Quando surgiu, em pleno governo Michel Temer, o teto de gastos públicos foi visto com desconfiança pela esquerda e por alguns próceres do liberalismo nacional, como o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. Em um seminário em que ele era palestrante e eu moderador, quatro anos atrás, lembro que Franco (imagem) gastou um bom tempo de seu tempo para dizer explicar à plateia que essa medida era emergencial, uma necessidade pontual gerada pela balbúrdia nas contas públicas operada nos últimos anos do governo petista.
No ano passado, em artigo para o jornal O Globo, o ex-presidente do BC escreveu o seguinte: “Sempre se soube que o teto de gastos […] era uma solução imperfeita e temporária para o problema fiscal brasileiro. […] Era uma espécie de congelamento, pelo qual os gastos do governo, por 20 anos, permaneceriam onde estavam em 2016 e cresceriam nos anos a seguir apenas no ritmo da inflação. Era uma resposta emergencial ao furacão fiscal provocado por Dilma Rousseff”.
Ontem, essas palavras ressurgiram em minha mente após acompanhar uma entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva ao site UOL. “Esse país não precisa de teto de gastos, mas de um governo que tenha credibilidade e previsibilidade”, disse. “Quem obrigou o governo a colocar um teto de gastos? A Faria Lima”.
As palavras que Lula escolheu são interessantes. Ele não diz explicitamente que irá promover uma farra fiscal – mas também não rechaça publicamente essa ideia. E joga a responsabilidade do surgimento dessa regra de aperto nas contas estatais nas costas dos bancos.
O teto, de fato, tem um lado pernicioso para o governante. Há várias verbas carimbadas, criando um chão móvel, diante de um teto estático e inflexível. Ou seja, com o passar do tempo, vão surgindo despesas obrigatórias que vão diminuindo a margem de manobra do governo no que diz respeito aos seus gastos.
Por outro lado, o governo Temer entregou, em sua época, alguns instrumentos para que o Estado não passasse de novo pelos perrengues exibidos na administração do PT. A lei das estatais e o teto foram dois itens desse cardápio de medidas.
Curiosamente, são dois pontos hoje questionados não só por Lula como por Jair Bolsonaro (sem contar dez entre dez componentes do Centrão). Os políticos querem se livrar dessas amarras – mas não falam em eventuais contrapartidas, como responsabilidade fiscal ou comedimento em relação ao tamanho do estado.
Tivemos, na pandemia, motivos bastante fortes para romper com a austeridade fiscal, no Brasil e no mundo. Mas, em 2022, o governo dobrou seu cacife neste quesito: lançou-se em uma estratégia de turbinar os programas sociais para angariar votos, criando um déficit extra de R$ 42 bilhões para 2023. Se a administração atual fosse petista, talvez o esforço em gastar dinheiro estatal seria igual, senão maior.
Ou seja, estamos diante de duas candidaturas que podem ter uma execução temerária das contas públicas nos próximos quatro anos. O teto de gastos, como observou Gustavo Franco, não é algo dogmático e sim tem caráter emergencial. Seria o caso de acabar com o teto agora, quando o apetite por verbas públicas está altíssimo?
Talvez não seja a hora de levantar esse assunto. Mas, se o teto for limado de nossa legislação, precisaremos de outras ferramentas para preservar a saúde fiscal do governo.
Este é um tema que precisa ser discutido, urgentemente, com os principais candidatos.