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Perguntas incômodas e apontar falácias: o melhor serviço que economistas podem efetuar

Nenhum outro serviço é tão crucial quanto este

Meu caso de amor pela economia começou há 42 anos, na pequena cidade de Thibodaux, no estado da Louisiana, em uma sala de aula na Nicholls State University. À época, eu era um calouro de 18 anos de idade com apenas quatro paixões: garotas, futebol, cerveja e os Beatles.

Mas essa realidade foi alterada dramaticamente.

Nos EUA, o inverno de dezembro de 1976 e janeiro de 1977 foi intensamente gelado. Em janeiro, minha cidade natal, Nova Orleans, teve temperaturas próximas a -10ºC. Com efeito, o inverno foi tão inclemente, que chegou a nevar até mesmo em Miami!

Em uma gelada e escura manhã de janeiro, enquanto fazia minha jornada para a faculdade, ouvi no rádio que um casal de idosos na cidade de Búfalo, no estado de Nova York, foi encontrado morto em sua casa. Eles haviam literalmente morrido de frio. Foram encontrados congelados em seus aposentos. Motivo: a calefação de sua casa estava inoperante por causa da escassez nacional de gás natural. Todo o país passava por um intenso racionamento de petróleo e gás naquele período.

No primeiro semestre de 1977, matriculei-me em uma matéria de economia. Minha motivação era dupla: eu precisava de créditos e não havia aulas nas terças e quintas. Naqueles dias da semana em que não haveria aula, eu poderia continuar trabalhando no estaleiro em que já trabalhava parcialmente, e onde eu pretendia rapidamente ser efetivado como empregado em tempo integral. Meu objetivo era apenas esse: trabalhar em tempo integral naquele estaleiro. Eu estava na faculdade apenas para satisfazer minha mãe, que queria que eu frequentasse a universidade por pelo menos um ano.

Quando me matriculei no curso de economia, ministrado pela doutora Michelle François, eu não fazia a mais mínima ideia do que era economia e o que ela estudava. Tampouco eu me importava. Eu tinha uma namorada firme, dinheiro suficiente para comprar suprimentos regulares de Budweiser, e uma coleção de todos os discos dos Beatles. A vida estava ótima.

Porém, um certo dia no início do semestre, a doutora François desenhou um gráfico de oferta e demanda no quadro-negro. “Vejam o que acontece quando o governo impõe um controle de preços, estipulando um teto para os preços”. Ela apontou para o gráfico. “A quantidade demandada excede a quantidade ofertada. Surge uma escassez”. Virando-se para os alunos, a doutora François prosseguiu: “Todos vocês se lembram do racionamento de gasolina em 1973. Eis aqui a explicação. E o governo atual está praticando controle de preços em todo o mercado de energia, gerando as mesmas consequências: uma escassez na oferta de gasolina e gás natural”.

Uau! Simplesmente uau! Lembro-me vividamente de como fiquei mesmerizado olhando para aquele gráfico de oferta e demanda no quadro, completamente fascinado. Pela primeira vez em minha vida, estava vivenciando a excitação de uma descoberta intelectual. Ali estava uma explicação convincente e irrefutável do motivo daquele casal em Búfalo ter morrido congelado. Ali estava também uma explicação convincente de por que, tão logo consegui minha licença de motorista em 1973, havia uma escassez nacional de gasolina, com longas e intermináveis filas nos postos, o que me impediu de dirigir muito naquele ano.

Não apenas o curso da doutora François me convenceu a fazer economia e concluir a faculdade, como também me inspirou a sonhar a conseguir um Ph.D. em economia. A ciência econômica é uma coisa poderosa!

Substituindo explicações populistas por explicações poderosas

O que me atraiu para a economia naquela época é aquilo que, até hoje, considero ser o maior serviço público que um economista sólido pode efetuar: derrubar mitos populares por meio de uma lógica direta e irrefutável.

