Exploração desenvolve o empobrecido Jequitinhonha (MG), mas é preciso estratégia para a criação de uma cadeia industrial que agregue mais valor à commodity
No Médio Jequitinhonha, a pequena Araçuaí integrava o circuito de cidadezinhas pobres e sem opções do semiárido mineiro. Por uma conjunção da natureza e das demandas de mercado, ali a riqueza começou a ser arrancada da rocha para mudar o presente e, quem sabe, o futuro de longo prazo de parte da região, agora pomposamente apelidada de Vale do Lítio. Fundamental para a produção de baterias recarregáveis de carros elétricos, smartphones e sistemas de geração solar de última geração, os investimentos na extração e beneficiamento desse metal alcalino trazem prosperidade e receios típicos das transições do desenvolvimento.
O lado positivo é evidente. A mineradora canadense Sigma Lithium já alocou R$ 3 bilhões no projeto Grota do Cirilo, entre Araçuaí e Itinga. Em breve serão mil empregos diretos e 13 mil indiretos, impulsionando comércio, serviços e as arrecadações. A estimativa é que o PIB de Araçuaí (34.297 habitantes) cresça 47% a partir de 2024, atingindo R$ 497 milhões. O de Itinga (13.745 moradores) deve ser elevado em extraordinários 135%, para R$ 278 milhões. Miserável até ontem, a cidade foi um dos locais de lançamento do finado Programa Fome Zero, em 2003.
Para este ano, a Sigma espera processar 130 mil toneladas de minério por ano, volume que poderá atingir até 277 mil toneladas. De acordo com a CEO da mineradora, Ana Cabral Gardner, a partir de 2024 a produção terá potencial para atingir 766 mil toneladas. No relatório técnico da empresa de 2022, os ativos da empresa foram avaliados em US$ 5,1 bilhões.
O Ministério de Minas e Energia (MME) calcula que só no Jequitinhonha a produção de lítio e derivados receba investimentos de R$ 15 bilhões até 2030. A província mineral abrange de 14 cidades que concentram 85% das reservas comprovadas do país, que por sua vez é o oitavo do mundo em jazidas mapeadas. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, por ali há 45 depósitos que poderão garantir matéria-prima a longo prazo. Também há pequenas áreas exploráveis no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Tocantins, Goiás e Bahia. Para dar um impulso ao lítio brasileiro, o governo de Minas e a pasta de Minas e Energia lançaram na Nasdaq, em 9 de maio, a iniciativa Lithium Valley Brazil em busca de investimentos. Pudera, o consumo global de lítio processado em 2022 foi estimado em 134 mil toneladas, um aumento de 41% em relação às 95 mil toneladas em 2021, informou o Serviço Geológico do Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês).
O Brasil nem de longe possui a relevância de países como Chile, Bolívia, Austrália, Argentina e China. Mas entrou nessa corrida de modo competitivo. No mapa do lítio, o trecho da Cordilheira do Andes entre Argentina, Bolívia e Chile é uma espécie de Golfo Pérsico. Mas o Brasil tem a seu favor o que propagandeia ser o lítio verde, um atrativo sustentável.
A diferença brasileira para as mineradoras de outras partes do mundo é o emprego de energia 100% renovável. Para a obtenção do insumo pré-químico de lítio de alta pureza não há utilização de produtos químicos altamente nocivos e 100% da água captada no Jequitinhonha é tratada para reaproveitamento. Como os rejeitos são secos, em vez de barragens perigosas tudo é empilhado. Depois, o material é vendido para recuperação dos minerais residuais. Por isso o lítio verde da Grota do Cirilo atinge tem valor estimado em até US$ 6 mil a tonelada, enquanto o material bruto chega a US$ 60/ton. Em 27 de julho foi embarcada em Vitória (ES) a primeira remessa de 30 mil toneladas (15 mil toneladas de lítio de alta pureza e 15 mil de ultrafinos) para a chinesa Yahua. Antes, a Sigma já tinha contratos com a LG, conglomerado sul-coreano que fornece componentes eletrônicos para quase todas as grandes montadoras, como Fiat, GM, VW e Porsche.
