Uma resposta à afirmação de que o nazismo nada teria de socialista
Em “Não, os nazistas não eram socialistas”, publicado online na Jacobin, o filósofo Scott Sehon faz uma afirmação surpreendente. No decorrer da crítica a algumas declarações do Senador Rand Paul, Sehon diz:
“Paul parece citar o economista do meio do século Ludwig von Mises:
‘Sob o nacional-socialismo, havia, como Mises colocou, ‘um sistema superficial de propriedade privada… [sic], mas os nazistas exerciam controle central limitado sobre todas as decisões econômicas’. Com o lucro e a produção ditados pelo estado, a indústria funcionava como se o governo tivesse confiscado todos os meios de produção, tornando impossível a previsão e o cálculo econômico…’
Acontece que a afirmação mais clara de Paul sobre o controle nazista da economia era, aparentemente, apenas algo que o senador inventou e falsamente atribuiu a Ludwig von Mises (colchetes no texto de Sehon)”.
Se Sehon tivesse investigado mais cuidadosamente as opiniões de Mises, ele teria descoberto que Mises realmente acreditava que o Nazismo era uma forma de Socialismo, marcado pelo dirigismo estatal da economia em vez de propriedade coletiva. Em “Governo Onipotente” (p.56), Mises diz,
“Os sistemas socialistas alemão e russo têm em comum o fato de que o governo tem total controle sobre os meios de produção. Ele decide o que deve ser produzido e como. Ele distribui para cada indivíduo uma parte dos bens de consumo para seu consumo… O padrão alemão difere do russo no sentido de que (aparente e nominalmente) mantém a propriedade privada dos meios de produção e mantém a aparência de preços, salários e mercados normais. No entanto, não existem mais empreendedores, apenas gerentes de lojas (Betriebsführer)… O governo, não os consumidores, dirige a produção. Isso é socialismo com aparência externa de capitalismo. Alguns rótulos da economia de mercado capitalista são mantidos, mas eles significam algo completamente diferente do que significam em uma economia de mercado genuína”.
Sehon diz que essa visão é falsa e cita um artigo ao qual eu ainda não consegui acesso, que argumenta que os negócios sob os nazistas mantiveram um alto grau de autonomia. Mas em seu bem recebido livro “The Wages of Destruction” (2007), o historiador Adam Tooze diz o seguinte:
“A economia alemã, como qualquer economia moderna, não poderia prescindir de importações de alimentos e matérias primas. Para pagar por essas importações, ela precisa exportar. E, se esse fluxo de mercadorias fosse obstruído por protecionismo e desvalorizações competitivas, isso não deixaria à Alemanha outra opção senão recorrer a um controle estatal cada vez maior das importações e exportações, o que por sua vez exigia uma série de outras intervenções” (p.113).
Esse é exatamente o ponto de Mises. Medidas intervencionistas no livre mercado, como o controle de preços, falham em alcançar seu propósito. Isso leva o governo a tomar mais medidas intervencionistas na tentativa de corrigir a situação, e continuar esse processo pode rapidamente levar ao socialismo.
Foi isso o que aconteceu sob os nazistas. Empresas que relutavam em seguir os planos da nova ordem foram forçadas a se alinhar. Uma lei permitia que o governo impusesse cartéis compulsórios. Até 1936, o Plano Quadrienal, liderado por Hermann Goering, havia mudado a natureza da economia alemã.
“Em 18 de outubro [de 1936], Goering recebeu a autorização formal de Hitler como plenipotenciário geral para o Plano Quadrienal. Nos dias seguintes, ele apresentou decretos que lhe conferiam responsabilidades por praticamente todos os aspectos da política econômica, incluindo o controle dos meios de comunicação empresarial” (Tooze 2007, pp. 223-24).
Sehon diz que havia socialistas no partido nazista, principalmente Gregor Strasser e seu irmão Otto, mas que sua influência terminou quando Hitler purgou essa ala do partido na Noite das Facas Longas em 1934. (A propósito, Otto era mais socialista do que seu irmão Gregor, e este repudiou as visões de seu irmão como muito radicais). Isso não é totalmente preciso. O que ele ignora é que Joseph Goebbels tinha visões fortemente socialistas, apesar de sua inimizade pessoal com Strasser.
De acordo com George Watson:
“Em 16 de junho de 1941, cinco dias antes de Hitler atacar a União Soviética, Goebbels exultou, na privacidade de seu diário, a vitória sobre o bolchevismo que ele acreditava que se seguiria rapidamente. Não haveria restauração dos czares, observou consigo mesmo, depois que a Rússia fosse conquistada. Mas o bolchevismo judeu seria erradicado na Rússia e o ‘verdadeiro socialismo’ seria implantado em seu lugar – ‘Der echte Sozialismus’. Goebbels era um mentiroso, com certeza, mas ninguém consegue explicar por que ele mentiria em seus diários. E, até o final dos seus dias, ele acreditava que o socialismo era o que o Nacional-Socialismo representava”.
No artigo, Sehon critica extensivamente Watson por confiar em um livro de Otto Wagener, um nazista que foi afastado de seu cargo de autoridade em 1932, mas ele não menciona a citação de Watson do diário de Goebbels.
Goebbels não estava de modo algum sozinho entre os nazistas detentores de poder em suas opiniões radicais. Ferdinand Zimmerman, que trabalhou como um importante planejador econômico para os nazistas, era, antes de sua ascensão ao poder, um escritor sob o pseudônimo de Ferdinand Fried no jornal Die Tat, editado por Hans Zehrer, e um membro líder de um grupo de intelectuais nacionalistas conhecido como Tatkreis. Fried era fortemente contra o capitalismo, analisando-o em termos quase marxistas.
Willhelm Roepke escreveu uma crítica contemporânea devastadora de Fried, disponível na tradução para o inglês em seu “Against the Tide” (Regnery, 1969). Uma das melhores revisões acadêmicas das opiniões de Fried, que inclui algumas discussões de suas atividades sob o regime nazista, está no livro “Elites against Democracy: Leadership Ideals in Bourgeois Political Thought in Germany, 1890–1933” (Princeton University Press, 1973) de Walter Struve.
Sehon faz outro ponto enganoso em seu artigo. Ele diz:
“O argumento de Paul aqui parte da premissa inegável de que os nazistas tinham ‘socialista’ como parte de seu nome para concluir que os nazistas eram, de fato, socialistas. Para que essa inferência funcione, Paul precisa de uma premissa intermediária, como a seguinte: se uma organização tem um adjetivo em seu nome, então a organização é corretamente descrita por esse adjetivo”.
“Mas se o Senador Paul realmente acreditasse nisso, ela seria forçado a concluir que a Alemanha Oriental comunista e a atual Coreia do Norte são democracias, pois a República Democrática Alemã e a República Popular Democrática da Coreia têm o adjetivo ‘Democrática’ como parte de seus nomes”.
Sehon está certo de que a palavra “socialista” por si só não diz muito, mas infelizmente ele não investiga o que os nazistas queriam dizer com essa palavra e por que a usavam.
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Por David Gordon
Publicado originalmente em: https://curt.link/uu2lUesY