A boa teoria econômica explica que, em um mercado concorrencial, não são os vendedores que determinam os preços dos bens e serviços. Eles não têm o poder de determinar preços a seu bel-prazer. Eles não podem sair aumentando preços incontidamente. Tampouco podem impor aumentos súbitos nos preços.
Em última instância, quem determina os preços são os consumidores.
Se as preferências dos consumidores não se alteraram, e nem sua renda, então fortes aumentos de preços de determinados bens ou serviços terão como consequência uma redução de sua demanda.
Por isso, em um cenário de aumento de tarifas de importação (ou de súbita desvalorização cambial), os preços dos bens de consumo nas lojas não teriam por que subir sensivelmente. Afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram neste curto espaço de tempo. Se os preços pudessem ser majorados em decorrência de um aumento das tarifas de importação, então, obviamente, empreendedores já teriam elevado esse preço antes das tarifas. Não são necessárias tarifas para mostrar que os preços podem ser aumentados.
O que ocorre, portanto, quando há uma súbita elevação nas tarifas de importação (ou súbitas desvalorizações cambiais) em mercados concorrenciais é o óbvio: os produtores ajustam a única coisa que é realmente variável — sua estrutura de custos.
Sim, pequenos repasses de preços podem ocorrer, mas nada muito além da própria taxa anual de inflação de preços do país.
Trump e as tarifas
As tarifas de Trump sobre os produtos chineses tiveram efeitos relativamente pequenos sobre os preços aos consumidores americanos. Uma reportagem sobre isso foi feita pela NPR.
Há um ano, uma equipe da NPR foi a um Walmart no estado da Georgia para pesquisar os preços de 80 produtos. Recentemente, os pesquisadores voltaram ao mesmo local para ver quais foram os efeitos das tarifas de Trump sobre os preços. A conclusão, embora tenha surpreendido as pessoas, não deveria ser nada surpreendente para economistas seguidores da Escola Austríaca.
O aumento foi de aproximadamente 3% — sendo que as tarifas, que eram de zero, chegaram a 20%.
E de quanto foi a inflação de preços oficial do país neste mesmo período? Se você utilizar o índice cheio do CPI (Consumer Price Index – Índice de Precços ao Consumidor), ela foi de 1,7%. Se você utilizar apenas o núcleo do CPI (que exclui itens voláteis como combustíveis e alimentos), ela foi de 2,4%. E se você usar a mediana do CPI, que sempre considerei ser o índice mais acurado, a inflação de preços foi de 2,9%.
Ou seja, as tarifas não tiveram nenhum efeito especial sobre os bens específicos selecionados para a pesquisa no Walmart.
Há quem diga que essa quase ausência de repasses é explicada pelo fato de que as tarifas foram impostas majoritariamente sobre materiais industriais (máquinas, insumos e demais bens de produção), e não para a maioria dos bens de consumo. A afirmação é verdadeira, mas não muda a lógica. Em ambos os casos (tarifas sobre bens de consumo ou bens de capital), o que altera são os custos dos produtores e vendedores, e não o preço final da venda, pois este depende exclusivamente das preferências dos consumidores (mais sobre isso abaixo).
Oficialmente, a justificativa para essas tarifas é que elas forçarão as empresas americanas a voltar a produzir dentro dos EUA. Mas tal raciocínio é completamente tolo. As empresas americanas podem até realmente fechar algumas de suas instalações industriais na China, mas não voltarão para os EUA. Há muito mais chances de elas se mudaram para o Vietnã do que irem para Detroit, Pittsburgh ou Toledo. Os custos trabalhistas são muito mais altos nos EUA do que em outras partes do sudeste asiático. Empresas de todo o mundo têm ido para o Vietnã ao longo dos últimos anos, e isso inclui até mesmo empresas chinesas. Trata-se de uma tendência irreversível.
A reportagem da NPR afirma que as empresas americanas estão tentando ocultar os aumentos dos preços espalhando esses aumentos para várias linhas de produção, de modo a difundi-los. Pode até ser verdade, mas a reportagem não apresentou nenhuma evidência estatística que dê suporte a essa afirmação. E, mesmo que apresentasse, não mudaria absolutamente nada da lógica econômica: aumento de custos não têm como ser integralmente repassados aos consumidores.
Mais ainda: a reportagem também admitiu que havia alguns produtos cujos preços caíram. Isso também era esperado.
Basicamente, a reportagem não ofereceu nenhuma evidência de que as tarifas geraram qualquer aumento de preços.
O jornalista entrevistou representantes de várias empresas americanas. Nenhum atribuiu às tarifas qualquer causa às mudanças de preços. Eles não deram muitas informações sobre sua política de preços. Creio ser a atitude correta. Essas empresas não têm obrigação nenhuma de fornecer informação gratuita a jornalistas da NPR, e nem a qualquer outra pessoa.
Eis os exemplos que foram apresentados como sendo os produtos que tiveram as maiores elevações de preços. Você observará que são itens essencialmente irrelevantes para a vida de qualquer pessoa: uma coleira de cachorro e um colar de cachorro. Tais itens são tão marginais na lista de compras da esmagadora maioria das pessoas, que o vendedor está disposto a correr o risco de elevar seus preços, mas somente com a pressuposição de que os concorrentes também estão enfrentando as mesmas restrições por causa das tarifas. Consumidores não irão se deixar restringir por causa de um aumento de preços em uma coleira de cachorro. Eles não compram muitas coleiras de cachorro em um ano. Eles também dificilmente se lembram de quanto custava uma coleira de cachorro um ano atrás.
