O que faria um economista em uma economia livre, sem poder adular políticos?
Murray Rothbard dizia que as funções de um economista em um livre mercado seriam muito distintas daquelas do economista em um mercado regulamentado.
Em um mercado totalmente livre, sem intervenções estatais, um economista iria se limitar a explicar como realmente funciona a economia de mercado (algo crucial, é fato, pois os leigos tendem a considerar a economia de mercado como sendo um caos absoluto), mas ele pouco poderia fazer além disso.
Ele, por exemplo, seria de pouca serventia aos empreendedores. O economista não pode prever as futuras demandas dos consumidores e os custos futuros tão bem quanto os empreendedores. Afinal, se ele pudesse, então ele seria o empreendedor. Sabemos que o empreendedor está onde está precisamente por causa de sua superior habilidade de previsão do mercado.
O economista seria capaz de dizer quais serão os efeitos de um aumento na demanda por carne, mas isso teria pouca serventia, pois o empreendedor está majoritariamente interessado não nas consequências — as quais ele sabe muito bem para seus propósitos —, mas sim em saber se tal aumento irá ocorrer.
E o empreendedor, por definição, está mais alerta para este fenômeno do que o economista. Em um mercado livre, sem políticas estatais pró ou contra tal demanda, o economista não está em melhor posição para fazer tal prognóstico do que o próprio empreendedor.
Portanto, o papel do economista em uma sociedade economicamente livre seria puramente educacional. Em um ambiente de livre mercado, o economista seria naturalmente substituído pelo prognosticador empreendedorial.
Com efeito, as pretensões dos economistas, dos econometristas e de outros “modeladores” de que eles podem prever com precisão e acurácia a economia irá sempre ser humilhada perante a simples, porém devastadora, indagação: “Se você pode prever tão bem, por que você não está no mercado de ações, onde previsões acuradas geram ricas recompensas?”
Inveja da física
O termo “modelagem” é muito popular entre economistas, e surgiu (junto com muitas outras falácias científicas) de uma analogia com as ciências físicas: nesse caso, a engenharia.
Ao passo que os modelos de engenharia fornecem a exata dimensão quantitativa — em uma miniatura proporcional — do mundo real, nenhum “modelo” econômico pode fazer algo parecido.
Essa ânsia de recorrer a modelagens — um espécie de síndrome da “inveja da física” — fez com que economistas passassem a defender o uso de modelos matemáticos e empíricos para a economia. Hoje, por exemplo, para trabalhar em um Banco Central, você tem de estar totalmente familiarizado com modelos DSGE (modelos dinâmicos e estocásticos de equilíbrio geral).
Quão bem isso tem funcionado? Como está, por exemplo, a evolução do poder de compra da sua moeda, tendo em mente que os Bancos Centrais calibram suas políticas monetárias estritamente de acordo com estes modelos?
O principal problema com o uso de modelos matemáticos para a “sintonia fina” de políticas econômicas é que, na vida real, os parâmetros não são constantes, as variáveis são quase todas inter-relacionadas, e suas inter-relações estão em contínua mudança.
Ademais, em vários desses modelos matemáticos, algumas variáveis — como as expectativas, que são impossíveis de ser mensuradas — são omitidas e convenientemente assumidas como desimportantes. É o equivalente a traçar um mapa com rotas de navegação marítima e omitir a existência de ilhas.
A realidade incontornável é que a economia é uma ciência social, e a utilização de técnicas que são aplicáveis apenas às ciências físicas é inapropriada. Dado que não temos um laboratório para conduzir experimentos econômicos, é difícil utilizar modelagens para se fazer uma distinção entre correlação e causalidade, ou mesmo para determinar corretamente a direção da causa.
Por exemplo, pode estar um dia de sol e você ter feito atividades ao ar livre nos últimos três dias; isso não significa que, no quarto dia, o clima estará propício para um piquenique. Modelos matemáticos não têm como prever nada disso.
A atividade econômica é baseada em ações humanas, com muito pouca regularidade empírica. E as ações dos indivíduos simplesmente não podem ser modeladas como as reações de ratos de laboratório em um experimento biológico controlado. Modelos matemáticos retirados da física não têm o poder de prever as ações de indivíduos.
Ao contrário dos zumbis, humanos não necessariamente reagem aos mesmos eventos da mesma maneira.
Apego a ideias mortas
Quando uma pessoa obtém um Ph.D. em física ou em medicina, ela não perde tempo tentando entender teorias de 200 anos atrás que se revelaram equivocadas. Ambas as profissões estão em constante avanço, correto?
