O último capítulo de As Seis Lições, de Ludwig von Mises, com tradução de Maria Luiza Borges
No Século das Luzes, nos anos em que os norte-americanos instituíram sua independência, e alguns anos mais tarde, quando as colônias espanholas e portuguesas se transformaram em nações independentes, predominava na civilização ocidental um espírito de otimismo. Nessa época, todos os filósofos e estadistas estavam plenamente convencidos de que vivíamos o alvorecer de uma nova era de prosperidade, progresso e liberdade. Alimentava-se naqueles dias a esperança de que as novas instituições políticas – os governos representativos constitucionais estabelecidos nas nações livres da Europa e da América – atuariam de forma muito benéfica, e que a liberdade econômica promoveria a permanente melhoria das condições materiais dá humanidade. Sabemos perfeitamente que algumas dessas expectativas eram demasiado otimistas. Não há dúvida de que experimentamos, nos séculos XIX e XX, um progresso sem precedentes das condições econômicas, progresso este que tornou possível a uma população muito maior viver num padrão de vida muito superior ao de épocas anteriores. Mas sabemos, também, que muitas das esperanças dos filósofos do século XVIII foram atrozmente estilhaçadas – esperanças de que não haveria mais guerras e de que as revoluções se tornariam desnecessárias. Essas esperanças não se concretizaram.
Durante o século XIX, houve um período em que as guerras diminuíram, tanto em número quanto em gravidade. Mas o século XX trouxe um ressurgimento do espírito belicoso, e temos boas razões para dizer que talvez ainda não tenhamos chegado ao fim das provações que a humanidade deverá atravessar.
O sistema constitucional introduzido em fins do século XVIII e início do XIX frustrou a humanidade. A maioria das pessoas – e dos autores – que tratou desse problema parece pensar que não houve relação entre os aspectos político e econômico do problema. Tende-se, por conseguinte, a considerar o fenômeno da deterioração do parlamentarismo – governo exercido pelos representantes do povo – como se fosse um fenômeno desvinculado da situação econômica e das concepções econômicas que determinam as atividades das pessoas.
Essa independência, no entanto, não existe. O homem não é um ser que tenha, por um lado, uma dimensão econômica e, por outro, uma dimensão política, dissociadas uma da outra. Na verdade, aquilo a que comumente se dá o nome de deterioração da liberdade, do governo constitucional e das instituições representativas, nada mais é que a consequência da mudança radical das ideias políticas e econômicas. Os eventos políticos são a consequência inevitável da mudança das políticas econômicas.
As ideias que nortearam os estadistas, filósofos e juristas que, no século XVIII e princípio do século XIX, elaboraram os fundamentos do novo sistema político, partiam do pressuposto de que, numa nação, todos os cidadãos honestos têm uma mesma meta final. Essa meta final na qual todos os homens decentes se deveriam empenhar é o bem-estar de toda a nação, assim como o das demais nações. Aqueles líderes morais e políticos estavam, portanto, firmemente convencidos de que uma nação livre não está interessada em conquista. Julgavam a luta partidária algo simplesmente natural, uma vez que lhes parecia totalmente normal a existência de diferenças de opinião no tocante à melhor maneira de se conduzirem os negócios do estado.
As pessoas que tinham ideias semelhantes acerca de um problema cooperavam, e a essa cooperação dava-se o nome de partido. Por outro lado, a estrutura partidária não era permanente: não se baseava na posição ocupada pelos indivíduos no conjunto da estrutura social e podia sofrer alterações, caso as pessoas se dessem conta de que sua posição original fundamentara-se em pressupostos errôneos, ou em ideias equivocadas. Desse ponto de vista, muitos consideravam as discussões desenroladas nas campanhas eleitorais e, posteriormente, nas assembleias legislativas, um importante fator político. Não concebiam os discursos dos membros de um congresso como meros pronunciamentos que anunciavam ao mundo as aspirações de um partido político. Viam-nos como tentativas de convencer os grupos adversários de que as ideias apresentadas pelo orador eram mais corretas, mais propícias ao bem comum que outras ideias antes apresentadas.
