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Efeitos da recorrência sobre a economia de mercado

Este artigo foi retirado do capítulo 9 do livro “Ação Humana: um tratado de economia”, de Von Mises

As reiteradas tentativas de alcançar a prosperidade pela expansão do crédito, responsáveis pelas flutuações cíclicas da atividade econômica, se devem, em última análise, à popularidade de que goza a inflação e a expansão do crédito. Essa popularidade se manifesta claramente na terminologia corrente. O boom é considerado como estímulo aos negócios, à prosperidade e ao progresso. Sua consequência inevitável, o ajuste das condições à realidade do mercado, é considerado como crise, declínio, estagnação, depressão. As pessoas se revoltam diante da evidência de que o elemento perturbador provém dos maus investimentos e do excesso de consumo no período do boom, e que esse boom artificial está condenado ao fracasso. Ficam procurando a pedra filosofal que possa fazê-lo durar.

Já assinalamos anteriormente em que medida pode-se chamar de progresso econômico uma melhora na qualidade e um aumento na quantidade dos produtos. Se aplicássemos esse critério às várias fases das flutuações cíclicas da atividade econômica, teríamos de chamar o boom de retrocesso e a depressão de progresso. O boom desperdiça escassos fatores de produção através de maus investimentos e reduz o estoque disponível através do excesso de consumo; suas alegadas vantagens são pagas com o empobrecimento. A depressão, por outro lado, é o retorno a um estado de coisas em que todos os fatores de produção são empregados de maneira a melhor satisfazer as necessidades mais urgentes dos consumidores.

Tentativas desesperadas têm sido feitas para achar no boom alguma contribuição positiva ao progresso econômico. Tem-se dado ênfase ao papel que a poupança forçada representa na acumulação de capital. O argumento é inútil. Já foi mostrado antes que é muito discutível a afirmação segundo a qual a poupança forçada pode conseguir mais do que compensar uma parte do consumo de capital ocorrido no boom. Se aqueles que louvam os efeitos alegadamente benéficos da poupança forçada fossem coerentes, eles teriam de propugnar um sistema fiscal que subsidiasse os ricos com impostos arrecadados das pessoas de menor renda. A poupança forçada assim conseguida proporcionaria um aumento líquido do capital disponível, sem provocar simultaneamente um consumo de capital ainda maior.

Os defensores da expansão do crédito costumam também alegar que alguns dos maus investimentos feitos no boom tornam-se rentáveis posteriormente. Esses investimentos, dizem eles, foram feitos cedo demais, isto é, num momento em que a quantidade de bens de capital e as valorações dos consumidores ainda não justificavam a sua construção. Não obstante, o dano causado não foi muito grave, uma vez que esses projetos deveriam ser, de qualquer forma, executados mais tarde. Pode-se admitir que essa descrição fosse correta em relação a alguns casos de mau investimento provocado pelo boom. Mas ninguém se atreveria a dizer que essa afirmativa seja aplicável a todos os projetos cuja execução tenha sido encorajada pelas ilusões criadas por meio de uma política de dinheiro fácil. Seja como for, nada disso poderá alterar as consequências do boom nem desfazer ou atenuar a depressão que certamente virá em seguida. Os efeitos do mau investimento se fazem sentir de qualquer maneira, mesmo que esses maus investimentos possam ser considerados mais tarde, em outras condições, como investimentos saudáveis. Se, em 1845, tivesse sido construída uma estrada de ferro na Inglaterra – que não teria sido construída não fora a expansão do crédito —, a situação nos anos seguintes não seria afetada pelo fato de que em 1870 ou 1880 os bens de capital necessários à sua construção estariam disponíveis. O fato de que tenha sido mais tarde vantajoso poder dispor da estrada de ferro sem novos gastos de capital e trabalho não compensa de modo algum as perdas incorridas em 1847 em virtude de sua construção prematura.

boom produz empobrecimento. Mas muito mais desastrosos são os seus danos morais. As pessoas ficam desanimadas e deprimidas. Quanto mais otimistas estão durante a prosperidade ilusória do boom, maior é o seu desespero e a sua sensação de frustração depois. O indivíduo está sempre pronto a atribuir a boa sorte à sua própria eficiência e a considerá-la uma recompensa bem merecida pelo seu talento, dedicação e probidade. Mas a reviravolta da sorte ele a atribui a outras pessoas, sobretudo à absurdidade das instituições políticas e sociais. Não culpa as autoridades por terem provocado o boom; condena-as pelo inevitável colapso. Na opinião do público, mais inflação e mais expansão do crédito são os únicos remédios contra os males que a inflação e a expansão do crédito provocam.