Em 1973, eu tinha 15 anos de idade, e ouvi duas explicações para a escassez de gasolina. Uma era a de que o petróleo estava acabando (afinal, já estávamos utilizando o produto há um século). A outra era a de que a Exxon e outras petrolíferas haviam repentinamente se tornado gananciosas e decidiram manter seus navios-tanque ancorados em alto-mar com o objetivo de aumentar os preços da gasolina para os consumidores.

Sendo ingênuo e sem saber de nada, cada uma dessas duas explicações parecia sensata para mim.

Porém, já em meu primeiro curso de economia, aprendi que as explicações populares em que eu sempre havia acreditado eram falaciosas. “Não tivemos escassez de energia na década de 1960”, me disse a doutora François uma tarde em sua sala. “Vai me dizer que as petrolíferas eram menos gananciosas 10 anos atrás do que são hoje? É claro que não. E, se é verdade que o petróleo está acabando, então eis aí um forte motivo para o governo deixar o preço subir, pois este aumento de preço dará a essas gananciosas petrolíferas fortes incentivos para extrair mais petróleo.”

E a doutora concluiu: “Eu prometo a você: se esses controles de preços forem abolidos, essa escassez de energia acaba imediatamente”.

Desnecessário dizer que foi exatamente isso o que ocorreu. Desde o início da década de 1980, nunca mais houve controle de preços nos EUA e, consequentemente, nunca mais houve nem racionamento e nem temores de “fim do petróleo”.

A história comprovou que ela estava correta. E a história também comprovou o poder da lógica econômica em destruir incontáveis outros mitos populares.

Lógica direcionada

Pensar como um bom economista não é apenas ser eternamente cético quanto a explicações populares para fenômenos econômicos; é também ser destemido em examinar a realidade de maneiras que podem parecer bizarras aos não-economistas.

Meu exemplo favorito de uma abordagem aparentemente bizarra, mas extremamente reveladora da realidade foi a observação feita pelo meu saudoso colega Gordon Tullock: ele disse que se o governo realmente quisesse reduzir para zero os acidentes fatais nas rodovias, tudo o que ele deveria fazer era criar uma lei impondo que houvesse uma adaga extremamente afiada e pontiaguda saindo da coluna direção de cada automóvel e apontando diretamente para o coração do motorista.

Dado que qualquer impacto — ou mesmo uma simples freada mais forte — faria com que essa adaga perfurasse o peito do motorista, ninguém correria e ninguém seria imprudente.

Brilhantismo puro.

Ao ouvir essa “sugestão” de Gordon, é óbvio que o cidadão comum imediatamente reagiria com espanto. “O quê?! Ficou maluco?!”. No entanto, tal reação rapidamente daria lugar à constatação de que Gordon está incontestavelmente correto. Nenhuma formação econômica é necessária para entender como as pessoas responderiam a este incentivo.

Tão logo a pessoa entende essa constatação, ela facilmente se torna capaz de entender sua verdadeira e prática importância: a realidade é muito mais complexa do que parece à primeira vista. Se, por exemplo, o governo estipular que automóveis devem ser mais seguros, as pessoas tenderão a dirigir com menos cuidado. Consequentemente, a redução nos acidentes fatais nas rodovias será desapontadoramente baixa — se de fato houver alguma redução.

Por si só, essa constatação não é suficiente para provar que melhorias na segurança impostas pelo governo são injustificadas. Porém, é suficiente para nos alertar que jamais devemos aceitar determinadas políticas com base em nossas primeiras impressões. Aquilo que parece ser bonito e correto nem sempre será positivo ou trará boas consequências.

Fazer este alerta de modo incessante, por mais simples e óbvio que pareça, é o serviço mais crucialmente importante que economistas podem fazer para a população.

A arte de fazer perguntas incômodas

Na mesma linha, fazer perguntas que normalmente ninguém mais faria é a principal função de um economista — e não prever qual será a taxa de inflação do ano que vem, ou criar um sistema tributário “mais justo e eficiente”, ou mesmo estimar o PIB. Tais atividades empalidecem perante a simples tarefa de estar constantemente fazendo perguntas mais profundas.

