Por Jorge Eduardo García
O trabalho é inegavelmente um fator determinante para o sucesso pessoal e para o desenvolvimento social. Entretanto, há um mantra socialmente aceito em relação ao trabalho que o trata com uma aura de misticismo.
É dito que o “trabalho duro” é o que conduz uma pessoa, bem como todo um país, ao sucesso e ao enriquecimento. A ideia é que você (bem como todo o país) só irá enriquecer e prosperar se “trabalhar duro”, se “acordar cedo e trabalhar pesado o dia inteiro, sem preguiça” — ou qualquer coisa neste sentido.
Mas isso é conceitualmente incorreto. A ideia de trabalho duro como o único determinante para o desenvolvimento é incompleta. Trabalhar intensamente, por si só, não leva ao desenvolvimento econômico desejado por todos.
A relação é inversa
Para começar, quando se fala sobre “trabalho duro”, é difícil encontrar a melhor maneira de explicá-lo: você toma por base a força ou a inteligência? Uma maneira fácil de tentar mensurar o trabalho é baseando-se nas horas de trabalho de cada trabalhador individual. O gráfico 1 abaixo mostra a média das horas trabalhadas por ano.
Gráfico 1: média das horas anuais de trabalho por trabalhador – Fonte: OCDE. Dados de2017
Já o gráfico 2 mostra a média das horas de trabalho por semana em diferentes países da OCDE
Gráfico 2: média das horas de trabalho semanais, por trabalhador, em diferentes países da OCDE
Já de imediato é possível constatar um padrão simples: países mais ricos trabalham menos horas. Trabalha-se muito menos na Alemanha, na Dinamarca do que na Costa Rica e no México.
Ou, para ser ainda mais direto, veja esta tabela (fonte) que mostra a quantidade anual de horas trabalhadas por país (com dados agora de 2014):
Faria sentido, portanto, ainda acreditar que pessoas que trabalham mais horas são aquelas que vivem melhor? Os dados primários parecem indicar o contrário.
Ainda assim, essa ideia vai contra o senso comum. Em praticamente todas as sociedades e religiões, trabalho duro e esforço exaustivo são bem vistos. Mas se eles não determinam o desenvolvimento de um país, então o que determina? Por que os países mais ricos trabalham “menos duro” do que os mais pobres? Por que o esforço daqueles que trabalham mais não são recompensados com maior qualidade de vida?
Para começar a entender essas questões, é necessário adicionar variáveis à análise. E uma variável importante a ser analisada é como o número de horas trabalhadas mudou ao longo dos anos. O gráfico 3, abaixo, mostra o valor anual da média de horas trabalhadas para três diferentes gerações, com um espaço de aproximadamente 20 anos por observação.
Gráfico 3: horas trabalhadas em diferentes períodos de tempo – Fonte: OCDE
Observe que, após a década de 1970, houve um pronunciado declínio no número de horas dedicadas ao trabalho nos países da OCDE. No caso do Japão, a redução foi de quase 30% em 40 anos.
Mas o passar do tempo, por si só, não explica tudo, obviamente. Portanto, é importante lembrar que todos os países da OCDE cresceram economicamente ao longo destes 40 anos. Logo, a relação resultante é entre desenvolvimento econômico ao longo do tempo e redução nas horas anuais de trabalho. Os países mais pobres continuam trabalhando mais horas.
Isso pode ser visto mais claramente no gráfico 4, o qual mostra a evolução das horas anuais de trabalho ao longo de 40 anos para três potências econômicas (EUA, Reino Unido e Japão). A tendência é claramente declinante ao longo dos anos.
Gráfico 4: evolução das horas anuais de trabalho entre 1970 e 2017 para Japão (linha azul), Reino Unido (linha laranja) e Estados Unidos (linha cinza) – Fonte: OCDE
Analisando os dados para as horas anuais de trabalho, e comparando-os em relação ao PIB per capita, vemos que a relação anteriormente pressuposta é verdadeira: quanto maior o PIB per capita, menores as horas trabalhadas por ano.
