo acabará sendo compartilhado por todos. E não há nada que as autoridades estatais possam fazer quanto a isso. Os indivíduos de mais alta renda irão arcar com apenas uma fatia do aumento ocorrido em suas alíquotas. E essa importante constatação quase nunca é reconhecida. E é dessa maneira que um imposto sobre um se transforma em um imposto sobre todos.

Não há como isolar um aumento de imposto.

2. Não existe dinheiro ocioso; toda tributação diminui investimentos

Os mais ricos podem fazer três coisas com o dinheiro que ganham: consumir, investir ou doar para alguma caridade.

Se ele doar, estará ajudando os necessitados. Se ele gastar em consumo, estará garantindo emprego e renda naqueles setores que o servem. Se ele investir, estará estimulando o crescimento econômico e gerando empregos.

A verdade é que, ao contrário do muitos ainda imaginam, o dinheiro dos ricos não fica parado dentro de uma gaveta.  

Em nosso atual sistema monetário e financeiro, todo o dinheiro está inevitavelmente em algum depósito bancário. Não importa se o rico comprou ações, debêntures, títulos, CDBs, LCIs, LCAs ou LCs, aplicou em fundos de investimento ou em fundos de ações: no final, este dinheiro caiu em alguma conta bancária, e será emprestado pelos bancos para financiar investimentos. 

Com efeito, ao comprar títulos privados, ele está diretamente financiando algum investimento.

Portanto, se a preocupação é dar um direcionamento útil ao dinheiro dos ricos, não há por que se preocupar.

Se o governo tributar esse dinheiro, fará apenas que o dinheiro que antes era ou doado, ou direcionado para determinados setores (garantindo emprego e renda), ou investido em coisas produtivas seja direcionado para o mero consumismo do governo, ficando sob os caprichos de seus burocratas e bancando toda a máquina estatal. Isso seria uma simples e direta destruição de capital.  

Logo, impostos que recaem sobre a renda dos mais ricos são um grande obstáculo aos investimentos produtivos, à formação de capital e ao simples bem-estar de terceiros. É deste dinheiro que vem a poupança necessária para os investimentos produtivos.

Aumentar impostos sobre este dinheiro será ainda mais prejudicial para os mais pobres no longo prazo, pois se trata de uma medida extremamente destrutiva para os investimentos e a formação de capital, impedindo o consequente aumento da oferta de bens e serviços na economia, que é justamente o que beneficia os mais pobres.

Por último, mas não menos importante, algumas perguntas retóricas: o seu patrão é mais rico ou mais pobre que você? Se o governo aumentar o confisco do dinheiro dele, seu emprego ficará mais garantido ou menos garantido? Suas chances de aumentos salariais serão maiores ou menores?

3. Ricos não são inertes; eles tendem a proteger seu patrimônio

Um terceiro problema com um aumento de impostos sobre as rendas mais altas é que algumas pessoas irão simplesmente deixar de pagar esses impostos. 

Gerard Depardieu abandonou a França para não ser obrigado a pagar a nova alíquota de 75% instituída pelo então governo socialista. E, dois anos após anunciar a nova alíquota, o governo francês se viu obrigado a revogá-la, pois o aumento da arrecadação foi ínfimo (a alíquota afetava apenas mil pessoas e proporcionou somente 250 milhões de euros a mais de arrecadação).

O que ocorreu com Gerard Depardieu não foi o primeiro e nem será o último caso de um auto-imposto exílio tributário. Nas décadas de 1960 e 1970, o parlamento britânico elevou os impostos incidentes sobre os britânicos mais ricos. A alíquota máxima sobre o imposto de renda foi elevada para 83%. O governo britânico também elevou os impostos sobre ganhos de capital em 15%. 

Qual foi o resultado?

Ringo Starr e Roger Moore se mudaram para Mônaco. David Bowie se mudou para a Suíça. Os Rolling Stones começaram a perambular pelo mundo em busca de paraísos fiscais. Phil Collins, Michael Caine, Pink Floyd, Led Zeppelin, Freddy Mercury, Sting, Frederick Forsyth e Sean Connery deixaram o Reino Unido, pelo menos temporariamente, como exilados fiscais. 