Discursos políticos, editoriais em jornais, folhetos e livros eram escritos no intuito de persuadir. Não havia por que acreditar ser impossível para alguém convencer a maioria da absoluta correção das próprias ideias, desde que estas fossem bem fundamentadas. Foi nessa perspectiva que as normas constitucionais foram formuladas nos órgãos legislativos do princípio do século XIX.
No entanto, partia-se do pressuposto de que o governo não iria interferir nas condições econômicas do mercado. Era preciso, também, que todos os cidadãos tivessem um único objetivo político: o bem-estar de todo o país e de toda a nação. E foi precisamente essa a filosofia social e econômica que o intervencionismo veio a suplantar, gerando uma filosofia totalmente diversa. Segundo as concepções intervencionistas, é dever do governo apoiar, subsidiar, conceder privilégios a grupos especiais. O estadista do século XVIII pensava que os legisladores tinham ideias específicas sobre o bem comum. Hoje, entretanto, constatamos, na realidade da vida política – praticamente na de todos os países do mundo onde não vigora simplesmente uma ditadura comunista – uma situação em que já não existem partidos políticos autênticos, no velho sentido clássico, mas tão somente grupos de pressão.
Um grupo de pressão é um grupo de pessoas desejoso de obter um privilégio à custa do restante da nação. Esse privilégio pode consistir numa tarifa sobre importações competitivas, pode consistir em leis que impeçam a concorrência de outros. Seja como for, confere aos membros de um grupo uma posição especial. Dá-lhes algo que é negado, ou deve ser negado – segundo os desígnios do grupo de pressão – a outros grupos.
Nos Estados Unidos, o sistema bipartidário dos velhos tempos aparentemente ainda se conserva. Mas isso é apenas uma camuflagem da situação real. Na verdade, a vida política desse país – bem como a de todos os demais – é determinada pela luta e pelas aspirações de grupos de pressão. Nos Estados Unidos, continuam a existir um Partido Republicano e um Partido Democrata, mas cada um deles abriga representantes dos mesmos grupos de pressão. Estes representantes estão mais interessados em cooperar com outros representantes do mesmo grupo, mesmo que sejam filiados ao partido adversário, que com os esforços dos próprios companheiros de partido.
Assim, por exemplo, se conversarmos nos Estados Unidos com pessoas que efetivamente conheçam as atividades do Congresso, elas nos dirão: “Tal político, tal membro do Congresso representa os interesses dos grupos ligados à prata”. Ou dirão que tal outro político representa os plantadores de trigo. Como é óbvio, cada um desses grupos de pressão constitui, necessariamente, uma minoria. Num sistema baseado na divisão do trabalho, todo grupo especial que almeja privilégios não pode deixar de ser uma minoria. E as minorias não têm qualquer possibilidade de êxito, senão pela colaboração com outras minorias congêneres, ou seja, com outros grupos de pressão semelhantes. Nas assembleias legislativas, procura-se compor uma coalizão entre vários grupos de pressão, de tal modo que possam vir a se converter em maioria. Mas, passado algum tempo, essa coalizão pode se desintegrar, uma vez que há questões que tornam impossível o acordo entre vários grupos. Novas coalizões, então, se formam.
Foi o que ocorreu na França em 1871, numa situação que se configurou, aos olhos dos historiadores, como “a queda da Terceira República”. Não se tratou, porém, de um declínio da Terceira República; houve simplesmente uma mostra de que o sistema de grupos de pressão não é algo que se possa aplicar com sucesso ao governo de uma grande nação.
Temos, nos órgãos legislativos, representantes do trigo, da carne, da prata, do petróleo, mas, antes de tudo, de diversos sindicatos. Só uma coisa não está representada no legislativo: a nação como um todo. Apenas vozes isoladas se põem ao lado do conjunto da nação. E todos os problemas, mesmo os de política exterior, são encarados do ponto de vista dos interesses especiais dos grupos de pressão.