Ou seja, a riqueza gera menos necessidade de trabalho.
Gráfico 5: PIB per capita na eixo horizontal; horas anuais de trabalho no eixo vertical. Quanto maior o PIB per capita, menor as horas de trabalho por ano – Fonte: OCDE
Portanto, temos uma observação empírica: países mais ricos trabalham menos que países mais pobres. Quanto mais rico é um país, menores as suas horas de trabalho.
Isso leva à inevitável pergunta: por quê?
Trabalhar duro é diferente de trabalhar produtivamente
Em certo sentido, trabalhar mais horas pode produzir mais riqueza. Teoricamente, se tudo o que você tem é um machado e troncos de árvore, então trabalhar oito horas cortando madeira irá lhe render mais madeira do que em apenas quatro horas. Assim, neste caso hipotético, trabalhar mais significa mais produção.
O problema é que dificilmente você conseguirá manter essa rotina exaustiva por muito tempo e durante vários meses. Com efeito, tentar manter essa rotina não será muito inteligente. Haverá um momento em que suas condições físicas estarão debilitadas e sua produtividade inevitavelmente cairá.
Sendo assim, se você conseguir obter uma máquina que lhe permita cortar madeira de uma maneira mais rápida, você terá a mesma quantidade de madeira em apenas uma fração do tempo original.
Uma serra elétrica, por exemplo, tornará o seu trabalho muito mais produtivo do que um machado. Uma serra elétrica permite que, com menos horas de trabalho, você consiga a mesma quantidade de madeira que conseguiria com um machado e várias horas a mais de trabalho.
A serra elétrica é um bem de capital que aumenta sua produtividade, permitindo que você trabalhe menos e produza mais. Ao aumentar a quantidade de energia disponível, a serra elétrica permite que você, simultaneamente, reduza sua carga de trabalho muscular e obtenha mais cortes de madeira. A introdução da serra elétrica aumentou seu padrão de vida e ainda reduziu o seu “trabalho pesado”.
E aí você começa a entender a diferença entre os trabalhadores em países ricos e os trabalhadores em países pobres.
A resposta rápida para a pergunta de por que trabalhadores em economias desenvolvidos trabalham menos que trabalhadores de economias ainda em desenvolvimento é porque a produtividade média dos trabalhadores das economias ricas é maior.
Ter mais acesso à tecnologia e a técnicas que tornam o trabalho mais eficiente gera menos horas de trabalho necessárias para alcançar o mesmo resultado — ou, talvez, um resultado até melhor.
O gráfico 6, abaixo, mostra a relação entre produtividade e média anual de horas de trabalho. A produtividade é mensurada dividindo-se o PIB por horas de trabalho.
Gráfico 6: no eixo horizontal, a produtividade (PIB por hora de trabalho); no eixo vertical, horas de trabalho por trabalhadores – Fonte: University of Groningen, Our World in Data, Banco Mundial
Como se observa, há uma relação inversa entre produtividade e horas anuais de trabalho por trabalhador. Não é necessário trabalhar mais para produzir mais. Tudo o que é necessário para se produzir mais é, como explicado acima, capital. A produtividade do trabalhador é aumentada quando se utiliza mais tecnologia e melhores técnicas de produção.
Como se faz?
Os países desenvolvidos passaram séculos trabalhando e poupando com o objetivo de acumular o capital que eles atualmente possuem. O trabalho, por si só, não traz automaticamente o desenvolvimento econômico; entretanto, o trabalho torna possível a formação de capital por meio da poupança.
