E como os salários realmente aumentam em uma economia
É bastante comum ouvir a afirmação, feita majoritariamente por políticos e intelectuais, de que o “trabalho não é uma mercadoria”. Não sendo uma mercadoria, o preço do trabalho (o salário) não pode ficar ao sabor das flutuações do mercado.
Consequentemente, para garantir um “valor justo” para a mão-de-obra é imprescindível: a) estipular por lei um valor mínimo para o salário; b) proibir reduções salariais durante recessões econômicas; c) fomentar a atividade sindical, pois apenas os sindicatos poderiam proteger os trabalhadores e impor um valor salarial justo para a mão-de-obra.
Poucos se atrevem a questionar essa “verdade”, a qual parece ser tão evidente que está praticamente arraigada em nossos profundos sentimentos humanos.
Ademais, a própria história da civilização é a luta do homem contra essa tão odiosa instituição que foi a escravidão, na qual vários seres humanos eram comprados, utilizados e vendidos como se fossem animais. Esse nosso lamentável histórico ajuda ainda mais a propagar a ideia de que o trabalho humano não pode ser tratado como uma mercadoria.
Mas é uma mercadoria
No entanto, apesar das considerações anteriores, a realidade é que os serviços efetuados pelo trabalho humano (e não nos referimos à pessoa humana em si mesma, a qual é indiscutivelmente inalienável) estão submetidos às mesmas leis econômicas que valem para todas as outras mercadorias e fatores de produção.
E as leis econômicas afetam de forma inexorável a todos os agentes que intervêm no mercado, independentemente de qual seja o sentimento popular em relação às mesmas.
Em concreto, são duas as leis econômicas mais importantes relacionadas ao fator trabalho: a lei “da oferta e da demanda”, e a lei que diz que “o salário será determinado pelo valor presente da esperada produtividade marginal futura do trabalho”.
1ª Lei: Oferta e demanda
A primeira lei é básica, lógica e perfeitamente compreensível para qualquer leigo inteligente.
Ela afirma que um aumento da demanda por determinados serviços efetuados pelo trabalho humano tende a aumentar o preço destes serviços — isto é, os salários.
Quanto mais demandada for uma mão-de-obra, maior o preço (salário) que os patrões estarão dispostos a pagar por ela.
Igualmente, um aumento da oferta desta mão-de-obra — isto é, um aumento da quantidade de pessoas dispostas a trabalhar no mesmo setor — gerará o efeito oposto: fará reduzir seu preço.
2ª Lei: Paga-se hoje pela produção daquilo que só será vendido no futuro
A segunda lei é de grande transcendência. Ela diz que o trabalhador recebe hoje o valor integral daquilo que ele produz e que só será vendido no futuro. Consequentemente, há um inevitável desconto no valor, pois o valor futuro de algo é trazido ao seu valor presente.
Sempre que o valor futuro de algo é trazido ao seu valor presente, o valor presente é menor. São os juros intertemporais.
Logo, o valor do salário é calculado no momento em que ele produz o trabalho e não quando todo o processo de produção é completado.
Isso é muito importante quando se considera que os processos produtivos modernos duram um período de tempo muito prolongado. A experiência prática mostra que são muito poucos os trabalhadores que estão dispostos a esperar todo esse tempo para receber o valor integral do produto final elaborado com seu trabalho, o qual só depois de muito tempo estará pronto para ser vendido no mercado.
Os trabalhadores que os empreendedores e capitalistas empregam hoje não precisam esperar até que os bens sejam produzidos e realmente vendidos para receberem seus salários. Os capitalistas e empreendedores adiantam um bem presente (salário) aos trabalhadores em troca de receber — somente quando o processo de produção estiver finalizado — um bem futuro (o retorno do investimento). Existe necessariamente uma diferença de valor entre o bem presente do qual os capitalistas e empreendedores abrem mão (seu capital investido na forma de salários e maquinário) e o bem futuro que eles receberão (se é que receberão).
(Com efeito, esta lei evidenciou, há mais de um século, quão absurda é a teoria marxista da exploração: pagar ao trabalhador “hoje” o valor integral daquilo que só estará completado em um distante “amanhã” significa pagar a este trabalhador um valor substantivamente maior do que ele próprio produziu hoje).
Esta segunda lei é de fácil demonstração prática: se aos trabalhadores fosse paga uma quantidade inferior ao valor presente descontado de sua produtividade marginal esperada, os lucros do empresário aumentariam caso ele contratasse mais trabalhadores. Só que contratar mais trabalhadores significa aumentar a demanda por mão-de-obra, o que gera uma tendência de elevação dos salários.
O contrário acontece no caso em que o salário é maior que a produtividade: o empresário terá menos lucros e, consequentemente, irá demitir ou deixar de contratar trabalhadores até que a produtividade aumente ou os salários diminuam. (Porém, se houver leis trabalhistas rígidas que proíbam reduções salariais ou encareçam demissões, este reajuste será forçosamente feito pelo mercado, e o desemprego passará a ser alto e perdurará indefinidamente).
Como aumentar os salários
Destas duas leis anteriores é possível deduzir que existe um fenômeno, e somente um fenômeno, capaz de aumentar os salários de todos os diferentes tipos de trabalho e, por conseguinte, o padrão de vida das pessoas: a acumulação de capital.