Impactos
Tudo é promissor, mas há desafios a serem considerados. Junto com as terras-raras, o lítio pode ser o novo petróleo – e portanto, um recurso finito, por mais que sua produção seja sustentável. Por isso o modo como governo e iniciativa privada criarão uma cadeia produtiva irá estabelecer se desta vez o Brasil preparará alternativas estruturantes e agregadoras de valor ou será, novamente, um mero exportador da commodity valiosa da vez.
E essas regras precisariam ser definidas antes que novas mineradoras se instalem no Jequitinhonha. Atlas Lithium, Lithium Ionic e Latin Resources desenvolvem projetos na região, onde também estão os municípios de Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul e Virgem da Lapa. A Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a AMG Brasil já atuam na região.
Especialistas apontam que a extração de lítio é importante para o cumprimento das metas climáticas. Ainda assim, afirmam ser necessário monitorar constantemente os impactos. A preocupação com a exportação quase total do lítio é alvo da pesquisadora Elaine Santos, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, “o controle sobre os recursos e os benefícios gerados merece maior atenção“.
Uma das soluções avaliadas pelos consultados por MR seria exigir que pelos menos parte da cadeia industrial dos importadores seja instalada no Brasil. A medida seria algo protecionista, mas de forma alguma anticoncorrencial, ainda mais em se tratando de um insumo cada vez mais estratégico.
Basta olhar a diferença de preços entre o insumo pré-químico que o Brasil começa a vender com o lítio processado. O produto brasileiro sem grande beneficiamento sai por US$ 6 mil a tonelada, pela média estimada para este ano, enquanto na China, no mercado spot (pagamento à vista), o carbonato de lítio atingiu US$ 35 mil por tonelada em janeiro de 2022 e foi para US$ 67 mil em novembro. Para contratos fixos nos EUA, a média ficou em US$ 37 mil. Já o hidróxido de lítio oscilou de US$ 35,3 mil para US$ 78 mil entre janeiro e novembro. Todavia, o fator dificultante para forçar a venda de produtos refinados é o tamanho das reserva chinesas (ver quadro acima).
Outro ponto seria estabelecer acordos para evitar desperdícios e descartes, direcionando a reciclagem. De acordo com o USGS, até novembro de 2022, 91 empresas reciclavam baterias de lítio ou planejavam começar (44 nos EUA e Canadá e 47 na Europa). Estas seriam maneiras de equilibrar as eventuais distorções do Decreto 11.120, de julho do ano passado, que retirou restrições à exportação de lítio e derivados. É relevante lembrar que o Brasil possui bases industriais mais sólidas que Chile, Argentina e Bolívia, os donos das grandes reservas próximas.
Diretor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edson Farias Mello destaca que no aspecto ambiental é preciso distinguir bem o que serão ações responsáveis do altruísmo. Um dos pontos a considerar de início é a qualidade dos planos de fechamento de mina, um mecanismo legal de proteção social e ambiental que ainda careceria da devida valorização por parte da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os impactos econômicos e sociais à população são acompanhados de perto. Na análise do prefeito de Itinga, João Bosco (PP), a primeira venda da mineradora da Sigma não salvou o caixa da cidade, mas gerou 475 novos empregos diretos e está movimentando a rede de hotéis e o comércio. Na arrecadação, o ISS teve um salto de mil por cento, chegando a quase R$ 10 milhões. “Essa nova receita [de ISS] é completamente ínfima perto do que está por vir”, ao se referir à arrecadação de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que deve entrar nos cofres em breve.
O prefeito de Araçuaí, Tadeu Barbosa de Oliveira (PSD), o Tadeu do Posto, cobra que as empresas da cadeia do lítio ajudem a construir novas casas (há uma elevação preocupante nos aluguéis com a chegada de gente de fora) e escolas na cidade. A prefeitura tenta obter verbas estaduais e federais para ajudar na abertura de estradas e saneamento básico.
O que MONEY REPORT publicou
Respostas de 2
COMO FAZ PRA ENVIAR CURRICULO PRA TRABALHAR NA MINERADORA? POR FAVOR
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