Por exemplo, um político promete criar mais empregos por meio de mais obras de infraestrutura. Parece bonito. Mas perguntemos: de onde virão os insumos — aço, concreto, cimento, vergalhões, escavadeiras, máquinas de terraplanagem — para mais infraestrutura?

Obviamente, serão retirados de outras áreas da economia. Ao se apropriar destes insumos, o governo faz com que todos os outros setores da economia tenham agora de pagar mais caro para conseguir a mesma quantidade de aço, cimento, vergalhões etc. Como consequência, todos os bens que utilizam esses itens em sua construção — como imóveis e carros — ficarão mais caros. E vários outros empreendimentos serão inviabilizados.

Assim sendo, a pergunta é: o que será sacrificado para que se possa construir essa infraestrutura? O valor dessa nova infraestrutura será maior que o valor de tudo aquilo que deixou de ser feito? Como você sabe?

E mais: será que realmente serão criados mais empregos? É claro que mais pessoas irão trabalhar nos projetos de infraestrutura, mas de onde virá o dinheiro para financiar esses projetos? Não seria lógico dizer que quando o governo gasta mais em infraestrutura, os pagadores de impostos gastam menos com imóveis, automóveis e cuidados médicos? E não seria lógico dizer que a perda de empregos nestes setores contrabalança os empregos criados nos projetos de obras públicas?

Para cada emprego criado pelo projeto, foi destruído, em algum lugar, um emprego no setor privado. Vemos os operários empregados nas obras de infraestrutura. Mas não vemos os empregos destruídos para que essas obras fossem possíveis. 

Ainda assim, políticos e eleitores vivem endossando mais gastos em infraestrutura sem sequer considerarem estas perguntas.

Ou então consideremos a questão mais ampla dos encargos sociais e trabalhistas. O governo obrigar empregadores a pagar benefícios trabalhistas para seus empregados é algo visto como totalmente benéfico para os trabalhadores. Mas, obviamente, eles são um custo para os empregadores. Logo, se o governo artificialmente aumenta o custo de se legalmente contratar trabalhadores, qual será a reação dos empregadores? Eles irão simplesmente dar de ombros e permanentemente aceitar lucros menores? Parece bastante improvável.

Irão os empregadores reduzir as contratações? Pagar salários menores? Substituir mão-de-obra humana por máquinas sempre que possível? Com certeza. Você também faria isso.

No extremo, ainda que todos os empregadores de fato aceitassem lucros menores, qual seria o efeito disso sobre os investimentos futuros, sobre a expansão das empresas e sobre novas contratações? Lucros artificialmente reduzidos aumentam ou diminuem o ímpeto de empreendedores para abrir novas empresas, iniciar novos empreendimento e expandir os negócios já existentes? E qual a conseqüência disso sobre a criação de empregos: aumenta ou diminui?

Mais ainda: será que encargos sociais e trabalhistas não fazem com que os processos de contratação sejam mais exigentes e seletivos? Não seria ao menos possível dizer que tais encargos fazem com que os menos preparados sejam expulsos do mercado? Ou então — para ficar em um tema da atualidade —, você não acha que maiores encargos fazem com que homens solteiros e saudáveis sejam preferíveis a mulheres casadas (que podem engravidar e, com isso, não trabalhar porém receber benefícios)?

Conclusão

As respostas para estas perguntas — e várias outras similares — são importantes. Porém, ainda mais importante é o hábito de inflexivelmente fazer tais perguntas.

Quando efetuada corretamente, a ciência econômica regularmente revela que aquilo que parece ser inegavelmente verdadeiro para o cidadão comum é normalmente uma miragem — ou ao menos algo altamente questionável. 

Essa é, de longe, a principal função de um economista: fazer perguntas incômodas e apontar falácias. Nenhum outro serviço feito pelos economistas é tão importante quanto este.

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Donald Boudreaux

Publicado anteriormente em: cutt.ly/knuN4XA

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