Quanto maior a quantidade de bens de capital utilizados por um trabalhador, maior será sua produtividade.
Se, por exemplo, um operário norte-americano ganha quatro vezes mais que o espanhol ou cem vezes mais que o indiano, isso não se deve ao fato de ele ser mais trabalhador ou mesmo mais capacitado. A explicação é muito mais simples: o norte-americano utiliza quatro ou cem vezes mais capital investido pelo mercado (máquinas, ferramentas, instalações industriais, meios de transporte etc.) que seu colega espanhol ou indiano, respectivamente.
O capital investido é o que aumenta a produtividade, os salários e, consequentemente, o padrão de vida de uma sociedade. A acumulação de capital, ao tornar o trabalho humano mais eficiente e produtivo, é o que permite aumentos salariais para todos. Trabalhar menos e produzir mais é o resultado direto da acumulação e do uso do capital.
Consequentemente, aqueles sistemas econômicos que mais favorecem a poupança (é a poupança o que permite os investimentos que criam bens de capital) e a acumulação de capital são os mais benéficos para as massas. Acima de tudo, são os mais cruciais a serem colocados em prática nos países mais subdesenvolvidos.
Consequências de se ignorar as leis econômicas
Assim como a lei da gravidade continua plenamente em vigor ainda que você a considere “inaceitável” pelo fato de matar pessoas que caem de cabeça no chão, o mesmo ocorre com as leis da economia. Não há demagogia política ou sindical capaz de revogá-las.
Leis estipulando um salário mínimo, leis que proíbem reduções salariais e encargos sociais e trabalhistas que encarecem o custo final da mão-de-obra podem até servir para tranquilizar os espíritos socialmente mais “sensíveis”, mas ainda assim condenarão ao desemprego e ao desespero todos aqueles trabalhadores que, por produzirem um valor inferior ao custo total de sua mão-de-obra estipulado pelo governo, não conseguirão emprego.
Se o mercado de trabalho é engessado por regulações trabalhistas e tributos sobre a folha de pagamento — os quais encarecem sobremaneira o preço do trabalho legal —, o governo está simplesmente fazendo com que empreender e gerar empregos legalmente seja proibitivo em termos de custos. Consequentemente, a mão-de-obra de qualidade mais baixa terá dificuldades para encontrar empregos formais, pois não é produtiva ao ponto de gerar mais receitas do que custos para seus empregadores. Seu poder de barganha será nulo, não haverá disputa por sua mão-de-obra e seus salários serão permanentemente baixos.
Quanto mais regulada e burocratizada a economia, e quanto maiores os encargos tributários sobre a folha de pagamento, menores as disponibilidades de emprego, menor o poder de barganha dos trabalhadores, menores os salários, maior a insatisfação, e maiores as chances de abuso.
Efeito semelhante sobre o desemprego tem as políticas sindicais que impõem aumentos de salários por meios coercitivos (como greves). O resultado sempre é o mesmo: alguns poucos trabalhadores, aqueles que conseguiram manter seus postos de trabalho, saem favorecidos à custa de todos aqueles outros que acabam sendo empurrados para a informalidade ou que ficam no desemprego.
A falta de solidariedade entre os próprios trabalhadores não poderia ser mais patente do que neste caso: aqueles trabalhadores privilegiados conservam seus postos de trabalho sob condições que não ocorreriam em um livre mercado, e à custa de todos os outros milhões de desempregados que gostariam de trabalhar mas que não conseguem empregos porque sindicatos e leis trabalhistas estipularam um custo mínimo extremamente alto.
Também chama a atenção o fato de que muitos governos são obstinados em dilapidar o capital existente no país por meio de impostos confiscatórios (tanto da renda quanto do patrimônio), os quais são impingidos com o intuito de “redistribuir renda”, mas que logram apenas empobrecer as massas, pois, ao reduzirem a acumulação de capital disponível por trabalhador, causam uma redução generalizada dos salários reais. Impossível aumentar salários ou mesmo pagar bons salários se os impostos confiscam os lucros e impedem empresas de aumentar seus bens de capital.
O lado bom de tudo
Por fim, é crucial ressaltar que é realmente uma maravilha o fato de o trabalho estar submetido às leis objetivas e impessoais do mercado: uma distribuição da renda salarial que fosse baseada em outros critérios diferentes dos do mercado seria inevitavelmente arbitrária, subjetiva e sujeita aos caprichos de um ditador econômico.
Consequentemente, é fácil constatar que não há melhor defesa para os direitos das minorais marginalizadas por sua religião, raça, opção sexual etc. que a possibilidade de poderem vender livremente no mercado produtos altamente úteis aos consumidores — os quais, por necessitarem deles, não se importam com a religião, raça ou opção sexual de quem participou de sua eficiente produção.
Por tudo isso, da próxima vez que o leitor escutar a informação de que “o trabalho não é uma mercadoria”, lembre-se de que é inútil e prejudicial para as próprias massas trabalhadoras ignorar e lutar contra as leis da economia. E que, no dia em que o trabalho deixar de ser uma mercadoria do ponto de vista econômica, cada trabalhador terá perdido sua liberdade e estará sujeito às decisões puramente subjetivas e arbitrárias do ditador econômico do momento (tenha sido ele democraticamente eleito ou não).
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Por Jesús Huerta de Soto
Publicado originalmente em: cutt.ly/AXwGr0W