Nos Estados Unidos, alguns dos estados de menor população estão interessados no preço da prata. Mas nem todos os habitantes desses estados têm esse interesse. Todavia, o país despendeu, por muitas décadas, considerável soma de dinheiro, à custa dos contribuintes, para comprar prata a um preço superior ao do mercado. Para mencionar mais um exemplo, só uma pequena parcela da população norte-americana dedica-se à agricultura; o restante é constituído por consumidores – não produtores – de produtos agrícolas. Não obstante, esse país tem uma política que envolve o gasto de bilhões e bilhões de dólares com a finalidade de manter os preços dos produtos agrícolas acima do preço potencial de mercado.
Não se pode dizer que esta é uma política de favorecimento de uma pequena minoria, visto que esses interesses agrícolas não são uniformes. Os que se dedicam à produção de leite não estão interessados num alto preço para os cereais; ao contrário, prefeririam que esse produto fosse mais barato. Um criador de galinhas desejaria um preço mais baixo para a ração que compra. Há muitos interesses específicos incompatíveis no interior desse grupo, por pequeno que seja. E apesar de tudo, uma hábil diplomacia cria condições que permitem a pequenos grupos obterem privilégios a expensas da maioria. Uma situação especialmente interessante nos Estados Unidos relaciona-se ao açúcar. Talvez apenas um dentre quinhentos norte-americanos esteja interessado num preço mais alto para o açúcar. Provavelmente os outros 499 querem um preço mais baixo. Contudo, a política do país empenha-se, mediante tarifas e outras medidas especiais, numa elevação do preço do açúcar. Essa política não prejudica somente os interesses dos 499 que são consumidores de açúcar: gera também um gravíssimo problema de política exterior. O objetivo da política exterior norte-americana é a cooperação com todas as demais repúblicas. Ora, algumas delas têm interesse em vender açúcar aos Estados Unidos e desejariam vendê-lo em maiores quantidades. Este exemplo ilustra como os interesses dos grupos de pressão são capazes de determinar até mesmo a política exterior de uma nação.
Ao longo de anos, em todas as partes do mundo, se tem escrito sobre democracia – sobre o governo popular representativo. Esses textos trazem queixas das deficiências do regime, mas a democracia que criticam é apenas aquela em que o intervencionismo é a política que rege o país.
Hoje, poderíamos ouvir as seguintes palavras: “No princípio do século XIX, nos parlamentos da França, Inglaterra, Estados Unidos e outras nações, faziam se pronunciamentos sobre os grandes problemas da humanidade. Lutava-se contra a tirania, pela liberdade, pela cooperação com todas as outras nações livres. Mas hoje somos mais práticos no parlamento!”. Não há dúvida de que somos mais práticos; hoje não se fala sobre liberdade; fala-se sobre a majoração do preço do amendoim. Se isso é ser prático, então é óbvio que os parlamentos mudaram consideravelmente, mas não para melhor.
Essas mudanças políticas, fruto do intervencionismo, reduziram consideravelmente o poder que têm as nações e os representantes para resistir às aspirações de ditadores e às ações de tiranos. Há representantes em órgãos legislativos exclusivamente interessados em satisfazer eleitores que desejam, por exemplo, um preço alto para o açúcar, para o leite e para a manteiga, e um preço baixo para o trigo (subsidiado pelo governo). Estes parlamentares nunca poderão representar verdadeiramente o povo: jamais lhes será possível representar a totalidade de seu eleitorado.
Os eleitores favoráveis a esses privilégios não levam em conta que há também outros eleitores, com posições totalmente divergentes, que, tendo pretensões diametralmente opostas, não permitem que seus representantes tenham um êxito absoluto.
