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Você ainda usa e-mail?

Na semana passada, recebi pelo WhatsApp a queixa de um amigo que estava aguardando a resposta de um e-mail que havia mandado há uma semana e permanecia sem resposta. Procurei a mensagem e a respondi. Entendi, então, o que acontecera. Tinha tanta coisa em minha caixa de entrada que aquela missiva passou batido. Resolvi contar quantas correspondências eletrônicas havia recebido naquele dia em particular: havia 241 mensagens. Dessas, pelo menos metade tinha intenções comerciais e outro tanto vinha de sistemas de informação, de comercio eletrônico ou de redes sociais. Apenas 50 e-mails eram de fato relacionados ao trabalho ou à vida pessoal.

Fiquei pensando se esse era um fenômeno particular e perguntei a alguns amigos se eles também estavam lendo menos o correio eletrônico do que antes. Quase todos responderam que sim. Um deles chegou ao extremo: “Nunca leio e-mails”.

Puxando pela memória, lembrei de um artigo que havia lido há cinco anos, no qual o autor predizia a extinção do correio eletrônico. Usando o Google, cheguei rapidamente no texto, que foi publicado em 2015 no site da revista Inc., de autoria de John Brandon. O título era o seguinte: “Porque o e-mail estará obsoleto em 2020”. Ou seja, o colunista, pelo jeito, acertou até a data. Destaco uma frase em especial: “Em 2020, este não será mais a forma de comunicação mais importante. Não consigo dizer exatamente o que vai substitui-lo, pois acho que ninguém ainda teve essa ideia”.

Teoricamente, um dos substitutos do e-mail, o WhatsApp, já havia sido criado – ele saiu do forno em 2009. Mas precisamos lembrar que esse aplicativo nunca foi popular nos Estados Unidos. Lá existem cerca de 70 milhões de usuários, contra 100 milhões no Brasil. Assim, é bem possível que esse tipo de comunicação instantânea não estivesse no radar do articulista.

Apesar de não termos uma estatística oficial sobre o declínio do uso de ferramentas como Outlook, Gmail e congêneres, há pelo menos dois indícios razoáveis. O primeiro é que a taxa de abertura de e-mails promocionais caiu durante o ano passado. Segundo estudo da Superoffice (uma empresa que faz e-mail marketing), entre 2015 e 2018, a taxa de abertura de mensagens ficou estável no mundo todo, em torno de 24 %. No ano passado, no entanto, esse índice caiu a 22,1 %, uma queda de 8 %. Ainda não há números disponíveis em relação a 2020.

A segunda pista é o tratamento dado ao Outlook pela Microsoft, também motivado pela feroz concorrência do Gmail. Os upgrades do programa de correio eletrônico estão cada vez mais espaçados e indicam que o gigante mundial de softwares não enxerga esse produto com muito interesse.

Talvez, num futuro próximo, iremos encarar o e-mail do mesmo jeito que olhamos para a linha de telefone fixo nos dias de hoje. Usa-se pouco, mas é preciso tê-la para ser aceito em alguns tipos de cadastro – até como um comprovante indubitável de residência. Um e-mail é algo imprescindível, hoje, para se cadastrar em qualquer tipo de e-commerce ou mesmo de serviços públicos. Mesmo assim, há uma tendência interessante nos últimos tempos. Se um usuário esquecer a senha de algum serviço, receberá o link de recuperação pelo e-mail. Mas já usei apps que pedem apenas o número do CPF e mandam um SMS para abrir a página de configuração de passwords.

Portanto, já existem iniciativas no mundo digital que dispensam o uso de um endereço de e-mail. Será o início de uma tendência? Ainda é cedo para dizer.

O fato de haver menos gente respondendo a e-mails não significa necessariamente que haverá uma queda no envio de mensagens eletrônicas. Pelo contrário. O portal de estatísticas Statista estima que houve 281 bilhões de e-mails enviados e recebidos diariamente em 2018. A previsão é de que este número chegue a 347 bilhões em 2022.

Boa parte deste crescimento provavelmente se deverá às campanhas de marketing através desta ferramenta. Mas é justamente esse tipo de assédio que afasta um certo tipo de usuário do correio eletrônico. Veja o meu caso específico: naquele dia em que recebi 241 mensagens, abri o Gmail pelo celular duas vezes durante o dia. Só que o alto volume de mensagens se acumula numa tela pequena. Nossa capacidade de atenção se reduz neste contexto e nos sentimos desanimados a ler tudo aquilo.

Na canção “Alegria, Alegria”, Caetano Veloso descreve o que via em uma banca de revistas em 1967: espaçonaves, guerrilhas, cardinales bonitas, caras de presidentes, grandes beijos de amor, dentes, pernas, bandeiras, bomba e Brigitte Bardot. Diante de tantas opções, ele pergunta: “Quem lê tanta notícia?”. Se fosse composta em 2020, porém, provavelmente o compositor dessa letra iria descrever a quantidade de mensagens diárias que recebe eletronicamente e desabafar: “Quem lê tanto e-mail?”.

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