Empreendedores que não entenderem isso só irão prosperar em mercados protegidos
Foi ainda em minha juventude que, ao dialogar com um amigo, tive uma constatação que alterou para sempre a minha visão de mundo sobre a economia.
Este amigo queria abrir um restaurante simples. Como eu cursava economia, ele me pediu dicas.
Automaticamente, fiz a ele duas perguntas:
— Quanto você acha que as pessoas estarão dispostas a pagar pelo seu serviço?
Em seguida:
— O que você consegue fornecer a este preço?
Isto ocorreu ainda antes de eu descobrir a Escola Austríaca de economia e todas as suas implicações. Para mim, tal abordagem simplesmente parecia ser o método mais lógico e racional. Você simplesmente não conseguirá vender algo se as pessoas não concordarem com o preço.
Consequentemente, você não pode estipular um preço que as pessoas não estão dispostas a pagar.
Não é o empreendedor quem determina os preços dos bens e serviços, mas sim o consumidor. O consumidor estipula o quanto ele está disposto a pagar por um bem ou serviço, cabendo ao empreendedor se virar para tentar fornecer este bem ou serviço a um custo operacional que viabilize sua operação.
O empreendedor bem-sucedido será aquele que, de um lado, consiga vender aquilo que seu público consumidor está disposto a comprar e, de outro, faça isso a um custo operacional que viabilize lucros.
Custos de produção não determinam preços
Ao contrário do que muitos imaginam — inclusive vários empreendedores —, os preços não são determinados pelos custos de produção. Com efeito, é exatamente o contrário: os custos de produção são incorridos de acordo com o preço do produto final.
Os consumidores determinam quanto estão dispostos a pagar por cada bem e serviço ofertado, cabendo então ao empreendedor saber ofertá-los a este preço e a um custo operacionalmente viável.
Mais especificamente, os preços não são estipulados por empreendedores e empresas; eles são descobertos por eles. Já os custos, por sua vez, são escolhidos e assumidos pelos produtores: os produtores irão escolher aquele processo de produção cujo custo eles estimam ser menor que o preço final pelo qual eles imaginam que seu produto será vendido no mercado.
Como sempre enfatizou Mises, o empreendedor é, na realidade, é um especulador, alguém que possui uma estimativa quanto às futuras condições do mercado e, baseado nessa estimativa, realiza empreendimentos que, caso antecipem corretamente as futuras demandas dos consumidores, irão resultar em lucros. Disse ele:
Um empreendedor tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos. Ao estimar os preços futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários para produzir estes bens e serviços futuros.
Caso avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele irá adquirir estes fatores de produção. Caso sua estimativa se revele correta, ele auferirá lucros.
Portanto, o que permite o surgimento do lucro é o fato de que aquele empreendedor que estima quais serão os preços futuros de alguns bens e serviços de maneira mais acurada que seus concorrentes irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito baixos.
Consequentemente, os custos totais de produção serão menores que a receita total que o empreendedor irá receber pelo seu produto final.
Por isso, os custos operacionais são, para cada empreendimento, uma escolha baseada no julgamento do produtor.
Vale também observar que os preços finais dos bens e serviços, e os custos operacionais incorridos em sua produção, nem sequer são determinados pelos mesmos agentes econômicos. Os preços são determinados pelos consumidores; os custos, escolhidos pelos produtores.
Portanto, a crucial escolha sobre ofertar ou não um bem ou serviço segue duas etapas:
a) primeiro, o empreendedor tem de antecipar corretamente qual preço poderá ser cobrado pelo produto final (o preço determinado pelo consumidor);
b) em seguida, o empreendedor tem de ver se será capaz de produzir este bem a um custo suficientemente baixo, de modo a tornar o empreendimento viável (sua escolha de custo).
O erro de apenas “adicionar o custo ao preço”
Por tudo isso, empresas que aplicam o método da “adição do custo” — que estipulam o preço de acordo com custo total mais uma margem de lucro — estão abrindo mão de serem empreendedoras.