Acresce que este sistema, além de, por um lado, trazer um constante aumento dos gastos públicos, dificulta, por outro, o estabelecimento de impostos. Esses representantes dos grupos de pressão almejam muitos privilégios especiais para seus respectivos grupos, mas não desejam onerar suas bases de sustentação política com uma carga tributária demasiado pesada. Não era ideia dos fundadores do moderno governo constitucional, no século XVIII, que um legislador devesse representar não o conjunto da nação, mas apenas os interesses específicos do distrito em que fora eleito. Essa foi, aliás, uma das consequências do intervencionismo. Segundo a concepção original, cada membro do parlamento deveria representar toda a nação. Era eleito em determinado distrito somente porque ali era bem conhecido, sendo escolhido por pessoas que nele confiavam.
Mas não se pretendia que esse representante ingressasse no governo com o objetivo de proporcionar algo especial para seu eleitorado, para reivindicar uma nova escola, um novo hospital ou um novo manicômio – causando assim considerável elevação dos gastos governamentais no seu distrito. Os grupos políticos de pressão permitem entender por que é quase impossível, a quase todos os governos, deter a inflação. Quando as autoridades eleitas procuram restringir despesas, limitar gastos, os que defendem interesses especiais – uma vez que serão beneficiários diretos de determinados itens do orçamento – apresentam-se para declarar que tal projeto específico não pode ser posto em prática, ou que tal outro deve ser implementado.
A ditadura, claro, não é solução para os problemas econômicos, como não é resposta para os problemas da liberdade. Um ditador pode começar fazendo toda a sorte de promessas, mas, ditador que é, não as cumprirá. Em vez disso, suprimirá imediatamente a liberdade de expressão, de tal modo que os jornais e os oradores no parlamento já não possam assinalar – nos dias, meses ou anos subsequentes – que no primeiro dia de sua ditadura, ele dissera algo diverso do que passou a praticar dali por diante.
A terrível ditadura que um país tão importante como a Alemanha foi obrigada a sofrer no passado recente vem-nos à mente quando consideramos o declínio da liberdade em tantos países, nos nossos dias. A triste consequência é a deterioração da liberdade e a decadência da nossa civilização, de que tanto se fala hoje em dia.
Diz-se que toda civilização acabará, finalmente, por entrar em processo de deterioração e de desintegração. Tal ideia tem eminentes defensores. Um deles foi um professor alemão, Spengler, e outro, muito mais conhecido, foi o historiador inglês Toynbee. Eles nos asseveram que nossa civilização já está velha. Spengler comparou a civilização a plantas que crescem, crescem, mas cujas vidas finalmente se encerram. O mesmo, diz ele, se aplica às civilizações. A aproximação metafórica entre uma civilização e uma planta é completamente arbitrária.
Antes de mais nada, é muito difícil distinguir no próprio âmbito da história da humanidade, civilizações diferentes, independentes. As civilizações não são independentes; são interdependentes, exercendo umas sobre as outras constante influência. Não se pode, portanto, falar de declínio de uma civilização do mesmo modo como se fala da morte de determinada planta.
Mas, mesmo refutando-se as doutrinas de Spengler e Toynbee, resta ainda uma comparação muito usual: a comparação entre civilizações em deterioração. Não há dúvida de que, no século II DC, o Império Romano gerou uma florescente civilização, a qual se constituiu na mais elevada das que se desenvolveram nas regiões da Europa, Ásia e África. Houve concomitantemente elevadíssima civilização econômica, baseada num certo grau de divisão do trabalho. Embora esta civilização econômica possa parecer extremamente primitiva quando comparada às condições atuais, ela teve características certamente notáveis. Alcançou o mais alto grau de divisão do trabalho jamais atingido até o advento do capitalismo moderno. Não é menos verdade que essa civilização se deteriorou, sobretudo no século III. E foi esta desintegração no seio de seu império que tornou impossível aos romanos resistirem à agressão externa. Embora esta agressão não fosse pior que outras muitas vezes repelidas nos séculos precedentes, os romanos já não tiveram condições de lhe opor resistência, desgastados que estavam pelo que se passara no interior do seu império.
