O que mais apavora a esquerda é o conservadorismo efetivamente oferecer alguma reação
Por que a esquerda sempre faz uma oposição histérica a toda e qualquer ínfima medida ou iniciativa que seja por ela tida como “antiprogressista” ou, pior ainda, “reacionária” e contrária ao seu “projeto de poder”?
Seja no quesito dos “direitos” dos homossexuais (“direitos”, no linguajar esquerdista, nada mais são do que deveres impingidos aos pagadores de impostos), nos privilégios raciais e sindicais, no feminismo, no desarmamento, no aborto financiado pelo estado, e até mesmo em tímidas propostas de reformas assistencialistas, a esquerda progressista sempre reage com um furor frenético contra qualquer pessoa — seja político, comentarista político ou apenas alguém da mídia alternativa — que se atreva a fazer algo que leve a um pequeno recuo destes sagrados esquemas socialistas.
O histórico
O frenesi progressista que vem varrendo o mundo começou realmente no final dos anos 1930.
Naquela época, vivendo em Nova York, minha família, meus amigos e meus vizinhos, todos esquerdistas, haviam chegado ao paroxismo do medo e da raiva por causa da contra-revolução de Franco e da iminente derrocada do governo espanhol esquerdista durante a Guerra Civil Espanhola.
Superabundavam denúncias e vituperações lacrimosas contra Franco, além de contínuas exortações para que “alguma coisa fosse feita”. Houve a criação de organizações especializadas em enviar de tudo para a Espanha, desde leite até armas e soldados. Era a “Brigada Internacional”, criada para defender a esquerda espanhola (alcunhada de “Legalistas” pelo sempre simpatizante The New York Times e por outros veículos da mídia “respeitável”).
Vale enfatizar que estas pessoas jamais — nem antes e nem durante — haviam demonstrado qualquer tipo de interesse pela história, cultura ou política espanhola. Logo, por que repentinamente passaram a se preocupar com o país?
O historiador esquerdista Allen Guttman chegou até a documentar e celebrar esta histeria em relação à Espanha em seu livro A Ferida no Coração (o título já diz tudo).
Certa vez perguntei ao meu amigo Frank S. Meyer, que havia sido um proeminente comunista americano, a respeito deste enigma. Ele deu de ombros: “Nós [os comunistas] nunca conseguimos entender o porquê. Mas tiramos proveito do sentimentalismo progressista da questão”.
A explicação ortodoxa dos historiadores é que os esquerdistas da época — cujo quartel-general, a fonte de financiamento, estava nos EUA — estavam especialmente temerosos quanto à “ameaça do fascismo”, e defendiam freneticamente a esquerda espanhola porque viam a Guerra Civil daquele país como um prenúncio de uma inevitável Segunda Guerra Mundial.
Mas o problema com esta explicação é que, embora a esquerda progressista houvesse defendido entusiasmadamente a “boa” Guerra contra o Eixo, ela nunca realmente arregimentou a mesma emotividade, a mesma exaltação, o mesmo furor que demonstrava em relação a Franco contra Hitler, por exemplo.
Então, qual a verdadeira explicação para a atual postura da esquerda em relação a temas cultural e economicamente progressistas?
As raízes
Creio que uma pista pode ser encontrada na mini-histeria que a esquerda demonstrou a respeito da contra-revolução ocorrida contra o regime esquerdista da Salvador Allende no Chile, uma contra-revolução que colocou o General Augusto Pinochet no poder.
A esquerda, até hoje, ainda não perdoou a direita chilena e a CIA por este golpe. Allende ainda é considerado um mártir querido pela esquerda, e sua filha Isabel, um ícone (embora ainda percam para Che Guevara).
Seria esta raiva tão duradoura só porque um regime comunista foi derrubado? Quase, mas ainda longe. Afinal, a esquerda não demonstrou grandes emoções, não demonstrou nenhum desespero, quando os regimes comunistas entraram em colapso na União Soviética e no Leste Europeu.
Logo, sugiro que ‘A Resposta’ para este mistério é a seguinte: a esquerda é, em sua essência, “progressista”, o que significa que ela acredita, à moda marxista, que a história consiste em uma ‘inevitável marcha ascendente’ rumo à luz, rumo à utopia socialista.
A esquerda progressista acredita no mito do progresso inevitável; ela acredita que a história está ao seu lado, sempre conspirando a seu favor. Sendo ela formada por social-democratas (mencheviques), primos dos comunistas (bolcheviques) — com quem vivem entre tapas e beijos —, a esquerda progressista possui um objetivo similar ao dos comunistas, mas não idêntico: um estado socialista igualitário, gerido totalmente por burocratas, intelectuais, tecnocratas, “terapeutas” e pela Nova Classe iluminada, geralmente em colaboração com — e sempre sendo apoiada por — credenciados membros de todos os tipos de grupos vitimológicos, aquela gente que se diz perseguida e que vive lutando por “direitos iguais” — sendo que o ‘iguais’ significa na verdade ‘superiores’. Estes grupos são formados por negros, mulheres, gays, lésbicas, trans, índios etc.