Elas simplesmente assumem que os custos já estão dados e, com isso, “escolhem” o preço final do produto de acordo com o custo (utilizando uma aritmética simples, do tipo “custo mais 15% de lucro”).
Embora o método seja consideravelmente mais rápido, a empresa que o adota corre o risco de ir mais rapidamente à falência.
O preço baseado no custo pode acabar se revelando alto demais (consequentemente não satisfazendo um número suficiente de consumidores) ou baixo demais (consequentemente reduzindo o lucro possível).
A chance de se estipular o preço correto ao simplesmente acrescentar uma margem de lucro sobre o custo é muito pequena.
O preço está certo — agora, escolha seu custo
Empreendedores frequentemente desperdiçam uma enorme quantidade de tempo tentando decidir o preço de seus produtos — ou, pior ainda, escolhendo qual o método para precificá-los.
O problema é que, não importa o quanto eles tentem lutar contra, o fato é que eles nunca têm controle sobre quanto os consumidores estão dispostos a pagar.
E isso se aplica inclusive para grandes empresas.
Em 1983, a Apple apresentou o computador Lisa, gabando-se de que ele iria dominar todo o mercado de computadores da época e prometendo que ele levaria a concorrente IBM à falência. A Apple estipulou que Lisa teria um preço de varejo de US$ 9.995 (quase US$ 24.000 em valores de hoje).
Ninguém comprou. O fracasso desta máquina foi um dos maiores da história da empresa. A Apple tentou estipular o preço do seu equipamento baseando-se no custo de US$ 50 milhões que a empresa teve para desenvolvê-lo, mas o público discordou. Isso deixou a empresa com um prejuízo enorme (para a época).
Já a Mulberry, a famosa empresa especializada em elegantes bolsas de couro, optou recentemente pelo caminho oposto. A empresa estava perdendo receitas e os lucros estavam caindo anualmente. E então, ela decidiu reduzir os preços de suas bolsas de couro para torná-las mais acessíveis para sua clientela. Apesar de agora ter um lucro menor por bolsa, o maior volume de bolsas vendidas fez com que as receitas da empresa voltassem a subir.
A estipulação arbitrária de preços é um mito. Em última instância, você não tem com estipular o preço de mercado de seus produtos. Somente os consumidores podem fazer isso. O preço que eles estipulam é o único que vale. Como empreendedor, tudo o que você pode fazer é descobrir quanto os consumidores estão dispostos a pagar por seu produto e então avaliar se há como você fornecê-lo a um custo que viabilize o empreendimento.
Se você cobrar caro, não vai vender muito; se cobrar barato, não terá lucro.
O problema com os monopólios e cartéis protegidos pelo estado — e o câmbio
No entanto, há uma exceção a esta regra.
Ela ocorre sob um arranjo de grande intervencionismo estatal, no qual uma grande empresa opera dentro de um mercado regulado e protegido pelo governo, blindada da concorrência.
Empresas telefônicas, companhias aéreas, postos de combustíveis, empresas de ônibus, bancos e grandes indústrias (como a automotiva) são exemplos de empreendimentos que operam em mercados protegidos por agências reguladoras ou por tarifas de importação.
Mercados regulados são diferentes de mercados abertos e livres porque possuem barreiras artificiais à entrada de concorrentes. Consequentemente, tais mercados “redistribuem” seus custos operacionais: como a entrada de novos concorrentes é burocraticamente protegida pelo governo, os eventuais novos entrantes têm de arcar com custos artificialmente altos caso queiram entrar no mercado.
Essa barreira artificial protege as empresas já estabelecidas — as quais têm maior poder de estipular preços — e permite que elas imponham seus custos operacionais aos eventuais (e poucos) novos entrantes.
Em outras palavras, há menos empresas e, consequentemente, menos concorrência.
Sob esse arranjo intervencionista, as empresas nem sempre precisam descobrir os preços corretos para seus produtos, pois a ameaça de novos empreendedores se aproveitarem desta ineficiência e entrarem no mercado é muito pequena. Consequentemente, sob este arranjo, o método da “adição do custo” pode funcionar. A concorrência não irá solapar sua escolha de preços, ao contrário do que ocorreria em um mercado livre.