Sendo assim, vendedores conseguem se safar com aumentos de preços nestes tipos de produtos. Mas a maioria dos vendedores não consegue se safar com aumentos generalizados de preços. Os consumidores simplesmente iriam atrás de outros produtos. Vendedores sabem disso, e por isso aumentos de custos não são livremente repassados aos consumidores.
A Walmart não comentou a reportagem. No entanto, em maio, a empresa havia alertado que “um aumento das tarifas levará a um aumento nos preços para os consumidores”. Já no mês passado, o diretor financeiro, Brett Biggs, afirmou que a empresa havia conseguido “com muita ponderação, gerenciar seus preços e suas margens”.
“Nós dispersamos o impacto para centenas de milhares de itens que temos no mercado”, disse o CEO da Walmart, Greg Foran, à época.
O problema é outro
Imaginar que aumentos nos custos de produção se traduzem automaticamente em aumentos de preços é desconhecer por completo como funcionam os processos de mercado. Tal idéia advém do velho conceito de valor econômico defendido pelos economistas clássicos. Esta teoria é conhecida como a teoria do “valor determinado pelo custo de produção“. Ela foi refutada definitivamente por Carl Menger em 1871. Ele foi o indivíduo que originou a Escola Austríaca de pensamento econômico.
Então quem paga pelo aumento das tarifas? Majoritariamente, os varejistas.
Dado que os preços não podem ser arbitrariamente aumentados — afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram em decorrência de um imposto de importação; a demanda dos consumidores não foi alterada só porque o governo criou um imposto —, as tarifas têm de ser absorvidas pelas empresas.
Ou seja, as tarifas nada mais são do que um aumento no custo de produção. Como não é possível repassar integralmente aumento de custos para os preços, os varejistas é que acabam absorvendo este aumento de custos.
Portanto, de um lado, os custos de produção aumentam; de outro, as receitas permanecem as mesmas. Com isso, a margem de lucro é diminuída.
Com margens menores tende a haver menos investimentos. E aí então é que os efeitos começam a se espalhar pela economia. Menos investimentos significam menos produção e menos crescimento da renda. Leva-se um tempo até chegar a este ponto, mas ele sempre chega.
Por outro lado, se os preços de fato forem aumentados em decorrência desta elevação das tarifas, haverá necessariamente uma queda no consumo — pelo óbvio motivo de que tarifas de importação não alteram as preferências dos consumidores do modo que eles repentinamente passem a aceitar um preço maior para os bens de consumo.
Logo, se o aumento de custos for repassado aos preços, haverá uma redução do consumo. E isso, é claro, também afetará diretamente os lucros das empresas.
A conclusão básica é que qualquer aumento nos custos terá de ser absorvido pela empresa; tal aumento não pode ser repassado integralmente para os consumidores.
No extremo, este aumento no custo de produção pode levar uma empresa à falência, o que afeta a oferta do produto. E, aí sim, haverá um aumento nos preços. Mas tal aumento não se deu por um mero repasse de impostos, mas sim por uma redução na oferta.
Murray Rothbard já havia descrito este processo há quase 50 anos:
A primeira lei da incidência pode ser estabelecida imediatamente, é uma bem radical: nenhum imposto pode ser integralmente repassado. Em outras palavras, nenhum tributo pode ser repassado do vendedor para o comprador e dali até o consumidor final. Abaixo, veremos como isso se aplica especificamente aos impostos sobre o consumo, os quais são normalmente tidos como totalmente repassáveis aos consumidores.
Normalmente se considera que qualquer imposto sobre a produção ou sobre as vendas aumenta o custo de produção e, portanto, é repassado como um aumento de preço para o consumidor. Os preços, no entanto, jamais são determinados pelos custos de produção. O que ocorre é exatamente o contrário.
[…]
De certa maneira, é até verdade que um imposto pode ser repassado, mas o mecanismo é outro: o imposto faz com que a oferta do produto seja reduzida, o que, consequentemente, eleva seu preço no mercado [N. do E.: confira a descrição em detalhes do processo aqui]. Tal fenômeno dificilmente pode ser rotulado de repasse, pois repassar implica que o tributo é repassado sem gerar nenhum dano ao produtor. Se alguns produtores têm de ir à falência para que o tributo seja repassado, então isso obviamente não é um repasse, mas sim um efeito da tributação. […]
Conclusão
O principal fardo de um aumento de impostos sobre bens importados — e tarifa de importação nada mais é do que um imposto sobre vendas — recai sobre os importadores.
No caso específico da Walmart americana, que importa muito da China e que atua em um ambiente extremamente concorrencial (e, logo, não pode simplesmente sair aumentando preços), é ela quem sofrerá as principais perdas geradas pelo aumento dos impostos sobre as vendas de bens importados.
Os exportadores chineses também perderão, pois irão tentar reduzir os preços dos bens exportados para manter a Walmart como cliente. (Ou então o governo chinês irá desvalorizar a moeda, o que prejudicará toda a população chinesa em benefício da americana).
Também perdem os exportadores americanos, pois passam a ser vítimas de tarifas retaliativas impostas pelo governo chinês. Em especial, vários agricultores americanos estão sofrendo com as restrições retaliativas impostas pelo governo chinês.
Já os consumidores americanos perdem porque a Walmart teria reduzido os preços dos outros bens não fossem as tarifas. Haverá menos vendas por causa dos custos de produção maiores. Mas isso não é o mesmo que dizer que os consumidores americanos serão forçados a pagar preços maiores pelos bens específicos sobre os quais foram impostas tarifas de importação. As perdas para os consumidores americanos serão indiretas.
No final, a única certeza é que todo o padrão de vida cai com a restrição do livre comércio. Sem exceção.
(Gary North)
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=3086