Muitos gostam de traçar semelhanças entre as personalidades dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro. Os dois foram eleitos numa onda que varreu o mundo: a de que seria preciso testar nomes fora do circuito dos políticos tradicionais, de preferência aqueles que demonstrassem coragem para mudar, de alguma forma, o cenário em que vivíamos. No caso dos Estados Unidos, um dos principais motores da eleição de Trump foi o marasmo econômico vivido durante os anos Obama. Já em solo brasileiro, a indignação em torno da roubalheira generalizada que tomou conta do Brasil e frustração com um modelo econômico equivocado – ambas com origem nas gestões do Partido dos Trabalhadores – foram os principais anabolizantes da candidatura Bolsonaro.
O estilo de Bolsonaro, assim como o de Trump, é feito sob medida para momentos de ruptura. Mas é um conjunto de atitudes que funciona em tempos em que se necessita de conciliação? Vejamos o caso de Trump. Pode-se conferir o estilão de sempre nas coletivas de imprensa. O presidente americano descasca jornalistas, perde boa parte de seu tempo desancando a CNN e muitas vezes refuta o que ele mesmo escreveu no Twitter tempos atrás. Mas, em compensação, traz sempre médicos e militares para dividir o palco e os chama toda vez que tem à frente uma pergunta que precisa de elementos técnicos para respondê-la.
Trump, como Bolsonaro, fez várias menções sobre a possibilidade de reabrir o país aos negócios o mais rápido possível. Mas foi convencido a estender a quarentena ao examinar o crescimento dos casos. Passar por cima de suas convicções pessoais e ouvir a opinião alheia, formada principalmente por especialistas, é um sinal de sabedoria.
Paralelamente a tudo isso, teve de lidar com os senadores democratas, que criaram dificuldades em relação à aprovação de seu plano de contingências. O movimento da oposição fez Trump esbravejar pelas redes sociais. Mas, nos bastidores, costurou a votação do pacotão de US$ 2 trilhões. Desde então, não se ouvem tantas vozes discordantes em relação à conduta presidencial (como antes havia). Isso se chama liderança.
Bolsonaro, ao contrário de Trump, não tem demonstrado a sabedoria de ouvir a opinião alheia e muito menos construir pontes em relação a seus opositores. Pelo contrário. Aumentou o abismo político entre os governadores, alguns deles seus antigos aliados, e parece se distanciar do ministro da saúde, uma das figuras que mais recebeu apoio popular durante a crise (se isso não ocorre e é apenas especulação dos jornalistas, não há sinais públicos que mostrem o contrário).
Para piorar, a comunicação do governo brasileiro, mais uma vez, deixa a desejar. Veja o caso do pacote de medidas de combate à crise. No Brasil, esse conjunto chega a R$ 800 bilhões, cerca de 10 % do PIB nacional. O governo americano, por sua vez, destinou US$ 2 trilhões para dar liquidez ao mercado. Isso é uma montanha inimaginável de dinheiro, o equivalente à soma de todas as riquezas geradas pelo Brasil em um ano. Só que também equivalente a dez por cento do PIB americano. Ou seja, proporcionalmente o Brasil está colocando o mesmo dinheiro que os Estados Unidos para tentar resolver a parada. Mas, nos EUA, a percepção de atuação federal é positiva; no Brasil, não.
Uma parte da batalha se vence no campo da comunicação, que gera apoio popular e pressiona os políticos a agir em sintonia com o Executivo. Mas as recentes atitudes do presidente nesta arena, como visitar um mercado em Brasília durante o final de semana, apenas criaram mais polêmica e gastaram boa parte do capital político favorável da presidência.
Ontem, fizemos uma videoconferência com o ex-ministro Nelson Jobim (https://www.moneyreport.com.br/politica/nelson-jobim-analisa-o-cenario-politico-e-economico-e-aponta-saidas-para-a-crise/), na qual ele especificou a estratégia militar para lidar com problemas semelhantes à crise do coronavírus.
Segundo este raciocínio, há quatro níveis de ação. O primeiro é o político, no qual o Presidente da República define os objetivos, dando o caminho que será seguido. O seguinte é estratégico: todas autoridades que têm equipes executivas se unem para criar uma estratégia que implemente os alvos traçados pela presidência. A seguir, vem o nível operacional, que põe a mão na massa e, de fato, coloca a engrenagem para se movimentar. Por fim, o tático: aquele que define os ajustes e modificações necessárias (evidentemente, com a validação do mandatário).
Donald Trump seguiu esse roteiro à risca. Ele deu o caminho e fez correções de rota quando necessário. Mas Bolsonaro parece jogar nesses quatro times ao mesmo tempo – ou demonstra querer estar em todas as escalações. Desse jeito, perde cacife político importantíssimo, num momento em que deveria unir esforços em torno de um objetivo comum.
Mesmo entre aqueles que defendem a quarentena total, há muitos preocupados com as sequelas econômicas da pandemia. Percebe-se isso em inúmeras entrevistas. Mas estamos falando de um processo que só será relaxado com apoio popular e união. Para isso, precisamos dialogar e ouvir opiniões muitas vezes contrárias às nossas. Bravatas, ironias e lacradas via redes sociais não trarão o suporte necessário às medidas do governo.
O presidente já deu uma declaração na qual afirmou cogitar em decretar o fim do shutdown. Estamos numa democracia e no capitalismo. Quantos de nós seguiriam essa determinação? Muitos ou poucos? Há uma vontade muito grande de se voltar aos escritórios, lojas e restaurantes. Mas há igualmente medo de se socializar. Um receio nunca visto antes, que pode ser observado no comportamento de autoridades. Tome-se o exemplo do ministro da Economia, Paulo Guedes. Primeiro, ele se isolou em sua residência, no Rio. Agora, está confinado na Granja do Torto, em Brasília, e disse que essa era sua opção “como cidadão”.
Todos temem uma possível convulsão social decorrente de uma depressão sem precedentes. E ainda não temos elementos totalmente seguros para patrocinar, sem nenhuma dúvida, o final da quarentena. Por isso, precisamos pensar rapidamente em soluções que compatibilizem suas posições aparentemente antagônicas. A princípio, parece ser um dilema hamletiano: preservar vidas ou manter a economia viva?
Pode parecer um desafio impossível. Mas talvez não seja uma decisão na linha “escolha de Sofia”. Para chegar a um denominador comum, no entanto, precisamos nos empenhar para encontrar uma solução juntos. Sem provocações, intolerância ou arrogância. Não é hora de monólogos. É hora de debater nossas opções civilizadamente – e buscar a saída que parece hoje ser impossível.