Na economia, infelizmente, não temos essa mesma atitude. A macroeconomia, enquanto profissão, não apenas não avançou, como regrediu. Tínhamos uma melhor compreensão da macroeconomia um século atrás.
Naquela época, economistas sabiam coisas elementares, como o fato de que a produção antecede o consumo, que imprimir moeda não tem como fazer com que bens e serviços surjam magicamente, e que “estimular a demanda” é uma política que não faz nenhum sentido, pois demanda é algo natural. A encrenca sempre foi estimular a produção.
A ideia de que imprimir papel (ou criar dígitos eletrônicos em um computador) tem o poder mágico de gerar mais commodities e mais produtos físicos era impensável. Todos sabiam que o surgimento de mais alimentos, máquinas, roupas, imóveis e quaisquer outros bens não depende da criação de moeda, mas sim de poupança, produção, investimento e trabalho.
Igualmente, a ideia de que o governo tributar mais e gastar mais teria o poder de enriquecer a todos era considerada conversa de hospício.
Hoje, porém, parece que tudo isso se perdeu.
Ideias bizarras como “imprimir dinheiro não gera aumento de preços” aliadas a políticas nefastas como aumento dos gastos governamentais, déficits orçamentários para se “curar” recessões, protecionismo para se estimular a indústria, desvalorizar a moeda para impulsionar exportações e criar novas indústrias, e imposição de regulações passaram a ser consideradas sensatas, saudáveis e necessárias.
Políticos adoram economistas que defendem tais despautérios porque eles fornecem uma fundação teórica que justifica a adoção de políticas que haviam sido corretamente ridicularizadas no passado pelos economistas clássicos. Com o aval de economistas, medidas como aumento dos gastos governamentais, déficits, inflação, protecionismo e regulação — coisas que políticos adoram — repentinamente passaram a ser consideradas sensatas, saudáveis e necessárias.
Enquanto economistas como Smith, Ricardo, Say, Mill, Mises e Hayek lutaram bravamente para ensinar que a produção antecede a demanda e que a moeda deve ser a mais estável possível (exatamente para se facilitar o cálculo empreendedorial e, com isso, estimular a produção), os economistas mais proeminentes da atualidade dizem que tudo estará bem se o governo estimular a demanda (e, por tabela, a produção), aumentar a oferta monetária por meio de crédito barato e de “afrouxamento quantitativo”, e tabelar juros (o que nada mais é do que um controle de preços) para tentar aumentar a carestia a um ritmo constante.
Na prática, voltamos às mesmas concepções erradas propagadas pelos mercantilistas há 250 anos. A diferença é que, hoje, ao contrário de antigamente, os economistas são aliados dos políticos mercantilistas, e não seus inimigos.
(Confira aqui uma lista mais completa de despautérios que atentam contra a lógica mais elementar, e que, mesmo assim, seguem sendo defendidos).
Para concluir
Em uma sociedade livre, o papel do economista se resumiria a simplesmente explicar como funciona a economia.
Já em uma economia que sofre intervenções estatais, o economista deveria se limitar a explicar não apenas os efeitos diretos, mas também os efeitos indiretos de toda e qualquer política econômica. Economistas deveriam saber explicar não apenas aquilo que podemos ver, como também, e principalmente, aquilo que não estamos vendo.
Mais ainda: economistas deveriam saber explicar tudo o que poderá acontecer em decorrência da adoção de uma determinada política (por exemplo, quais serão as consequências práticas de um congelamento de preços ou da imposição de um salário mínimo de R$ 10 mil), deixando a cargo dos indivíduos determinarem se as consequências serão éticas ou não, desejáveis ou não.
Isso, e apenas isso, já estaria excelente.
No entanto, o que temos hoje são economistas abertamente agitando pela adoção de todas aquelas políticas insensatas numeradas neste artigo, cujas consequências de longo prazo são sabidamente desastrosas, tanto na teoria quanto na prática.
A única explicação plausível para esta atitude é que economistas voluntariamente se rebaixaram ao papel de dizer exatamente tudo aquilo que políticos e governos querem ouvir. E dizer e propagar aquilo que políticos gostam de ouvir com o intuito de legitimar “cientificamente” tudo o que eles sempre querem fazer é algo que traz fartas recompensas para quem atua no ramo. Nada mais rentável do que fornecer um arcabouço supostamente científico para governantes fazerem aquilo que eles mais gostam: gastar, regular, proteger favoritos e privilegiar setores.
J.B. Say certa vez disse que economistas deveriam ser meros “expectadores passivos” que não sugerem políticas. correto. Mas ele poderia ter acrescentado: “e que não dormem com o inimigo”.
autor
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Anthony P. Geller
Publicado anteriormente em: https://cutt.ly/ME0zUR5