O ministro da Economia, Paulo Guedes, esteve ontem pela manhã na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara Federal, que o questionou sobre sua offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. O ministro defendeu a legalidade deste investimento (de fato, não há nada contra a lei) e deu suas justificativas para ter imobilizado recursos em um paraíso fiscal. “Por razões sucessórias, se comprar ações de empresas, se tiver uma conta em nome da pessoa física, se você falecer, 46%, 47% são expropriados pelo governo americano. Tendo uma conta em pessoa física, todo seu trabalho de vida, ao invés de deixar para herdeiros, vira imposto sobre herança. Então o melhor é usar offshore, que está fora do continente”, disse.
O que Guedes declarou faz sentido e ele fez o mesmo caminho que milhares de brasileiros já trilharam. A offshore é uma forma de dolarizar o patrimônio sem ser abocanhado violentamente pelo fisco norte-americano. Até aí, tudo bem. Não há nada ilícito nesta operação, que está inclusive declarada no imposto de renda.
Qual é o problema, então?
Como ministro da Economia, Paulo Guedes é chefe da Secretaria da Receita Federal. Ou seja, ele é o defensor-mor da arrecadação de tributos no Brasil. Portanto, não é desejável que venha a público defender um instrumento para pagar menos impostos – mesmo que esses tributos tenham de ser pagos no exterior.
O sincericídio é uma prática que acompanha Paulo Guedes há tempos e é praticado em frente aos jornalistas desde antes da posse de Jair Bolsonaro – todos se lembram quando ele foi indelicado com uma correspondente do jornal argentino “Clarín” sobre o Mercosul. Visivelmente irritado, o então futuro ministro disparou após uma pergunta sobre seus planos para o mercado comum latino-americano:
– O Mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você quer ouvir? Queria ouvir isso? Você tá vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, né? Porque a gente fala a verdade, a gente não tá preocupado em te agradar.
Quando o dólar alto entrou na pauta dos repórteres, o ministro novamente deixou muitos brasileiros perplexos ao defender a cotação da moeda americana. Pois, com o dólar baixo, “todo mundo” estava indo para a Disney, nos Estados Unidos, inclusive “empregada doméstica”. Foi o suficiente para criar novo mal-estar.
Alguns dias depois deste episódio, ele deu declarações que desagradaram os servidores públicos. “O governo está quebrado. Gasta 90% da receita toda com salário e é obrigado a dar aumento de salário. O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo, o hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita, o dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático, não dá mais”, disparou. Evidentemente, nem todos os servidores públicos podem ser comparados a parasitas – e a generalização causou revolta na estrutura do Estado.
Não se pode esquecer as declarações do ministro sobre o Fies, o programa de financiamento universitário para jovens de baixa renda. “Teve uma bolsa do governo, o Fies, uma bolsa pra todo mundo. […] O porteiro do meu prédio virou pra mim e falou: ‘Eu tô muito preocupado’. Eu disse: ‘O que houve?’ Ele disse: ‘Meu filho passou na universidade’. Eu: ‘Ué, mas você não tá feliz por quê? Ele: ‘[Meu filho] tirou zero na prova. Tirou zero em todas as provas. Recebi um negócio financiado escrito ‘parabéns seu filho tirou…’ Aí tinha um espaço pra preencher… e lá zero. Seu filho tirou zero e acaba de se ingressar na nossa escola. Estamos muito felizes”.
O ministro tem razão em criticar a entrada de alguém que zerou no vestibular em uma universidade. Mas, como se tratava do filho de seu porteiro, passou uma imagem de arrogância e de elitismo, repetindo o mesmo tom utilizado na frase sobre as domésticas e a Disney.
Por fim, (ufa!), a estiagem criou dificuldades para o sistema elétrico brasileiro e foi definido que as termoelétricas seriam ligadas, o que encareceria as contas de luz. Perguntado sobre isso, Guedes deu a seguinte resposta: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”.
Tivemos alguns ministros mal-humorados, como Ernane Galvêas, titular da Fazenda no governo Figueiredo (este, por sinal, fez desviar um voo internacional da Europa para Brasília, para evitar que a autoridade tivesse de fazer uma conexão, prejudicando os demais passageiros). Outros, boquirrotos, como Rubens Ricúpero, sucessor de Fernando Henrique Cardoso no comando da economia brasileira. Antes de começar uma entrevista para a TV Globo, ele (sem que tivesse havido nenhuma pergunta) lascou o seguinte: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde”. Ricupero, porém, não teve vida longa no governo Itamar Franco e foi rapidamente substituído por Ciro Gomes, hoje candidato à presidência.
A combinação de mal-humorado com sincericida, que tem em Paulo Guedes sua síntese perfeita, é única. Muitos reclamam da incontinência verbal do presidente Jair Bolsonaro, que acalma o mercado financeiro toda vez que fica mais quieto. Mas o ministro Guedes não fica muito atrás na falta de sensibilidade ao escolher as palavras usadas em palestras ou entrevistas coletivas.
Isso ocorre com tanta frequência que nos faz imaginar se tamanha verborragia seja proposital – uma forma um tanto atabalhoada de desviar a atenção da imprensa dos verdadeiros problemas da economia. Sincericídio ou diversionismo? O que será que motiva o ministro? Um bom tema para se fazer uma enquete.