O Brasil definitivamente é o país dos sinais trocados. De um lado, tivemos um crescimento econômico surpreendente no primeiro semestre, que fez o governo mudar a previsão de avanço do Produto Interno Bruto de 2,5 % para 3,2 % em 2023. De outro, porém, as dívidas com contas de água e energia elétrica – serviços considerados essenciais para qualquer família – atingiram um recorde em agosto. Esses débitos chegam a 24,47 % de toda a inadimplência observada no mercado brasileiro, um índice inédito desde que a série histórica teve início, em 2019.
Como pode a economia crescer quando, ao mesmo tempo, os trabalhadores têm dificuldades para pagar suas contas mais básicas? Neste cenário, se uma família atrasar a conta da luz é sinal de que muitas outras deixaram de ser pagas antes disso. Este quadro é descortinado pelos números levantados em pesquisa do Serasa: são 71,74 milhões de pessoas com o nome sujo na praça. Isso representa quase metade da população adulta do no país.
Este quadro preocupante é turbinado por um desemprego que teima em ficar alto: uma taxa de 8 %. Esta marca, registrada ao final do segundo trimestre do ano, é a menor desde 2014 (e representou um recuo de 0,8 % em comparação ao primeiro trimestre de 2023). Ou seja, o quadro melhorou – mais ainda está longe de chegarmos a uma situação favorável, até porque temos cerca de 8,5 milhões de pessoas sem ocupação.
Some-se ao desemprego a atual taxa de juros, que apesar de duas quedas mensais consecutivas, continua muito alta e impede a retomada consistente de crescimento econômico. Como se espera que os juros diminuam abaixo do patamar de 10 % ao ano somente a partir de 2024, prevê-se que teremos dificuldades a enfrentar pelos meses vindouros.
Está nos juros altos uma das principais causas da crise pela qual passa o varejo brasileiro, que é responsável por um em cada quatro empregos com carteira assinada no país – além de ser responsável por uma participação de 22,9 % no PIB.
O setor de serviços também está andando de lado e bastante ressabiado com o futuro, por conta da Reforma Tributária. Como se sabe, o governo quer diminuir os tributos da indústria (uma causa nobre), mas se recusa a cortar despesas. Por isso, deve passar a conta da desoneração industrial para as empresas de serviços. Sem ainda saber o que pode acontecer (muitos imaginam que haverá um aumento de 300 % nos impostos pagos neste setor), vários empresários simplesmente tiraram o pé do acelerador – o que contribui para a flacidez da economia.
Nos anos 1970, o economista Edmar Bacha cunhou o termo “Belíndia”. Segundo o raciocínio de Bacha, o Brasil combinava a riqueza da Bélgica com a miséria que pode ser observada na Índia.
A esse paradoxo, pode ser somado outro – o de setores econômicos que não foram afetados pela crise e outros que estão balançando fortemente. Por incrível que pareça, são poucos os momentos em que o Brasil cresce ou diminui como um todo. Sempre há setores que fazem um contraponto a quem está afundando.
Por isso, nosso país pode ser considerado maior do que qualquer governo e contar com a força de uma iniciativa privada incansável para gerar riquezas. O governo sabe disso, mas não faz a sua parte. Imagine a força que teríamos se o Estado fosse menor e os impostos fossem reduzidos? Se houvesse um ambiente de negócios pró-mercado? Se o Brasil fosse brindado com essas três características, nunca mais viveríamos um fenômeno econômico que é nosso velho conhecido: o voo de galinha.