Imagine algum setor de atividade econômica. Qualquer um. Nesta área, quem faria um trabalho melhor, o governo ou a iniciativa privada? E na ciência? E na saúde? Em relação a este último campo, quais são os hospitais melhor aparelhados, os públicos ou os privados? Se você pudesse escolher, deixaria sua vida aos cuidados de uma instituição do governo ou administrada por particulares?
A resposta para as cinco perguntas acima é um tanto óbvia: a iniciativa privada dá de dez a zero nos governos em praticamente todas as áreas em que atua. Só não se saiu bem justamente naquelas em que não há lucro ou que é necessária uma quantidade gigantesca de investimentos a fundo perdido. Mas, mesmo nestes campos, não se pode dizer que o Estado faça um grande trabalho, ainda que atue sozinho.
Aqui vai a sexta questão: se o governo é tão ruim em gerir qualquer iniciativa – e estamos falando do governo em termos gerais, no mundo inteiro – por que diabos deixamos todas o combate à pandemia do coronavírus nas mãos justamente do Estado?
Esse é um mistério que deveremos investigar. Hospitais, laboratórios e centros de pesquisa, que abrigam algumas das cabeças mais privilegiadas do planeta, não estão à frente deste processo. Em seu lugar, o grande estandarte planetário do combate à pandemia foi a Organização Mundial da Saúde, um órgão subordinado à ONU – um organismo multilateral conhecido pela burocracia e escolha de cargos marcada pelo jogo político.
Não se trata aqui de uma crítica à existência da Organização das Nações Unidas, que foi criada com um nobre objetivo: promover a paz e evitar a eclosão de uma nova guerra mundial. O que parece óbvio, entretanto, é que a ONU é dominada por burocratas e tem um ritmo incompatível com uma pandemia que se alastrou feito rastilho de pólvora.
Ao lado desses burocratas estão as autoridades que também protagonizaram um festival de enganos. No Brasil, o governo federal preferiu brigar com os governadores (que também partiram para o confronto com o Planalto) e gastou um tempo precioso com disputas políticas internas e externas, que poderia ser utilizado na busca de soluções eficazes para mitigar os riscos do cenário sanitário. Outro exemplo foi o da Suécia, que apostou numa saída que elevou significativamente o número de mortes no país, quando comparado com as demais nações escandinavas.
O epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Pública da Suécia, Anders Tegnell, mostrou-se arrependido em não ter tomado medidas mais duras no guerra contra o coronavírus. “Acho que há potencial de melhoria no que fizemos na Suécia, com bastante clareza. E seria bom saber com mais precisão o que desligar para evitar a propagação da infecção”, afirmou Tegnell (é importante frisar que a Suécia, com essa medida, foi talvez o único país do mundo a registrar um crescimento de 0,4 % em sua economia no trimestre, contra tombos bombásticos anotados em praticamente todos os países do planeta).
O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, é outro que se coloca no rol dos arrependidos. Ele, que fez campanha para não fechar estabelecimentos em sua cidade, admitiu que foi um erro ter apoiado o slogan “Milão não para”. Com isso, os milaneses não adotaram maciçamente as regras de isolamento social. O resultado? A cidade foi o epicentro da contaminação na região da Lombardia. “Ninguém ainda havia entendido a virulência do vírus, e aquele era o espírito. Trabalho sete dias por semana para fazer minha parte e aceito as críticas”, afirmou Sala. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas também meteu os pés pelas mãos, decretando um rodízio amalucado de veículos que acabou piorando os índices de isolamento social.
Voltando à OMS: no início da pandemia, a organização afirmou que o risco global de pandemia era moderado, enquanto todas as evidências mostravam o contrário. A própria OMS admitiu o erro ao final de janeiro. Outra grande bobagem foi desestimular o uso de máscaras de proteção, algo que hoje é regra básica para qualquer cidadão preocupado com sua saúde.
Por essas e por outras que não se deve deixar o setor privado de fora das grandes decisões sanitárias. Pode-se argumentar que grandes especialistas tomaram assento em conselhos de assessoramento. É verdade, em alguns casos. Aqui em São Paulo, por exemplo, tivemos um médico de alto perfil, David Uip, à frente do comitê que tomava as decisões sobre a batalha contra a pandemia no Estado. A atuação de Uip, no entanto, acabou sendo ofuscada por uma disputa política entre os governos federal e estadual. De qualquer forma, não enxergamos empresários e executivos com larga experiência em lidar diariamente com crises envolvidos nessa batalha.
Nesta semana, um nome importante da iniciativa privada se juntou ao Ministério da Saúde, o empresário Carlos Wizard. Ainda é pouco. Precisamos do envolvimento direto de outros representantes do setor privado. Críticos do empresariado vão dizer que companhias só pensam no lucro e não trariam grandes contribuições para combater o vírus. Se isso fosse verdade, as doações corporativas para ajudar na luta contra a pandemia não teriam chegado perto dos R$ 5 bilhões, em meio à maior crise econômica que já presenciamos nos últimos cem anos.
É evidente que as esferas governamentais não podem ficar de fora deste processo. Apenas os poderes constituídos é que têm condição de transformar ideias em decretos ou intenções em atos. Mas as mentes do setor privado deveriam ter maior participação no brain storm diário de iniciativas, quando não liderar muitas ações. Como não se enxerga o final do túnel, contudo, é possível ainda colocar a iniciativa privada no páreo. Até porque as autoridades não podem se vangloriar de ter feito um trabalho impecável na batalha contra a epidemia. O foco de muitos governantes, evitar o congestionamento das UTIs, quebrou a economia e não evitou necessariamente as milhares de mortes registradas diariamente pelo planeta. Governar é acomodar interesses contrários, mesmo lidando com prioridades. Se as autoridades não conseguem fazer isso, é hora de as grandes corporações tomarem a responsabilidade para si.