A esquerda progressista acredita que a história está marchando inexoravelmente rumo a este objetivo. Uma parte vital deste objetivo é a destruição da família tradicional, “burguesa” e composta de pai e mãe, que deve ser substituída por um sistema em que as crianças são criadas e educadas pelo estado e por sua Nova Classe de orientadores, tutores, terapeutas e demais “cuidadores” infantis.
A utópica marcha da história, objetivo dos social-democratas, também é similar à dos comunistas, mas não exatamente a mesma. Para os comunistas, o objetivo era a estatização dos meios de produção, a erradicação da classe capitalista, e a tomada de poder pelo proletariado. Já os social-democratas entenderam ser muito melhor um arranjo em que o estado socialista mantém os capitalistas e uma truncada economia de mercado sob total controle, regulando, restringindo, controlando e submetendo todos os empreendedores às ordens do estado.
O objetivo social-democrata não é necessariamente a “guerra de classes”, mas sim um tipo de “harmonia de classes”, na qual os capitalistas e o mercado são forçados a trabalhar arduamente para o bem da “sociedade” e do parasítico aparato estatal.
Os comunistas queriam uma ditadura do partido único, com todos os dissidentes sendo enviados para os gulags. Já os social-democratas preferem uma ditadura “branda” — aquilo que Herbert Marcuse e a Escola de Frankfurt, em outro contexto, rotularam de “tolerância repressiva” —, com um sistema bipartidário em que ambos os partidos concordam em relação a todas as questões fundamentais, discordando apenas polidamente acerca de detalhes triviais — “a carga tributária deve ser de 37% ou de 36,2%?”.
Liberdade de expressão, de imprensa e de ideias é tolerada pelos social-democratas, mas desde que ela se mantenha dentro de um espectro de opiniões pré-aprovadas. Os social-democratas repelem a brutalidade dos gulags; eles preferem fazer com que os dissidentes padeçam da “suave” e “terapêutica” ditadura do politicamente correto, na qual eles forçosamente têm de aprender as maravilhosas virtudes de ser educado na “dignidade de estilos de vida alternativos”, sempre submetidos a um intenso “treinamento de sensibilidade”. Em outras palavras, Admirável Mundo Novo em vez de 1984. A “marcha ascendente da democracia” em vez da “ditadura do proletariado”.
Também típica é a distinção, nas duas utopias, acerca de como lidar com a religião. Os comunistas, como fanáticos ateístas, tinham o objetivo de abolir por completo a religião. Já os social-democratas preferem uma abordagem mais suave: subverter o cristianismo de modo a fazer com que a religião se torne aliada da social-democracia.
Daí a sagaz cooptação da esquerda cristã pelos social-democratas: enfatizando o modernismo entre os católicos e o evangelicalismo esquerdo-pietista entre os protestantes — este último objetivando criar um Reino de Deus na Terra na forma de uma coerciva e igualitária “comunidade de amor“.
Trata-se de uma estratégia muito mais astuta: cooptar religiosos em vez de assassinar padres e freiras e confiscar igrejas — esta última feita pelo regime republicano espanhol e por seus partidários trotskistas e anarquistas de esquerda, algo que não gerou absolutamente nenhum grito de protesto por parte de seus devotos defensores progressistas e social-democratas ao redor do mundo.
Esta distinção nos objetivos — totalitarismo brando vs. radical — também é refletida na acentuada diferença entre as estratégias e os meios utilizados. Os comunistas, ao menos em sua clássica fase leninista, ansiavam por uma revolução violenta e apocalíptica que destruiria o estado capitalista e levaria à ditadura do proletariado. Já os mencheviques — social-democratas ou neoconservadores —, fieis ao seu ideal “democrático”, sempre se sentiram um tanto desconfortáveis com a ideia de revolução, preferindo muito mais a “evolução” gradual produzida pelas eleições democráticas.
Para os mencheviques, o estado deve ser totalmente aparelhado por intelectuais partidários e simpatizantes, de modo a garantir a continuidade da longa marcha gramsciana da conquista das instituições culturais e sociais do país. Daí a desconsideração pelos gulags e pela revolução armada. Por isso o desaparecimento de seus primos (e concorrentes) bolcheviques não ter sido lamentado pelos social-democratas. Muito pelo contrário: os social-democratas agora detêm o monopólio da marcha “progressista” da história rumo à Utopia.
A Resposta
O que me traz de volta à minha ‘Resposta’ sobre o porquê da histeria da esquerda progressista: ela se torna histérica sempre que percebe a ameaça de uma pequena reversão na Inevitável Marcha da História.
