“O capitalismo brasileiro é mais controlado pelo Estado do que o de qualquer outro país, com exceção dos comunistas”. A frase é de Eugênio Gudin, o patrono dos economistas brasileiros, e foi dita nos anos 50 – mas ainda é de uma atualidade atroz. Mais de meio século depois, os governos ainda têm atuação além do desejado na vida econômica do país. Resgatar as ideias de Gudin é necessário para entender como se desenvolveu o liberalismo no Brasil – que nunca teve vida fácil por aqui.
O economista carioca tornou-se um pensador autodidata devido à (quase) falta de uma tradição liberal no Brasil e de cursos superiores de economia. Engenheiro de formação, Gudin teve na obra de Adam Smith o seu principal referencial teórico. Livros como “A Riqueza das Nações” o influenciaram para elaborar sua ideia de “capitalismo naturalista”. Gudin enxergava o sistema capitalista como a forma de organização da produção inerente ao ser humano. Com isso, os indivíduos gerariam um equilíbrio econômico e social por meio da soma de seus egoísmos racionalistas. O papel do Estado seria apenas não intervir nesta srelações naturais e, portanto, harmoniosas. “O sistema econômico liberal é o caminho da democracia”, definia Gudin.
O pensamento de Gudin se caracteriza como liberal ortodoxo. Esta defesa da autonomia do mercado se chocou, no final da Era Vargas (1944-1945), com o olhar de Roberto Simonsen. Empresário industrial e fundador da FIESP, a federação das indústrias paulistas, Simonsen advogava em favor da intervenção estatal e de um planejamento econômico. Gudin, provocativamente, dizia que “setore sindustriais, que nos Estados Unidos estão em mãos privadas, foram no Brasil absorvidos pelo Estado”. A tese intervencionista de Simonsen predominou por mais uma década após o debate. Porém, com o suicídio de Vargas, em agosto de 1954, mudanças estruturais viriam.
Gudin assumiu o ministério da Fazenda no governo de Café Filho. Não era sua estreia no setor público. Desde 1937, participava do conselho técnico do Ministério da Fazenda e em 1944 foi o representante brasileiro em Bretton Woods, conferência que modernizou o sistema financeiro global no pós-guerra e criou o Fundo Monetário Internacional.
Como ministro, se notabilizou pelo equilíbrio fiscal e na criação de medidas para facilitar a entrada de investimentos estrangeiros ao país – o que possibilitou o salto desenvolvimentista do país no governo Juscelino Kubitschek. Infelizmente, o surto liberal durou pouco. Gudin pediu demissão oito meses após a posse. Não se sabe ao certo o que o motivou, mas as constantes interferências do governador de São Paulo, Jânio Quadros, diante sua equipe técnica podem ter irritado o então ministro.
Após sua passagem pelo setor público, Gudin concluiu: “O empresariado brasileiro acostuma-se a depender do governo. E de fato, depende muito”. Resolveu defender o liberalismo em outras searas: a academia e a imprensa. Tornou-se um dos primeiros colunistas econômicos do país. Assinou coluna por décadas em O Globo ,de 1958 até sua morte, em 1986. Para Gudin, se os jornalistas fossem mais versados em economia, “poderiam os economistas manter-se afastados das lides da imprensa”.
No meio acadêmico, redigiu a lei que regulamentou o curso superior de Economia, ao lado de Gustavo Capanema, ministro da educação de Getúlio Vargas. Eugênio Gudin aliou a capacidade teórica às realizações pioneiras, se notabilizando como um dos liberais mais respeitados e seguidos do Brasil.