Na primeira década dos anos 2000, parecia que o Brasil estava fadado ao sucesso. Lula era “o cara”, Eike Batista, o grande capitalista, e a população finalmente tinha dinheiro para financiar imóveis e tomar de assalto as ruas e lojas de Paris, Miami e Buenos Aires. A célebre capa da Economist “Brazil takes off”, de novembro de 2009, com a imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete, era apenas a confirmação – para o mundo – do que acontecia por aqui. Mas aí bateu 2014 e, com ela, uma recessão que durou até 2016 – mas com efeitos que persistem até hoje.
Entender o período foi a tarefa do economista Tony Volpon no livro recém lançado, “Pragmatismo sob coação”. Economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil, Volpon, que passou pelo Banco Central no conturbado mandato de Alexandre Tombini (2011-2016) narra com didatismo e clareza os anos de euforia e decepção dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff.
A tese de Volpon é provocativa. Segundo ele, tanto o sucesso da primeira fase quanto o insucesso da segunda têm pouco a ver com acertos e desacertos de Lula e Dilma e muito a ver com a influência de um ator externo: a China. “O livro tenta explicar o relativo sucesso do governo Lula quanto o relativo fracasso do governo Dilma”, diz Volpon, em entrevista a MONEY REPORT. Quer entender esse período? Esqueça Brasília e olhe para Beijing.
O ciclo de alta do PIB verificado especialmente entre 2004 e 2008 decorre do ciclo de expansão da economia chinesa. E a queda posterior é resultado da desaceleração da China – uma dinâmica que, nos dois casos, afetou não apenas o Brasil, mas praticamente todo o mundo civilizado.
No livro, o economista-chefe do UBS também fala sobre a dinâmica da relação entre economia, política e mercados. Segundo ele, no Brasil os avanços institucionais costumam ocorrer quando o governo é pautado pelo mercado financeiro. E isso ocorre, segundo ele, em “situações de quase crise”, que demandam uma abordagem pragmática da classe política – daí o título “Pragmatismo sob coação”.
A esquerda brasileira critica essa dinâmica e a vê como um “sequestro dos governos pela elite”. Volpon, do alto de sua posição de economista-chefe de um dos maiores bancos do mundo, concorda que essa não é a melhor situação para o país. Mas, como todo economista ortodoxo, tem uma abordagem pragmática e calcada na realidade – e não no mundo do faz de contados heterodoxo. Segundo ele, esse “poder” do mercado resulta da dívida que o governo tem com os agentes do mercado financeiro. Quer evitar essa dinâmica e ter independência? Basta reduzir a dívida. “Não fique dependente do mercado”, diz. “O mercado só vai mudar a política econômica se há um estado sobre endividado.” A austeridade fiscal é a grande saída para mudar essa situação.
Um reflexo dessa influência é o fato de o governo brasileiro não dar calote na dívida nas situações de crise – e preferir as reformas que evitam o mal maior. Trata-se de uma situação inversa à ocorrida na vizinha Argentina, que vira e mexe deixa os credores na mão. “No Brasil, 90% da dívida brasileira está nas mãos de credores locais”, diz Volpon. Na Argentina, 90% da dívida está nas mãos de credores externos. “Um calote por aqui provocaria uma destruição grande de riqueza de investidores que têm grande poder sobre o processo político. Na Argentina, dar calote ao credor externo é muito mais fácil do que um ajuste fiscal porque afeta pessoas que não têm poder de influência na política.”
Na entrevista, Volpon explica essa dinâmica, traça um panorama da economia brasileira nas duas últimas décadas – incluindo o grande erro do governo Dilma, que poderia ter evitado a crise de 2014 – e fala sobre a retomada de crescimento da economia brasileira, incluindo a importância das reformas para melhora da trajetória da dívida e do ambiente de negócios. Ao menos um alento: ainda que baixo, o atual crescimento do PIB é muito mais sustentável do que o ciclo anterior porque é menos dependente de incentivos fiscais e capital de bancos públicos. Confira a entrevista em vídeo e no podcast.