O capital advém da poupança, e poupar significa se abster do consumo. Uma sociedade que trabalha, produz e se abstém do consumo permite que os recursos criados e não consumidos sejam utilizados na construção de bens de capital que irão tornar o trabalho humano mais produtivo. Os recursos não-consumidos se tornam insumos para a construção de moradias, fábricas, infraestruturas, meios de transporte, maquinários, escritórios e imóveis comerciais, laboratórios, cientistas, arquitetos, universidades etc.
Inversamente, uma sociedade que consome 100% do que produz não possui um único bem de capital. Nesta sociedade não haveria moradias, fábricas, infraestruturas, meios de transporte, maquinários, escritórios e imóveis comerciais, laboratórios, cientistas, arquitetos, universidades etc. Todos os indivíduos estariam permanentemente ocupados (trabalhando duro) produzindo bens de consumo básicos — comidas e vestes — e não dedicariam nem um segundo para a produção de bens de capital, que são investimentos de longo prazo que geram bens futuros.
É a poupança, é o não desejo de consumir tudo o que se pode, o que permite direcionar esforços para satisfazer não os desejos mais imediatos, mas sim as necessidades futuras. Com a poupança, são produzidos bens de capital que irão, por sua vez, fabricar os bens de consumo que serão demandados no futuro.
Logo, ao fim e ao cabo, os componentes-chave para se ter trabalhadores mais produtivos é poupar e, consequentemente, utilizar essa poupança na construção de máquinas, ferramentas, instalações industriais e bens de capital em geral que poupem o trabalho físico.
Os países ricos de hoje são aqueles que passaram as últimas décadas (e séculos) trabalhando, produzindo e poupando. Isso significa que várias gerações decidiram não consumir toda a sua produção presente, optando por poupar com o intuito de ter um futuro mais próspero. Essa poupança foi então investida por empreendedores e inovadores que souberam como criar valor. Finalmente, esse capital aumentou a produtividade das gerações seguintes, levando à qualidade de vida que hoje vemos nos países de primeiro mundo.
É por isso que os salários nestes países são maiores do que os países mais pobres, e é por isso que menos trabalho é exigido nestes países. Dado que o capital aprimorou a produtividade marginal da mão-de-obra — isto é, a contribuição adicional de cada trabalhador ao longo da cadeia produtiva —, seu salário aumenta porque seu desempenho é melhor.
Ludwig von Mises sintetizou perfeitamente o arranjo:
Com o auxílio de melhores ferramentas e máquinas, a quantidade dos produtos aumenta e sua qualidade melhora. Assim, o produtor consequentemente estará em posição de obter dos consumidores um valor maior do que aquele que seu empregado consumiu em uma hora de trabalho. Somente assim o produtor poderá — e, devido à concorrência com outros empregadores, será forçado a — pagar maiores salários pelo trabalho do seu empregado.
Trabalhar menos e produzir mais é o resultado direto dessa acumulação de capital. Assim como a serra elétrica aumenta a produção em relação a um serrote ou a um machado, e um trator multiplica enormemente a produção agrícola em relação a uma enxada, o uso de máquinas e equipamentos modernos multiplica enormemente a produtividade dos trabalhadores — e, consequentemente, seus salários e sua qualidade de vida.
Um operário norte-americano ganha quatro vezes mais que o espanhol ou cem vezes mais que o indiano não por “trabalhar mais duro” ou por ser mais inteligente, mas sim por utilizar quatro ou cem vezes mais capital (máquinas, ferramentas, instalações industriais, meios de transporte etc.) que seu colega espanhol ou indiano, respectivamente.
Em um país rico, a quantidade e a qualidade das máquinas e das ferramentas disponíveis são muito maiores do que nos países pobres. A acumulação de capital, o empreendedorismo e a inventividade tecnológica são os pilares da economia. Como consequência, a produtividade, a riqueza e o padrão de vida nestes países são muito mais altos.
O objetivo é trabalhar menos e produzir mais
A ideia de que é necessário trabalhar duro para enriquecer seria verdadeira apenas se vivêssemos em um mundo completamente destituído de melhorias na produtividade. Neste caso, realmente, não haveria alternativa senão trabalhar mais.