Vejam, dizem eles, aí estão às fábricas e as fazendas cuja capacidade de produzir não está sendo usada ou, pelo menos, não a plena capacidade. Vejam as pilhas de mercadorias invendáveis e as multidões de trabalhadores desempregados. E vejam também as massas populares que ficariam felizes se pudessem satisfazer suas necessidades mais amplamente. Só está faltando crédito. Crédito adicional possibilitaria aos empresários prosseguir ou ampliar a produção. O desempregado encontraria emprego de novo e poderia comprar os produtos. Esse raciocínio parece plausível. No entanto, é absolutamente falso.

Se as mercadorias não podem ser vendidas e os trabalhadores não conseguem achar emprego, a única razão possível é a de que os preços e os salários pedidos estão muito altos. Quem quiser vender seus estoques ou sua capacidade de trabalho terá de reduzir suas pretensões até encontrar um comprador. Essa é a lei do mercado. Esse é o expediente por meio do qual o mercado orienta a atividade dos indivíduos de forma a melhor contribuir para a satisfação das necessidades dos consumidores. Os maus investimentos do boom alocaram mal os fatores de produção não conversíveis em detrimento de outras alocações nas quais eram mais urgentemente necessários. Há uma desproporção na alocação dos fatores não conversíveis entre os vários setores da indústria. Essa desproporção só pode ser corrigida pela acumulação de novo capital e pelo seu emprego naqueles setores onde está fazendo falta. É um processo lento. Enquanto está em curso, é impossível utilizar plenamente a capacidade produtiva de algumas instalações para as quais faltam meios complementares de produção.

É inútil alegar que também existe capacidade ociosa nas fábricas que produzem bens cujo grau de especificidade é pequeno. Costuma-se dizer que o baixo nível de vendas desses bens não pode ser explicado por uma desproporcionalidade do capital fixo dos diversos setores; eles poderiam ser empregados em outros setores onde são necessários. Isso também é um erro. Se aciarias e usinas siderúrgicas de minas de cobre e serrarias não puderem funcionar a plena capacidade, a razão é uma só: não existem no mercado compradores em número suficiente para comprar toda a produção por preços que sejam superiores aos custos de exploração. Como o custo variável só pode consistir em preços de outros produtos e salários, e como o mesmo é válido em relação ao preço desses outros produtos, chegamos inevitavelmente à conclusão de que os salários são muito altos para que todos aqueles que desejam trabalhar encontrem emprego e para utilizar os equipamentos inconversíveis até o limite em que não se torne necessário retirar bens de capital não específico e mão de obra de outros empregos onde atenderiam melhor as necessidades mais urgentes.

Depois do colapso do boom, só existe uma maneira de retornar a uma situação em que haja uma firme melhoria do bem-estar material: acumular capital, através de nova poupança, de modo a poder aparelhar adequada e harmoniosamente todos os setores da produção com os bens de capital necessários. É preciso prover aqueles setores indevidamente negligenciados durante o boom com os bens de capital que lhes faltam. Os salários terão de baixar; as pessoas terão de restringir o consumo temporariamente até repor o capital desperdiçado nos maus investimentos. Quem não gosta dos incômodos do período de ajustamento deve impedir, a tempo, a expansão do crédito.

Não adianta interferir no processo de ajustamento por meio de nova expansão de crédito. Na melhor das hipóteses, essas intervenções só conseguem interromper, perturbar e prolongar o processo curativo da depressão, se não chegarem a provocar um novo boom com todas as suas inevitáveis consequências.

O processo de ajustamento, mesmo que não haja uma nova expansão do crédito, se prolonga em decorrência dos efeitos psicológicos provocados pelo desapontamento e frustração. As pessoas demoram a se livrar da autoilusão de uma prosperidade irreal. Os homens de negócio tentam continuar projetos não lucrativos; tendem a não enxergar a realidade quando esta é desagradável. Os trabalhadores não aceitam reduzir seus ganhos ao nível exigido pela situação do mercado; querem, se possível, evitar uma diminuição do seu padrão de vida; não querem mudar de emprego nem de local de residência. Quanto maior tiver sido o seu otimismo nos dias do boom, maior será a sua resistência ao ajuste. Chegam a deixar passar boas oportunidades por terem perdido momentaneamente a autoconfiança e a capacidade de iniciativa. Mas o pior é que as pessoas são incorrigíveis. Depois de alguns anos redescobrirão a expansão do crédito e a velha história, uma vez mais, se repetirá.

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Por Ludwig von Mises

Publicado originalmente em: https://curt.link/Ewel

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