A demora do governo em anunciar o esperado corte de gastos tem uma razão nada econômica: nos bastidores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não é exatamente um fã da iniciativa, precisa amainar a resistência do PT e de outros líderes de esquerda. É por isso que a redução do déficit está sendo discutida nos detalhes com os ministros da área social – a ideia é mostrar que a tesoura preservou projetos importantes para a pauta pestista.
Mesmo assim, é de se esperar uma divisão entre os ideólogos do PT e do PSOL. Os mais pragmáticos entendem que uma explosão da dívida pública pode comprometer a governabilidade e provocar uma nova derrota em 2026. A maioria, no entanto, não quer entender os princípios básicos que regem a macroeconomia e deseja turbinar os gastos com iniciativas que contemplem a população mais carente.
De fato, o governo está em uma encruzilhada. De um lado, precisa reduzir o orçamento para estancar a alta do dólar e prevenir uma alta mais agressiva de juros, pois a elevação do déficit vai anabolizar a dívida estatal. De outro, porém, o Planalto percebeu que medidas como o Bolsa Família são vistas como uma política de Estado e incorporadas por todos os partidos políticos. Dessa forma, trata-se de uma vaca sagrada e não garante mais o voto fiel ao PT. Por isso, entende a necessidade de encontrar outros programas que possam alavancar novamente a votação do PT em regiões carentes, como o Nordeste.
“As conversas da mídia e seus economistas para cortar o orçamento público só recaem em cima daquilo que atinge o povo trabalhador e os pobres: pisos de saúde e educação, reajuste do salário-mínimo, seguro-desemprego, abono salarial, BPC…Nada se fala dos juros estratosféricos, que vêm aumentando a dívida, do sistema tributário injusto e concentrador de renda, das desonerações bilionárias. Dá uma tristeza!”, escreveu a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em sua conta na plataforma X.
Gleisi coloca o aumento dos débitos estatais na conta dos “juros estratosféricos”. Mas a dívida federal cresce por conta principalmente por conta dos crescentes gastos públicos. O mercado financeiro, vendo a diminuição da capacidade de pagamento do governo, percebe que o risco de default está aumentando e, assim, exige juros maiores para a rolagem dos títulos públicos.
A resistência a uma gestão menos esquerdista e mais moderada também é vista nas recentes declarações do candidato do PSOL derrotado na disputa pela prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. Ele deu uma entrevista à “Folha de S. Paulo” na qual afirma que seus aliados não podem se aproximar do centro. “Se a esquerda, agora, lambendo as feridas, cair neste canto de sereia, cometerá um suicídio histórico. A extrema direita está construindo uma hegemonia de pensamento, inclusive em setores populares”, disse.
Curiosamente, para Boulos, existem apenas duas forças políticas atuando no país: a esquerda e a extrema direita. Não existem outros tons de cinza, como a extrema esquerda, a centro esquerda, o centro, a centro direita e a direita. O “nós contra eles” do psolista é um mundo no qual os vilões são o grupo que gravita em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesta visão, a sociedade parece ser um bando de idiotas que caem em qualquer conversa fiada que surge pela frente.
Na entrevista à “Folha”, Boulos diz o seguinte: “A esquerda foi derrotada no país todo em 2024. E precisamos aprender com as lições dessa derrota”. Até aí tudo bem. Mas, para o deputado federal, houve um “sequestro do orçamento pelo Centrão” e isso foi crucial para o encolhimento do PT e do PSOL.
As obras turbinadas nas prefeituras, de fato, podem ter ajudado a reeleição de muitos prefeitos. Mas como explicar a significativa votação de Pablo Marçal em São Paulo, que nada tem a ver com as chamadas emendas de relator? Quais são as razões para a vitória de Boulos em apenas três zonas eleitorais paulistanas? Por que 80% dos eleitores de Marçal e 24% dos apoiadores de Tábata Amaral não quiseram votar em Boulos?
Há duas razões para isso. Uma é a rejeição provocada pela figura de Guilherme Boulos, ainda visto como um radical, apesar de todos os esforços mercadológicos em pintá-lo como um moderado. A outra explicação é que o discurso da direita e do centro, baseado em empreendedorismo e de prosperidade, tem forte apelo junto aos jovens e aos mais pobres – não há como negar isso. As pessoas querem prosperar por conta própria, não querem depender do Estado para remediar a sua situação. Some-se tudo isso a quem está farto de polarização e quer um moderado no poder: o resultado será o triunfo de quem se alinha com o centro ou a uma direita light.
Gleisi e Boulos, pelo jeito, não entenderam o recado das urnas. Melhor para a oposição, que virá com tudo em 2026, qualquer que seja o seu principal candidato.