Felizmente, não vivemos nesse mundo. E, no mundo em que de fato vivemos, o objetivo de alcançar um contínuo aumento no padrão de vida ao mesmo tempo em que se diminui as horas de trabalho é perfeitamente factível.
Afinal, foi exatamente a Revolução Industrial que permitiu que grande parte da humanidade se livrasse, pela primeira vez na história do mundo, do fardo diário de ter de trabalhar longas horas sem nenhuma perspectiva de alívio, tendo pouquíssimo tempo livre para a educação, o lazer e atividades caritativas.
Desde então, graças à expansão do capitalismo, a produtividade do trabalhador só fez aumentar nos séculos seguintes. Hoje, não é necessário trabalhar mais do que dois dias por semana para alcançar um padrão de vida maior do que aquele usufruído por nossos ancestrais que viveram no século XVIII. Não temos de trabalhar mais do que nossos tataravôs. Certamente trabalhamos menos horas do que eles — e por livre e espontânea vontade.
Os obstáculos
Entretanto, de nada adianta falar de tudo isso se ignorarmos o papel deletério das políticas governamentais, que afetam enormemente todo o processo de acumulação de capital.
O aparato regulatório que impede o surgimento de novas empresas e novas criações. A burocracia, a carga tributária e o complexo código tributário, que penalizam a inovação e a poupança. Tarifas de importação e uma moeda em contínua desvalorização, que impedem que empresas adquiram do exterior bens de capital bons e baratos que aumentariam sua produtividade.
As políticas fiscais e monetárias do governo, as quais, ao incentivarem o consumismo, o imediatismo e o endividamento da população para fins consumistas, fazem de tudo para desestimular a poupança.
O problema da contínua inflação e da consequente destruição do poder de compra da moeda. Uma moeda que continuamente perde poder de compra afeta os investimentos de longo prazo (é impossível fazer investimentos produtivos se você não tem a mínima ideia do poder de compra futuro da moeda) e reduz os salários reais. Ao reduzir os salários reais, desestimula a poupança (com a renda disponível cada vez mais afetada, não há como poupar). Consequentemente, a pouca poupança disponível não é direcionada para investimentos produtivos, mas sim para o consumo imediato.
O resultado é uma economia voltada para o consumo e para o prazer imediato, e não para a poupança e para o investimento de longo prazo. E isso, por sua vez, afeta toda a estrutura produtiva da economia: em vez de se ter uma economia voltada para a produção de longo prazo, há uma economia voltada para o consumismo de curto prazo.
Em todos esses casos, avanços na produtividade são perdidos.
Por isso, para o desenvolvimento, é crucial haver um governo que ao menos não atrapalhe.
Conclusão
Se o objetivo é o crescimento econômico e o enriquecimento, então apenas “trabalhar duro” não terá efeito nenhum. O trabalho duro é importante, mas de nada adianta sem capital acumulado, que é o que irá realmente aumentar a produtividade do trabalho e gerar mais retornos com menos esforço. O capital, tanto físico quanto intelectual, é o que permite aos trabalhadores terem um maior padrão de vida, seja por meio de maiores salários, seja ao permitir menos horas para se completar um trabalho.
É por isso que a poupança e o investimento são os mais importantes fatores nas economias desenvolvidas. Acreditar que o trabalho duro, por si só, fará com que um país prospere é ignorar as premissas básicas da economia. O verdadeiro crescimento econômico advém da poupança e do investimento (em conjunto com uma moeda forte e uma economia genuinamente empreendedorial).
Por fim, eis a grande tragédia: a ideia de que a prosperidade está no trabalho duro — quando desacoplada do conhecimento econômico — pode condenar milhões a viverem eternamente na pobreza. Um bom exemplo é o Haiti: um país de pessoas laboriosas, mas que não consegue prosperar.
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