Que acontecera? Qual teria sido o problema? Qual poderia ter sido a causa de desintegração de um império que, sob todos os aspectos, construíra uma civilização sem outra que se lhe igualasse até o século XVIII? A verdade é que essa civilização foi destruída por algo semelhante, quase idêntico, aos perigos que rondam hoje a nossa civilização: por um lado houve intervencionismo; por outro, inflação. O intervencionismo no Império Romano consistia no fato de que, seguindo o modelo político dos seus predecessores gregos, os romanos impunham o controle dos preços. Era um controle brando, praticamente sem consequências, porque, durante séculos, não se procurou reduzir os preços a um nível abaixo de seu nível de mercado.
Quando a inflação teve início, no século III, os romanos ainda não dispunham dos nossos recursos técnicos para promovê-la – não tinham como imprimir dinheiro. Lançavam mão do método que consistia em enfraquecer o teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas, sem dúvida um sistema de Inflacionar muito menos eficaz que o atual, que pode, através de modernas máquinas impressoras, destruir com tanta facilidade o valor do dinheiro. Mas seu antigo método era eficiente o bastante para surtir o mesmo efeito, ou seja, para exercer o controle de preços. Deste modo, os preços que as autoridades toleravam passaram a estar abaixo do preço potencial a que a inflação elevara as várias mercadorias.
O resultado, obviamente, foi que a oferta de produtos alimentícios nas cidades reduziu-se. As populações urbanas foram obrigadas a retornar ao campo e às atividades agrícolas. Os romanos nunca se deram conta do que estava ocorrendo. Não compreenderam. Não tinham desenvolvido instrumentos mentais que lhes permitissem interpretar os problemas da divisão do trabalho e as consequências da inflação no mercado de preços. Tinham, no entanto, clareza suficiente para reconhecer o quanto era nefasta aquela inflação e deterioração da moeda corrente.
Os imperadores, então, baixaram leis que proibiam o deslocamento dos habitantes da cidade para o campo, mas tais leis não tiveram efeito. Aliás, não havia lei capaz de impedir que as pessoas que passavam fome, pois nada tinham para comer, abandonassem a cidade e retornassem à agricultura. O habitante da cidade já não podia trabalhar nas indústrias urbanas de processamento como artesão. Os prejuízos dos mercados nas cidades eram tais que já se tornara impossível comprar qualquer mercadoria.
Assim, do século III em diante, as cidades do Império Romano entraram em decadência, e a divisão do trabalho tornou-se muito mais precária que a de antes. Finalmente, o sistema medieval da casa de família auto-suficiente, a villa, como foi chamada em leis posteriores, emergiu. Portanto, se compararmos nossas condições com as do Império Romano, teremos razões para dizer: “Iremos pelo mesmo caminho”. Há muitos fatos semelhantes. Mas há também enormes diferenças, que não estão relacionadas com a estrutura; política dominante na segunda metade do século III. Nesse período, havia o assassinato de um imperador a cada três anos em média. O assassino ou o responsável pela morte tornava-se seu sucessor. Cerca de três anos depois, a história se repetia. Diocleciano, quando tornou-se imperador, no ano 284, tentou por algum tempo, sem sucesso, resistir à deterioração do Império.
As diferenças entre as condições atuais e as de Roma do século III são enormes, porque as medidas que causaram a desintegração do Império Romano não foram premeditadas. Não eram, eu diria, medidas assumidas em consequência de doutrinas condenáveis mas bem formalizadas. As ideias intervencionistas, as ideias socialistas, as ideias inflacionistas de nossos dias foram engendradas e formalizadas por escritores e professores. E são ensinadas nas universidades. Poder-se-ia então observar: “A situação atual é muito pior”. Eu respondo: “Não, não é pior”. É melhor, na minha opinião, porque ideias podem ser derrotadas por outras ideias. Ninguém duvidava, na época dos imperadores romanos, de que a determinação de preços máximos era uma boa política, e de que assistia ao governo o direito de adotá-la. Ninguém discutia isso.