Somente o principado de Mônaco abriga milhares de exilados fiscais britânicos. Nos EUA, vários americanos começaram a renunciar à cidadania americana para evitar impostos.

Trata-se de uma constatação empírica o fato de que as pessoas com os maiores potenciais de ganhos — ou seja, as mais produtivas e que geram mais valor — são também as mais propensas a se mudarem. 

Como bem explicou Thomas Sowell:

No mundo real, só é possível confiscar a riqueza que já existe em um dado momento. Não é possível confiscar a riqueza futura; e é menos provável que essa riqueza futura seja produzida quando as pessoas se derem conta de que ela também será confiscada.

Na indústria, no comércio e nos serviços, as pessoas também não são objetos inertes. Os industriais, por exemplo, e ao contrário dos agricultores, não estão amarrados ao solo de nenhum país. Os financistas são ainda menos amarrados à sua terra, especialmente hoje, quando vastas somas de dinheiro podem ser enviadas eletronicamente, a um simples toque no computador, a qualquer parte do mundo.

Aqueles que sabem que serão o alvo preferencial dos futuros confiscos podem imaginar o que está por vir e, consequentemente, agir de acordo — normalmente, enviando seu dinheiro para o exterior ou simplesmente saindo do país.

E conclui:

Entre os ativos mais valiosos de qualquer país estão o conhecimento, as habilidades práticas e a experiência produtiva — aquilo que os economistas chamam de “capital humano”.  

Quando pessoas bem-sucedidas e com um grande capital humano deixam o país […] haverá um estrago duradouro na economia desse país.

As políticas confiscatórias de Fidel Castro fizeram com que vários cubanos bem-sucedidos fugissem para a Flórida, vários deles deixando grande parte da sua riqueza física para trás. Mesmo refugiados e completamente destituídos, eles cresceram e voltaram a prosperar na Flórida, tornando-se uma das comunidades mais ricas daquele estado. Já a riqueza que eles deixaram para trás em Cuba não impediu que as pessoas de lá se tornassem indigentes no governo de Fidel. A riqueza duradoura que os  refugiados levaram consigo era o seu capital humano. A riqueza material que ficou para trás foi consumida e não foi replicada.

Qualquer tentativa do governo de jogar o fardo tributário exclusivamente sobre os mais ricos fará apenas com que cada vez mais ricos deixem o país. E fará com que os mais pobres, que trabalhavam para estes ricos, fiquem desempregados. Os Rolling Stones podem se mudar para onde quiserem; já os técnicos de som e as pessoas que trabalhavam nos estúdios da banda permanecem no país original, e agora sem trabalho.

Na mais branda das hipóteses, tais pessoas simplesmente passarão a mandar mais dinheiro para o exterior.

Em nenhum país ocidental os ricos arcam exclusivamente com os impostos; quem realmente fica com o grande fardo é a classe média. Não há, em nenhuma sociedade, um número grande o bastante de ricos que possam custear sozinhos os gigantescos gastos efetuados pelos estados assistencialistas ocidentais. É ingenuidade crer que as pessoas mais ricas irão simplesmente quedar inertes e aceitar pagar alíquotas mais altas.

4. Os gastos do governo aumentam de acordo com a receita

O quarto problema com o aumento de impostos é que isso simplesmente gera uma reedição da Lei de Parkinson: o professor Cyril Northcote Parkinson afirmou que, em uma burocracia estatal, “os gastos sobem de encontro à receita.”

Sempre que o governo eleva impostos, ele eleva seus gastos correntes. Os gastos do governo sempre sobem junto com o aumento das receitas. Isso é uma empiria observada ao redor do mundo. Veja o gráfico para o Brasil, em valores nominais mensais. 

O gráfico a seguir mostra, na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo (deduzida das restituições e incentivos fiscais) e, na linha vermelha, a evolução das despesas. Detalhe: as despesas não incluem o pagamento do serviço da dívida (juros e amortizações).

