Para governos obterem o óleo de Putin a preços baixos é preciso ajuda de empresas de fachada que lucram com armas, drogas, minérios e seres humanos. E ninguém liga
Ditaduras, fragilidades legais, acordos com multinacionais logísticas, instituições financeiras que funcionam como lavanderias, organizações criminosas, terroristas, meros traficantes e generosas doses de subornos. Essa teia faz com que drogas, armas, pedras preciosas, escravos e migrante ilegais circulem por quaisquer fronteiras com diferentes graus de desenvoltura. Diz a regra que por onde passa um papelote de droga cabe de tudo. Até milhões de barris de petróleo extraídos diariamente da Rússia. Basta ter como pagar.
Por isso, os embargos contra o governo Putin pela invasão da Ucrânia pouco têm adiantado. Petroleiros registrados em países ocidentais levam óleo extraído da Rússia para qualquer lugar sem ferir lei ou norma internacional alguma. É o que mostrou no início de março uma reportagem da CNN, na qual navios com bandeiras da Libéria, Panamá, Chipre e Malta a serviço de empresas de Dubai e Hong Kong transportam petróleo para Índia e China, principalmente, onde são vendidos por valores abaixo do mercado e ainda assim gerando lucros de bilhões de dólares. Para evitar o rastreio das embarcações é adotado o golpe mais simples. Sem justificativas, os comandantes apenas desligam o sinal de localização via satélite, criando risco à segurança da navegação. É como se um avião comercial desligasse o transponder.
À CNN, um executivo sênior de uma empresa de comércio de petróleo afirmou se tratar de “arte das trevas”. Ainda que as autoridades ocidentais em tese não saibam quem opera essa frota de 600 navios-tanques muitas vezes velhos e sucateados para serem cobertos por seguros, o mecanismo é bem conhecido.
Guarda Revolucionária
Durante a Guerra Fria, a CIA organizou empresas de fachada para ajudar aliados, como no caso Irã-Contras, quando armas vendidas para o regime dos aiatolás inimigos de Washington financiaram a guerrilha dos Contra, inimigos do regime sandinista da Nicarágua. Os americanos também abriram empresas de fachada na América Latina, África e Ásia – onde controlou até uma companhia de aviação, a Air America. Durante o regime do Apartheid, sul-africanos se valeram de expedientes similares para interferir em todos os países vizinhos.
Se a CIA conseguiu, os outros também. Considerado grupo terrorista, a Guarda Revolucionária iraniana deixou há muito de ser um bando de fanáticos xiitas para gerenciar companhias marítimas proprietárias de galpões isentos de fiscalização em portos da África Ocidental e Ásia. Tudo em troca de petróleo mais barato entregue por companhias de navegação sob seu controle. Além do dinheiro, importam equipamentos e insumos, transacionando divisas invisíveis que ajudam a manter regimes autoritários. Antes disso, cubanos se infiltraram entre os anticastristas da Flórida para espionar e surrupiar recursos a serem usados para tentar derrubar os comunistas da ilha (se metade do que é mostrado em “Rede de Espiões” for verídico). Chineses de Hong Kong, árabes do Golfo, sauditas, indianos, russos e singapuranos também estão nessa, contribuindo com algum verniz legal e lavando dinheiro que muitas vezes passa por Hezbollah, Al Qaeda e, hoje em menor escala, Estado Islâmico. Na África, grupos como o Boko Haram quando não escravizam mulheres e destroem escolas, alimentam um ciclo desvirtuado, pois controlam parte da rede de tráfico humano utilizada por quem deseja escapar de sua violência. O resultado final é a constante crise humanitária, com barcos atulhados de fugitivos no Mediterrâneo e Atlântico. Ninguém está ali viajando de graça.
Consultora de risco especializada em comércio ilícito, Vanessa Neumann investigou a fundo essas redes. O resultado parcial está em seu livro “Lucros de Sangue”. Ela relata como o petróleo embargado da Venezuela acaba vendido legalmente para terceiros como se viesse do Oriente Médio. Do mesmo jeito, essas redes passam drogas colombianas e armas do mundo inteiro contrabandeadas pelo Hezbollah a partir da Zona de Maicao, entre Colômbia e Venezuela, e da Tríplice Fronteira, entre Brasil, Argentina e Paraguai. O resultado visível para os brasileiros são as facções criminosas e as milícias que dominam favelas e subúrbios do Rio. Na Argentina, quadrilhas começam a tomar Rosário, às margens do Rio Paraná, por onde passam milhões de dólares em produtos contrabandeados, de cigarros falsificados a defensivos agrícolas falsificados, além de drogas.
Coltan
Os tentáculos dessas operações batem até na nem tão isolada Coreia do Norte. De que outra forma, líderes de grupos terroristas africanos teriam canhões (de modelo chinês, mas made in North Korea) para bombardear a cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo, em abril de 2014? Como relatou o então general brasileiro a serviço das Forças de Paz da ONU, Alberto Santos Cruz – hoje na reserva -, aquele arsenal era financiado pela extração de minérios, em especial coltan – de onde são extraídos nióbio e tântalo, empregados em aparelhos eletrônicos e supercondutores, respectivamente. Compradores não faltam.
Se essa lógica vale para tantos grupos ilegais, o petróleo russo também circula sem grandes riscos pelos mares, ainda que em embarcações velhas e nada discretas, mas que ajudam a sustentar o regime de Putin. A China aumentou as importações de petróleo russo em 20%, atingindo 1,9 milhão de barris por dia, informa a Agência Internacional de Energia (AIE). Já a Índia ampliou suas compras em 800%, batendo 900 mil barris por dia. A agência de classificação de risco Fitch estima que logo as importações diárias atinjam 20% das importações indianas.
Para piorar, há sólidas suspeitas que democracias europeias estão metidas neste jogo sujo do petróleo. Cinicamente embargam os russos, mas comprariam esse mesmo insumo via Índia pagando mais barato. E há razões para tanto desde que surgiram indícios que o acidente que paralisou o gasoduto marítimo Nord Stream, que fornecia energia para os países da Europa, foi sabotado pela marinha americana, conforme revelou o jornalista Seymour Hersh. E por quais razões? Apenas business e geopolítica.
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