Mas agora, quando temos escolas, professores e livros prescrevendo tais e tais caminhos, sabemos muito bem que se trata de um problema a discutir. Todas essas ideias nefastas que hoje nos afligem, que tornaram nossas políticas tão nocivas, foram elaboradas por técnicos do meio acadêmico. Um famoso autor espanhol falou a respeito da “revolta das massas”. Devemos ser muito cuidadosos no uso desse termo, porque essa revolta não foi feita pelas massas: foi feita pelos intelectuais, que, não sendo homens do povo, elaboraram doutrinas. Segundo a doutrina marxista, só os proletários têm boas ideias, e a mente proletária, sozinha, engendrou o socialismo. Todos esses autores socialistas, sem exceção, eram “burgueses”, no sentido em que eles próprios, socialistas, usam o termo.
Karl Marx não teve origem proletária. Era filho de um advogado. Não precisou trabalhar para chegar à universidade. Fez seus estudos superiores do mesmo modo como o fazem hoje os filhos das famílias abastadas. Mais tarde, e pelo resto de sua vida, foi sustentado pelo amigo Friedrich Engels, que – sendo um industrial -, era do pior tipo “burguês”, segundo as ideias socialistas. Na linguagem do marxismo, era um explorador.
Tudo o que ocorre na sociedade de nossos dias é fruto de ideias, sejam elas boas, sejam elas más. Faz-se necessário combater as más ideias. Devemos lutar contra tudo o que não é bom na vida pública. Devemos substituir as ideias errôneas por outras melhores, devemos refutar as doutrinas que promovem a violência sindical. É nosso dever lutar contra o confisco da propriedade, o controle de preços, a inflação e contra tantos outros males que nos assolam. Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridão. As boas ideias devem ser levadas às pessoas de tal modo que elas se convençam de que essas ideias são as corretas, e saibam quais são as errôneas. No glorioso período do século XIX, as notáveis realizações do capitalismo foram fruto das ideias dos economistas clássicos, de Adam Smith e David Ricardo, de Bastiat e outros. Precisamos, apenas, substituir más ideias por ideias melhores. A geração vindoura conseguirá fazer isso. Não apenas espero que assim seja: tenho mesmo muita confiança neste futuro. Nossa civilização, não está condenada, malgrado o que dizem Spengler e Toynbee. Nossa civilização sobreviverá, e deve sobreviver. E sobreviverá respaldada em ideias melhores que aquelas que hoje governam a maior parte do mundo, ideias que serão engendradas pela nova geração.
Já considero um ótimo sinal o simples fato de eu hoje estar aqui, nesta grande cidade que é Buenos Aires, a convite deste centro, falando sobre a livre economia. Há cinquenta anos, ninguém no mundo ousava dizer uma palavra sequer em favor de uma economia livre. Hoje, em alguns dos países mais avançados do mundo, já temos instituições que são centros para a propagação destas ideias
Infelizmente, não me foi possível dizer muito sobre essas questões tão importantes. Seis palestras podem ser excessivas para um auditório, mas não são bastantes quando se quer expor toda a filosofia que embasa o sistema de livre economia. Por outro lado, certamente não são bastantes para que se possa refutar tudo o que de insensato vem sendo escrito, nos últimos cinquenta anos, acerca dos problemas econômicos de que estamos tratando.
Estou muito agradecido a este centro pela oportunidade de me dirigir a tão distinta plateia e espero que, dentro de alguns anos, o número dos defensores das ideias em prol da liberdade tenha crescido consideravelmente, neste e em outros países. Quanto a mim, tenho plena confiança no futuro da liberdade, tanto política quanto econômica.
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Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/npqMW