Períodos de transição sempre são complicados. O chefe que ainda não saiu continua com poder, mas está esvaziado. Quem ainda não se sentou na cadeira tem todas as atenções, mas ainda não possui a caneta. Nestes momentos, é natural que existam rusgas e disputas silenciosas por protagonismo nas decisões mais difíceis. Pelo que podemos ver até agora, contudo, não é o que está acontecendo na cúpula do Banco Central.
O mandato de Roberto Campos Neto se encaminha para o final e seu substituto, Gabriel Galípolo, já está indicado (faltando apenas a sabatina parlamentar para oficializá-lo). O fato de Campos ter sido indicado por Jair Bolsonaro e Galípolo por Luiz Inácio Lula da Silva, em tese, já seria um motivo de desentendimento. Mas, desde que se tornou diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo tem mostrado que não seria um fantoche de Lula.
Alguns céticos ainda acharam que, uma vez confirmada sua indicação, Galípolo mostraria maior boa-vontade com às reclamações do presidente em relação aos juros determinados pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. O que se viu, na prática, foi o contrário. Diante de uma possibilidade concreta de repique inflacionário, o Copom, de forma unânime, foi incisivo ao aumentar os juros em 0,25%, chegando ao patamar de 10,75%.
O comunicado divulgado pelo BC não deixa dúvidas em relação ao que a diretoria pensa sobre o cenário macroeconômico: “O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
O texto, também assinado por Galípolo, arremata: “O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.
Ou seja, a diretoria do BC reafirma que a base de suas decisões é técnica e não política. Além disso, a instituição considera que a gestão fiscal frouxa, adotada pelo governo, contribui para que o mercado financeiro fique arisco e eleve as taxas de risco cobradas junto aos clientes. Isso também foi levado em consideração na decisão de elevar os juros e deverá ser avaliado na agenda da próxima reunião do Copom, marcada para os dias 5 e 6 de novembro (até agora, os analistas esperam uma nova alta na taxa Selic, desta vez de meio ponto percentual).
A independência de Galípolo é bem-vinda pela Faria Lima. Ele mostra equidade e pode servir de ponte entre governo e agentes financeiros, em um papel semelhante ao que se esperava do ministro Fernando Haddad no início do mandato de Lula. Ao contrário de Haddad, ele não é responsável pela negligência fiscal reinante. Por isso, principalmente se mantiver a autonomia vista até agora, poderá usar sua credibilidade para aparar arestas. Mas isso ainda vai depender de seus primeiros meses sentado na cadeira que hoje pertence a Roberto Campos Neto.