A reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro vai na direção correta, mas não há muito espaço para o texto ser desidratado pelo Congresso Nacional. Essa é a opinião do economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, que prevê uma situação complicada para o Brasil sem uma mudança robusta no sistema previdenciário. Em entrevista a MONEY REPORT, Schwartsman também analisa o atual cenário da economia brasileira e fala sobre outros pontos que deveriam ser priorizados pelo Palácio do Planalto. Confira:
Do ponto de vista econômico, qual avaliação você faz desses dois meses e meio de governo?
Ainda não há muito resultado, nem seria razoável esperar isso. A proposta de reforma da Previdência faz sentido. Se o texto enviado ao Congresso for 100% aprovado e os números estiverem corretos, a reforma vai conseguir equacionar a questão das aposentadorias. Você conseguiria colocar o ritmo de crescimento dos gastos previdenciários em linha com o avanço do PIB, ou até mesmo um pouco abaixo do produto. Teremos um problema se o gasto continuar crescendo como proporção do PIB indefinidamente. Além da questão fiscal, o projeto reduz o caráter regressivo da Previdência, que atualmente faz as camadas mais ricas da população receberem proporcionalmente mais. O funcionalismo público, que no caso do governo federal é composto por um universo de um milhão de pessoas, recebe, disparado, a maior parcela dos recursos por indivíduo.
Dá para pensar em uma reforma que economize menos de R$ 1 trilhão nos próximos 10 anos?
Eu acho difícil. Se a reforma for muito aguada, você continua com um gasto previdenciário crescendo acima da atividade econômica. Podemos até amenizar esse movimento, mas isso iria apenas adiar o problema.
Ainda na questão fiscal, quais medidas deveriam ser tomadas além da reforma para equilibrar os gastos públicos?
Teria que repensar o modelo do funcionalismo público, não apenas em relação ao governo federal, mas principalmente do ponto de vista dos Estados, que estão quebrados pelos gastos com pessoal. É preciso atacar essa questão, analisando quais carreiras devem ter estabilidade e quais não necessitam. Isso já é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o Supremo Tribunal Federal ainda está julgando se o governo pode reduzir a jornada de trabalho e o salário proporcionalmente.
Os gastos elevados com a Previdência e o funcionalismo reduziriam o efeito da proposta de desvinculação orçamentária?
O tema acabou sendo ultrapassado pelos fatos. O problema principal hoje não é a vinculação. Independentemente de os gastos serem vinculados ou não, você precisa pagar funcionários e aposentadorias. Essas duas rubricas dão aproximadamente 2/3 do gasto federal. Se você somar mais alguns programas, como Benefício de Prestação Continuada e abono salarial, já estamos falando em algo na casa de 80% do gasto público. Precisamos entender também o que é exatamente desvincular. Pode-se desvincular a receita que já tem um destino certo, mas isso não adiantaria muito. Se olharmos para o caso do PIS/Cofins, por exemplo, que é destinado para financiar a seguridade social, não faria a menor diferença, pois esta já é deficitária e continuaria precisando de recursos de outras fontes. Por outro lado, acabar com os mínimos constitucionais que devem ser investidos em áreas como saúde e educação, por exemplo, seria mais efetivo.
Pensando no pós-Previdência, qual reforma deveria ser prioritária?
Se conseguir passar a reforma da Previdência, eu iria pensar na questão tributária com muito carinho, onde está começando a aparecer certo consenso. Creio que a unificação dos tributos indiretos em um grande imposto de valor adicionado traria ganhos potenciais consideráveis, sem pensar em termos de arrecadação, mas de produtividade. Não é algo que traria resultados imediatos, mas precisamos começar já, até porque o período de transição é longo. Se esperarmos resolver tudo para realizar esta reforma, vai demorar muito.
Em relação aos últimos dados macroeconômicos que foram divulgados, o que você destacaria?
A indústria veio bem pior do que se esperava (queda de 0,8% em janeiro), enquanto o varejo veio acima das expectativas (alta de 0,4% em janeiro). Isso, de alguma forma, confirma um padrão que vem dos últimos oito, nove meses, com o varejo refletindo o consumo melhor do que a produção. A recuperação da atividade econômica veio em um ritmo bastante razoável até o final de 2017 e o começo de 2018, mas perdeu fôlego ao longo do ano passado, influenciada, entre outros fatores, pela greve dos caminhoneiros.
O que falta para a indústria crescer?
Alguns pontos que já vêm sendo discutidos, como reforma tributária, abertura comercial e infraestrutura podem aumentar o potencial de crescimento da indústria. O problema principal, porém, não é a questão do potencial. Você tem uma folga econômica em praticamente qualquer dimensão. O desemprego está elevadíssimo (11,6% em dezembro) e a utilização da capacidade ociosa está baixa. O problema agora é como destravar a demanda e fazer o investimento voltar, não apenas no setor industrial, mas também na infraestrutura e construção civil. É necessário reativar a demanda interna, que na atual circunstância vem do consumo, não das exportações e nem do gasto público. O que sobrou é tentar acelerar um pouco o consumo e ver se as coisas deslancham pelo lado dos investimentos. Neste sentido, o leilão dos aeroportos promovido pelo governo acabou sendo uma boa notícia.
Para completar, quais são as suas projeções para 2019?
Acho difícil que o PIB cresça muito acima do intervalo entre 1,5% e 2%. Acredito em um desempenho superior ao de 2017 e 2018, mas creio que não teremos um crescimento muito parrudo. Provavelmente o desemprego cairá um pouco, mas nada significativo. Para a Selic, o cenário mais provável é de manutenção da taxa de juros em 6,5% ao ano até o fim de 2019, mas existe uma chance de corte se começarmos a observar surpresas negativas na economia.