Com pressão nas redes socais, proposta alcançou o apoio necessário para tramitar na Câmara dos Deputados
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) para eliminar a escala de trabalho 6×1, que permite seis dias de trabalho seguidos com apenas um de descanso, alcançou o apoio necessário para tramitar na Câmara dos Deputados. A iniciativa prevê uma jornada de trabalho de quatro dias por semana e limitaria a carga horária a 36 horas semanais, em contraste com o atual teto de 44 horas.
A proposta visa modernizar o sistema de trabalho no Brasil, promovendo um equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Segundo Hilton, a mudança ajudaria trabalhadores a ter mais tempo para estudar e se qualificar, além de melhorar a saúde mental e física. “A escala 6×1 é uma prisão, incompatível com a dignidade do trabalhador,” declarou a deputada, enfatizando a importância de uma vida profissional mais equilibrada.
A PEC obteve o apoio de 194 deputados, ultrapassando o mínimo de 171 assinaturas exigido para ser protocolada. Entre os signatários estão membros do PSOL, PT, PSB e também parlamentares do Centrão, como União Brasil, PSD, e Progressistas, que aderiram após intensa mobilização nas redes sociais.
Agora, o projeto será discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Caso aprovado, seguirá para uma comissão especial e, por fim, ao plenário, onde precisará de 308 votos para avançar ao Senado. No Senado, a proposta também precisará de três quintos dos votos para aprovação.
Jornada reduzida pelo mundo
A proposta acompanha uma tendência mundial de redução da jornada de trabalho, observada em países como Reino Unido, Espanha e Alemanha, onde estudos indicam benefícios como menor estresse, redução de sintomas de burnout e até um pequeno aumento de produtividade e receita das empresas.
Além de Erika Hilton, o senador Paulo Paim também propôs um projeto semelhante, atualmente em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que busca reduzir a jornada para 36 horas semanais. Esse projeto, se aprovado, permitirá a redução gradual da carga horária sem redução salarial, salvo quando acordado coletivamente.
A advogada Larissa Maschio Escuder, especialista em Direito do Trabalho, explica que a proposta da deputada Erika Hilton permite a adoção de modelos alternativos, como a escala de cinco dias de trabalho e dois de descanso (5×2), mas com carga horária reduzida.
O debate, segundo ela, reflete uma tendência que vem ganhando espaço na Europa, onde a redução da jornada de trabalho tem sido discutida com base em evidências de aumento de produtividade e qualidade de vida. Países como Alemanha, Bélgica, França, Islândia e Reino Unido vêm adotando ou testando a jornada mais curta, de quatro dias.
“Existem estudos mostrando que, ao diminuir a carga horária e aumentar a qualidade de vida dos trabalhadores, a produtividade tende a crescer. O atual modelo brasileiro acaba fazendo com que as pessoas trabalhem muito e não tenham tempo para se dedicar a sua vida pessoal”, afirma.
Aumento de custos
O advogado Vitor Kupper alerta para os custos adicionais que a redução da jornada pode gerar para as empresas, caso não haja compensação salarial. Ele destaca que, sem ajustes, os empregadores precisariam ampliar o quadro de funcionários ou repassar o custo ao consumidor, o que pode encarecer produtos e serviços. “O empregador tem dois caminhos: reduzir a atividade econômica ou repassar o custo operacional para o consumidor final, que é o trabalhador. A conclusão lógica é que, ao trabalhar menos, se pagaria mais pelos produtos e serviços”, argumenta.
Luis Henrique Borrozzino, sócio do M3BS Advogados e membro da OAB-SP, acredita que a discussão é relevante, mas exige cautela. “Pequenas e médias empresas teriam custos operacionais mais altos e desafios para atender à demanda. Para ampliar o descanso sem reduzir a jornada semanal, pode-se alterar o artigo 67 da CLT, que prevê um dia de folga após seis dias trabalhados”.
Mobilização começou em redes sociais
A iniciativa, que se iniciou nas redes sociais, foi idealizada por Rick Azevedo, que se tornou conhecido no ano passado e foi eleito o vereador mais votado do Rio pelo PSOL, ficando em 12º lugar na classificação geral nas eleições deste ano.
A mobilização de Azevedo ganhou força após um vídeo publicado no TikTok, em que ele compartilhou seu esgotamento após 12 anos de trabalho intenso como balconista em uma farmácia. Com o celular desligado durante o expediente, Azevedo só percebeu a repercussão do vídeo quando ligou o aparelho e viu uma enxurrada de mensagens.
Foi então que ele criou um grupo no WhatsApp para organizar ações com os apoiadores. Em menos de uma semana, o grupo, que inicialmente recebia até duas mil pessoas, ficou lotado.
Rick procurou especialistas para planejar os próximos passos e teve a ideia de criar um abaixo-assinado, que, ao ser divulgado nas redes sociais, arrecadou 50 mil assinaturas apenas na primeira semana.
No início deste ano, a deputada Erika Hilton apoiou a proposta e a levou ao Congresso, apresentando no Dia do Trabalhador (1º de maio) uma PEC sugerindo a redução da carga horária de trabalho:
“Muitas pessoas duvidaram da força dessa causa. Vejo essa repercussão como uma mensagem para políticos e empresários. Eu defino este momento como o poder da classe trabalhadora”, afirma o vereador eleito, destacando que a mobilização nas redes sociais foi fundamental para dar mais força à proposta legislativa.”Desde o momento em que a PEC foi protocolada, todas as assinaturas dos deputados que conseguimos foram frutos da mobilização que ultrapassou as barreiras” finaliza.
Nesta terça-feira (12), o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) confirmou que fará uma mobilização nacional pelo fim da escala 6×1 em 15 de novembro, Dia da Proclamação da República. No Rio de Janeiro, cidade do fundador do VAT, Rick Azevedo, a concentração será em frente a Câmara Municipal na Cinelândia, às 10h. Outras cidades em São Paulo, no Distrito Federal, no Ceará, no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul convocam a população a ir às ruas.