Em tempos de isolamento social, ir à padaria ou ao supermercado passam a ser rituais esperados e sagrados durante a semana. É aquele momento em que se entra numa fugaz ilusão do que era nosso dia a dia. As paredes de casa ficam para trás e, mesmo sem trânsito nas ruas, há um alívio na sensação de clausura que incomoda a todos em meio a essa pandemia.
Minha filha de doze anos, por exemplo, está estressadíssima. “Nunca pensei que teria saudades de acordar às 6 e meia da manhã”, ela me disse outro dia. Durante a quarentena, nossa carência de contato humano foi multiplicada por mil. Sentimos falta até dos chatos e daqueles que desviamos o olhar quando vemos de longe no corredor do shopping center (vai me dizer que você nunca fez isso?).
Nesta semana, a Escola Superior de Propaganda e Marketing divulgou uma pesquisa realizada entre 12 e 21 de abril, quando ouviu 403 moradores do Rio de Janeiro, mulheres (dois terços da amostra) e homens (um terço), de 15 a 65 anos de idade. A pergunta era: após mais de um mês de quarentena, do que os cariocas mais sentiam falta?
A resposta número um, com 84 % de respostas, foi o abraço, uma verdadeira instituição brasileira, imortalizada numa das canções mais famosas de Gilberto Gil (por sinal, sua letra começa assim: “o Rio de Janeiro continua lindo”). Em seguida, vem o contato com pais e avôs, algo que é sentido por 69 % dos entrevistados. A falta que a natureza faz, especialmente o verde das florestas, é lamentada por 62 %. Há algumas sensações típicas do dia a dia que dão saudade no carioca: cheiro de pão quente na padaria é algo que provoca sentimentos de nostalgia para 52 %, enquanto a sensação de beber um chope gelado é lembrada por 46 % da amostra.
Pequenas situações do cotidiano se transformaram em artigo de luxo. Confraternizar com outras pessoas, por exemplo, é uma prática condenada pelos médicos, mas desejada por praticamente todos. Escolher um bar ou um restaurante para sair de casa, ir ao cinema, caminhar no parque são opções proibidas. Ou seja, de uma hora para outra, pequenos prazeres foram ceifados do dia a dia das pessoas.
Compradores compulsivos devem estar experimentando uma desintoxicação semelhante ao desmame de um vício. O e-commerce, neste caso, pode até trazer algum tipo de alívio. Mas nada substitui o flerte, na loja física, com um objeto admirado, até a decisão de compra. Para muitos, esse momento é até melhor que o da aquisição.
Por mais que se exalte os benefícios do Home Office e da produtividade alcançada com as reuniões virtuais, aquelas conversas que recheiam o ambiente de trabalho com camaradagem e troca de ideias turbinam a motivação de qualquer um. O sociólogo italiano Domenico De Masi ganhou notoriedade ao pregar o ócio criativo – uma teoria segundo a qual os momentos de parada total são benéficos para a criatividade. Teoricamente, esse seria o momento ideal para uma explosão criativa entre todos os praticantes da quarentena. Mas, para falar a verdade, ainda não detectei esse fenômeno.
Confesso que nunca fui muito adepto dessa tese. Meus momentos de maior criatividade se dão em meio a uma atividade febril de trabalho. Penso melhor e tenho ideias novas quando sou inundado por informações inéditas ou mergulho em conversas inspiradoras. Essa coisa de ficar de papo para o ar e ter uma ideia surgida do nada até ocorreu algumas vezes ao longo da vida. Contudo, no meu caso, as sinapses ficam mais agitadas quando o cérebro está alerta em função de várias inúmeras situações que estão acontecendo ao mesmo tempo.
Talvez seja disso que eu sinto mais falta: a adrenalina do trabalho, o impulso de trocar imediatamente ideias com o colega de trabalho que está a alguns metros de distância e ver um conceito surgiu do nada e se materializar após um tempo. Testemunhar uma ideia tomando formato, se tornando realidade, é uma das maiores realizações que um ser humano pode experimentar. Essa sensação foi arrancada de nós com a pandemia. Voltará imediatamente quando as regras de isolamento forem relaxadas? Não sei. Mas torço fervorosamente para que essa volta seja instantânea. Pela sanidade de todos.
E você, do que mais ente falta? Responda no espaço destinado aos comentários abaixo. Ou mande uma mensagem para nós: [email protected] .