Atenção: como se trata de uma média móvel de 12 meses, o valor na coluna da esquerda se refere a valores mensais. Na prática, um valor de R$ 100 bilhões significa que, em um período de 12 meses, este foi o valor médio arrecadado (ou despendido) pelo governo a cada mês. Para se ter uma ideia do valor anual, basta multiplicar o valor por 12 (meses).

(O gráfico foi descontinuado em agosto de 2019 pelo Banco Central).

O gasto público sempre cresce concomitantemente à receita, como mostra o gráfico acima. Não há nenhum motivo para crer que “desta vez será diferente”, e que um aumento dos impostos sobre os ricos será efetivo e definitivo. 

(Com efeito, perceba que, até 2014, havia um superávit primário. Ou seja, quando se desconsidera os gastos com o serviço da dívida, o governo arrecadava mais do que gastava. A partir do final de 2014, a realidade se inverte, e o governo passa a ter um até então inédito déficit primário, isto é, o governo passa a gastar mais do que arrecada, mesmo sem considerar os gastos com a dívida. Isso deixa claro que o problema está no descontrole dos gastos, e não em uma insuficiência de arrecadação).

Ademais, todo aumento de impostos sempre se traduz majoritariamente em mais benesses para políticos, burocratas e todo o inchado setor público, sem nenhum benefício líquido para o povo, que agora estará com menos dinheiro no bolso. Um aumento de impostos consolida a hipertrofia da burocracia estatal, aumentando ainda mais seu peso sobre o setor produtivo e, consequentemente, afetando ainda mais o crescimento econômico e a criação de riqueza.

E, como mostra a história, não há absolutamente nenhum motivo para crer que um aumento de impostos sobre os ricos será direcionado exclusivamente para o fim anunciado, qualquer que seja ele.

Conclusão

Vale repetir: não há, em nenhuma sociedade, um número grande o bastante de ricos que possam custear sozinhos os gigantescos gastos efetuados pelos estados ocidentais. 

É ingenuidade crer que as pessoas mais ricas irão simplesmente quedar inertes e aceitar pagar alíquotas mais altas.

No mais, é impossível estruturar a carga tributária (ou os gastos do governo) de maneira neutra e isolada. A imposição de novos impostos altera preços e salários de maneiras impossíveis de serem previstas e difíceis de serem mensuradas mesmo após o fato já consumado. Tentativas de “fazer os ricos pagarem mais” irão apenas aumentar o fardo tributário mutuamente compartilhado por todos, por meio de uma maior tributação indireta e oculta.  

De resto, tentativas de resolver os problemas fiscais do governo por meio de aumento de imposto são fúteis. A carga tributária no Brasil não é baixa; os gastos é que são altos demais. A única solução realista para o problema fiscal é obrigar o governo a cortar na própria carne, abolindo ministérios, secretarias, autarquias, agências reguladoras, deputados e senadores, e reduzindo subsídios e repasses a grupos de interesse. 

Para começar, ele deveria cancelar todos os aumentos programados para o funcionalismo público (a casta mais privilegiada do país) e congelar os salários de funcionários do alto escalão da República.

O governo federal vem historicamente desperdiçando dinheiro em corrupção, em programas ineficientes que só servem para beneficiar determinados grupos de interesse, e na boa vida de seus membros. Por que alguma classe social — qualquer classe — deveria pagar mais impostos apenas para que os funcionários do estado e seus amigos continuem embolsando esse dinheiro? 

O desperdício de dinheiro público jamais deveria ser tolerado por uma sociedade minimamente civilizada. No Brasil, o desperdício já chegou a níveis calamitosos.  Propostas para elevar impostos sobre indivíduos ricos equivalem, na mais educada das hipóteses, “a rearranjar as espreguiçadeiras do Titanic”.

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Por Ubiratan Jorge Iorio e Leandro Roque

Publicado originalmente em: https://encr.pw/YwD7K

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