Ela se torna histérica quando visualiza alguns empecilhos e, principalmente, retrocessos nesta sua inexorável marcha ao poder total, retrocessos estes que sempre são rotulados, obviamente, de “reações”.
Na visão de mundo tanto de comunistas quanto de social-democratas, a mais alta — desde que “progressista” — moralidade é se mostrar não apenas um defensor, mas também, e principalmente, um entusiasmado fomentador da ‘inevitável próxima fase da história’. É ser a “parteira” (na famosa expressão de Marx) desta fase.
Da mesma forma, a mais profunda, se não a única, imoralidade é ser “reacionário”, ser alguém dedicado a se opor a este inevitável progresso — ou, pior ainda, alguém dedicado a fazer retroceder a maré, a restaurar costumes enraizados, a “atrasar o relógio”.
Este é o pior pecado de todos, e ele gera todo este frenesi justamente porque qualquer retrocesso bem-sucedido colocaria em dúvida aquele que é o mais profundo e o mais inquestionavelmente aceito mito “religioso” da esquerda progressista: a ideia de que o progresso histórico rumo à sua Utopia é inevitável.
Trata-se, no mais profundo sentido, de uma guerra não apenas cultural e econômica, mas religiosa. “Religiosa” porque social-democracia/progressismo de esquerda é uma visão de mundo passional, uma “religião” no mais profundo sentido, pois guiada unicamente pela fé: trata-se da ideia de que o inevitável objetivo da história é um mundo perfeito, um mundo socialista igualitário, um Reino de Deus na Terra, seja este deus “panteizado” (sob Hegel e os adeptos do Romantismo) ou ateizado (sob Marx).
Esta é uma visão de mundo em relação à qual não deve haver concessões ou clemência. Ela deve ser contrariada e combatida veementemente, com cada fibra de nosso ser.
O Brejo
Quem vai vencer essa guerra? Não se sabe. De que lado está a maioria da população? Certamente perdida, disponível para quem chegar primeiro. A maioria está confusa, vagando de um lado para o outro, dividida entre visões de mundo conflitantes. Ela pode pender para qualquer lado.
Durante suas inúmeras batalhas faccionárias dentro do movimento marxista, Lênin certa vez escreveu que há dois grupos batalhando, cada um formado pela minoria da população, sendo que a maioria está no centro, e é formada justamente pelas pessoas confusas, às quais ele se referiu como O Brejo. A maioria da população hoje está confusa e constitui O Brejo; estas pessoas estão no terreno no qual a maioria das batalhas será disputada.
E a metáfora é corretamente militar. A batalha iminente é muito mais ampla e profunda do que apenas discutir alíquotas de impostos. Trata-se de uma batalha de vida e morte pelo formato do nosso futuro. Daí se compreende o frenesi que acomete a esquerda sempre que uma medida “reacionária” parece ser favorecida pela sociedade.
A esquerda progressista não se importa muito com — na verdade, ela até gosta de — pequenos revezamentos de poder: uma década de governos abertamente progressistas, nos quais a agenda esquerdista é avançada, seguida de alguns anos de governo “oposicionista” ou “conservador”, no qual há apenas uma consolidação ou simplesmente uma redução na velocidade do avanço. O que ela realmente teme é a perspectiva do conservadorismo se tornar reacionário, no sentido de realmente fazer retroceder alguns ganhos “progressistas”. É isso que a apavora.
Daí a histeria em relação a Franco e a Pinochet; daí o linchamento de Joe McCarthy, que realmente ameaçou ser bem-sucedido em fazer recuar não apenas os comunistas, mas até mesmo os progressistas e social-democratas. Ameace retroceder “direitos” obtidos por grupos de feministas, de gays, de negros, de desarmamentistas, de funcionários públicos, de sindicalistas ou de qualquer outro do ramo vitimológico, e você verá o que é uma fúria progressista.
O que fazer
Portanto, o combate requer, principalmente, coragem e nervos para não ceder e não se dobrar perante as totalmente previsíveis reações caluniosas e difamantes dos oponentes. Acima de tudo, o objetivo não deve ser o de se tornar querido e bem aceito por progressistas ou pela Mídia Respeitável. Tal postura irá gerar apenas mais rendição, mais derrotas.
Igualmente, o objetivo não é apenas o de fazer retroceder o estado leviatã, sua cultura niilista e estas pessoas que querem se apossar do estado e impor sua agenda sobre nós. O objetivo tem de ser a eliminação completa e irreversível deste monstruoso sonho de um Perfeito Mundo Socializado gerido por “pessoas de bem”.
Que a reação ocorra, que os “direitos” sejam retrocedidos, que esta gente recue, entre em órbita e finalmente perceba que, na realidade, sua religião é maléfica.
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Por Murray N. Rothbard
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