Em evento da Bloomberg Philanthropies, os bilionários apresentaram suas soluções para o futuro
“Se você quer ficar deprimido, olhe para a produtividade da agricultura”, afirmou Bill Gates, o fundador da Microsoft. O bilionário conversava, durante evento organizado pela Bloomberg Philanthropies, com Christina Figueres, co-presidente do conselho do The Earthshot Prize, prêmio lançado há dois anos pelo Príncipe William, em conjunto com sir David Attenborough, biólogo, escritor e apresentador da BBC. Na África, diz Gates, até 2030 a produção de grãos cairá 25%, despencando 75% nas duas décadas seguintes.
Há muito tempo que a produtividade agrícola global só crescia. Mais de um século, na verdade. Antes que o acusem de enveredar por uma versão atualizada da teoria malthusiana, Gates sabe que a tecnologia pode reverter o quadro. “Os africanos não têm boas sementes”, disse o homem que popularizou o Windows. “Mas, hoje, temos a genética e a inteligência artificial.” A inovação e a inventividade humana podem, mais uma vez, salvar a lavoura.
O problema é que, como diz a canção: quem tem fome tem pressa. Quanto tempo uma população de centenas de milhões de pessoas pode esperar até que a elite que controla o capital e os meios de produção desenvolvam a solução para a falta de comida? A sabedoria popular americana tem uma frase perfeita para descrever a situação: timing is a bitch – algo como “o tempo é sacana”, numa versão amenizada.
Gates usa o Paquistão como exemplo. Enchentes históricas no país este ano estão causando uma crise humanitária de grandes proporções, cujo custo deve ultrapassar 10 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, o desastre climático provoca o deslocamento de grandes massas populacionais, gerando uma crise migratória. Tudo isso em uma região já afetada por conflitos e grupos radicais. É a receita do desastre.
Não temos uma década
Anfitrião de Gates, Michael Bloomberg acredita que o assunto não está recebendo a atenção devida. Que fique claro, o problema identificado por Gates é consequência das mudanças climáticas. “A parte boa”, diz Bloomberg, “É que se você deixa de poluir em um lugar, o mundo todo se beneficia. A ruim é que se você polui, o mudo inteiro sofre.”
A equação envolve muitas variáveis. As emissões de carbono, resultantes da ação humana, interferem no clima. Mudanças climáticas provocam instabilidade e imprevisibilidade. Eventos raros, como grandes secas ou inundações, se tornam frequentes. Rupturas na cadeia de alimentação geram crises humanitárias, que evoluem para crises migratórias e políticas. Zerar as emissões de carbono resolve a equação, é verdade. Porém, há outra variável: o tempo. E o tempo, como dizem os americanos, é sacana.
“O aquecimento global não acaba imediatamente após zerar as emissões”, explica Gates. É um desafio existencial. A Terra, segundo a ciência, tem mais de 4 bilhões de anos. Os seres humanos surgiram na África há 2,5 milhões de anos. A revolução industrial começou há 200 anos e mais da metade da queima de combustíveis fósseis se deu nos últimos 30 anos. O Acordo de Paris, aprovado por 195 países há 7 anos, estabeleceu a meta de manter o aquecimento global abaixo de 2 graus celsius e, para isso, o mundo precisa zerar as emissões até 2050. Agora explica isso para o agricultor paquistanês que perdeu toda a colheita. “Falamos de 2050, mas estou preocupado com 2023”, disse Bloomberg.
Escala e velocidade
Bloomberg não espera que os políticos resolvam o problema. Para sair dessa situação, o setor privado deve investir enormes quantias na transição energética e em medidas de adaptação climática. Mas se o esforço financeiro é gigantesco, em compensação, o tempo é curto. O futuro da humanidade depende de uma transformação econômica profunda, de larga escala e em tempo recorde.
O caminho está traçado. Gates elencou diversas inovações que podem tirar a economia desse nó evolutivo, entre elas o hidrogênio verde, a fusão nuclear e outras modalidades de energia limpa. Para a questão da produção de alimentos, ele propõe o desenvolvimento da agricultura na África e na Ásia, com o desenvolvimento de técnicas adaptadas à realidade local e que já considerem os efeitos das mudanças climáticas.
Daí é uma questão de direcionar recursos para os lugares certos. Há 10 anos, por exemplo, Bloomberg lançou uma iniciativa para financiar o fechamento de um grupo de usinas a carvão nos Estados Unidos. Conseguiu acabar com 68% delas. Agora, ele promete ir atrás da indústria petroquímica. E nenhum governo irá escapar de ter de montar estruturas de ajuda emergencial aos mais vulneráveis, como se viu na pandemia. A vantagem de ser um bilionário é que, se alguma coisa te tira o sono, dá pra mudar.
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Por Rodrigo Caetano, de Nova York
Publicado originalmente em: cutt.ly/vVb7YMy