Por isso, grandes empresas que operam protegidas em economias mistas e intervencionistas não necessariamente precisam ser geridas por administradores com grande tino empreendedorial. Sua operação pode rapidamente se tornar burocratizada.
Já em mercados altamente inovadores, como o de tecnologia, os administradores das grandes empresas já estabelecidos têm continuamente de assumir o papel do empreendedor: eles têm de descobrir novos produtos, os quais requerem novos processos de produção. Por exemplo, a decisão da Apple de produzir o iPhone foi necessariamente empreendedorial — e foi empreendedorial não porque Steve Jobs não recorreu ao método da “adição do custo”, mas sim porque não havia informação disponível relevante para este novo tipo de produto.
O método da “adição do custo”, portanto, só “funciona” quando há pouca inovação (dinamismo) no mercado: ou seja, só funciona em mercados intervencionistas e com grandes barreiras artificiais à entrada de concorrentes. E, ainda assim, ele está atrelado ao (limitado) julgamento empreendedorial do administrador: o método da adição de custo só pode realmente ser utilizado pelas empresas quando o preço final assim calculado não é obviamente exorbitante.
Um óbvio exemplo prático do método da “adição de custo” — e, consequentemente, de falta de empreendedorismo — ocorre quando os preços de bens importados mudam abruptamente de acordo com súbitas variações da taxa de câmbio. Em um mercado sem barreiras à entrada (mas com taxas de câmbio flutuantes), os preços dos bens de consumo nas lojas não subiriam com uma desvalorização do câmbio, ou vice-versa. Afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram neste curto espaço de tempo.
Assim, em um mercado livre e sem protecionismos, flutuações na taxa de câmbio não seriam refletidas — ao menos não imediatamente — nos preços dos produtos nas lojas. Um empreendimento em um arranjo competitivo iria ajustar a única coisa que é realmente variável: sua estrutura de custos. Eles não seriam capazes de aumentar os preços.
Sendo assim, o uso do método da “adição de custo” para a escolha de preços é um claro sintoma de uma ausência de forças concorrenciais de mercado — ou então é apenas falta de conhecimento empreendedorial do administrador. Quando tal método é utilizado em um mercado livre e concorrencial, o empreendedor rapidamente é expulso do mercado pelos consumidores.
O único arranjo em que tal método parece sensato é em mercados que não são livres, pois os empresários que o praticam, mesmo sem entender o mercado, conseguem se safar sem sofrer grandes punições dos consumidores.
O método da “adição de custo” representa o exato oposto de uma verdadeira precificação de mercado, colocando o poder nas mãos do empresário burocratizado e blindando-o dos consumidores. Neste arranjo, a satisfação do consumidor é algo totalmente secundário.
Conclusão
Mercados protegidos pelo governo concedem um passe-livre a empreendedores ineficientes e de mau juízo empreendedorial, os quais têm grande liberdade para estipular preços. Já mercados concorrenciais — como são os mercados em que operam as micro, pequenas e médias empresas — não permitem erros na estipulação dos preços.
O pequeno ou médio empreendedor, tão logo descobre o preço do seu bem ou serviço, possui algum controle sobre seus lucros. Ele tem de escolher os custos que ainda permitam um lucro líquido sem reduzir a qualidade de seu produto. Isso pode até incluir alterações no peso e no volume do produto, mas não deve envolver alteração no preço nominal.
Estipular preços com base nos custos de produção é, em mercados concorrenciais, a receita para o desastre. Em vez de agir assim, a primeira pergunta que o empreendedor deve se fazer é: quanto os consumidores estão dispostos a pagar pelo meu bem ou serviço?
Depois: é possível manter os custos baixos de modo a viabilizar o empreendimento? Se a resposta é ‘sim’, então esse empreendedor está no jogo.
_____________________________________
Per Bylund
Publicado anteriormente em: cutt.ly/9nuMm6X