A disparada do preço do arroz no mercado interno brasileiro foi provocada por fatores independentes e complementares: crescimento da demanda externa, câmbio em alta e aumento do consumo interno. Não foi por reflexo do coronavírus que o arroz teve reajuste de 19,25% de janeiro a agosto deste ano, com picos em que o saco de cinco quilos chegou a R$ 40. Ainda que agora pontual, esse quadro começou a se formar há cerca de dez anos – e ninguém se preocupou. Especialistas ouvidos por MONEY REPORT apontam as principais mudanças que criaram um gargalo que se faz sentir agora, em um momento de fragilidade da economia global. Confira:
Redução da área plantada
Desde 2011 a área de cultivo do arroz vem caindo a cada ano, mostram dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão do Ministério da Agricultura. O plantio deste ano ocupa 1,6 milhão de hectares, 40,9% menos do que em 2011, quando era de 2,8 milhões. “De 2013 para cá, houve queda de 20% no consumo interno do arroz. Só nos últimos dois anos a redução foi de 14%”, afirma Lucilio Rogério Alves, professor e pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. “Em 1990, o brasileiro consumia 52 quilos de arroz por ano. Hoje, são 34 quilos”, acrescenta o analista Carlos Cogo, da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio.
A queda na demanda fez parte dos produtores trocarem de cultura. Muitos partiram para a soja. “Era área demais para o consumo interno”, reforça Cogo. Com isso, a produção caiu, seguindo as regras de mercado. De acordo com a Conab, a safra atual ficará na casa de 11,1 milhão de toneladas, queda de 17,8% na comparação com 2010/11, quando foram colhidas 13,6 milhões de toneladas. “O cenário só não é pior porque tivemos ganhos de produtividade por causa de novas tecnologias”, ressalta o professor Alves, da Esalq. Ele acrescenta ainda que, em oito dos últimos 11 anos, o produtor de arroz sequer recuperou o que investiu na safra.
Fim dos estoques reguladores
O mercado do arroz também sofreu com mudanças no gerenciamento de estoques. Desde a metade da década de 2010, praticamente não há estoque público, também chamado de estoque regulador. O governo federal optou por não manter mais esse tipo de armazenamento, passando a utilizar outros mecanismos para regular o mercado, como isentar a tarifa de importação. Até aí, tudo bem. Em 2001, por exemplo, o estoque público de arroz estava na casa de 2 milhões de toneladas, o equivalente a cinco vezes as 400 mil toneladas que o governo pretende importar agora ao zerar a taxa de importação para estabilizar o preço do produto. Em 2013, o estoque estava em 1 milhão de toneladas. A partir de então, começou uma redução que hoje está praticamente em zerado – são 21 mil toneladas estocadas, segundo a Conab.
O que existe hoje é o chamado estoque de passagem, mantido basicamente pela iniciativa privada e que também vem diminuindo. A quantia existente cobre duas ou três semanas de consumo. Entre 2000 e 2012, esse estoque dava para nove semanas e meia. “A formação de estoque hoje serve para reduzir a flutuação da renda dos produtores”, explica Felippe Serigati, coordenador do mestrado em Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Quebras de safra na Ásia
Com a pandemia, as pessoas ficaram em casa e passaram a ir mais ao supermercado, pressionando a demanda de produtos básicos, como o arroz, o feijão, o leite longa vida. Esse cenário se intensificou com o auxílio emergencial, que elevou a capacidade de consumo das famílias de baixa renda. Na outra ponta, o dólar em agosto deste ano estava cerca de 35% mais valorizado do que no mesmo mês do ano passado. Até aí, novamente tudo bem, não fossem as quebras de grandes produtores. “O mercado internacional teve menor oferta devido ao problema na safra importantes no leste asiático”, destaca Serigati, da FGV. “O preço do arroz em dólar também aumentou”, acrescente Cogo. Assim, os países importadores de arroz viram oportunidade de bons negócios no Brasil, já que o dólar alto fazia o produto brasileiro ter preço competitivo internacionalmente. Entre janeiro e agosto, as exportações de arroz subiram 57,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. “O produtor vende para quem paga o melhor preço, e o porto estava melhor que o interior”, resume Cogo. Estava formada a tempestade perfeita para o preço do arroz disparar no mercado interno depois de dez anos de redução de área plantada e de pelo menos cinco sem estoque regulador adequado. De acordo com o Indicador do Arroz em Casca Esalq, o valor da saca de 50 quilos saltou de R$ 61,88 para R$ 104,58 em apenas 60 dias, conforme o gráfico abaixo.
O que falta esclarecer é a razão para que nenhum alarme tenha disparado quando o preço começou a subir acentuadamente em um curto espaço de tempo. Como os contratos de exportação não são fechados do dia para a noite, esse movimento de exportação também seria perfeitamente detectável. O mecanismo para zerar tarifas de importação diante de problemas de escassez já estava planejado pelo Ministério da Agricultura, mas só foi acionado quando o clima de crise inflacionária já estava instaurado, prejudicando desnecessariamente o governo e, muito mais, o bolso dos cidadãos.