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Fuga em Mossoró: poucas pistas e falhas em série

O que se sabe e o que ainda falta saber sobre a primeira fuga da penitenciária federal. A principal dúvida é como os relatórios de segurança foram ignorados

Nesta segunda-feira (19), seis dias se passaram desde a fuga histórica de Rogério da Silva Mendonça, de 35 anos, e Deibson “Tatu” Cabral Nascimento, de 33, da Penitenciária Federal de Mossoró (RN), na madrugada de 13 de fevereiro.

A primeira e espetacular fuga de um presídio de segurança máxima brasileiro mobiliza uma força-tarefa de cerca de 300 agentes federais e estaduais apoiados por helicópteros e drones com sensores térmicos que vasculham a região em busca dos foragidos.

Até o meio-dia desta segunda (19), foram encontrados apenas rastros, pegadas, roupas e restos de alimentos pela zona rural entre a penitenciária e a Serra de Mossoró, distante cerca de onze quilômetros. As buscas continuam incessantes, com as autoridades utilizando todos os recursos disponíveis para capturar os fugitivos.

Porém, é dentro do presídio federal que estão as dúvidas que aos poucos são esclarecidas

MONEY REPORT acompanha o caso desde o início e, abaixo, responde alguns questionamentos feitos anteriormente sobre a fuga:


Como os detentos conseguiram ferramentas para a fuga?

Os presos que escaparam da Penitenciária Federal de Mossoró (RN) podem ter utilizado ferramentas encontradas dentro do presídio, como um alicate que estava no canteiro de obras. Durante uma reforma interna, os equipamentos não foram guardados adequadamente, permitindo o acesso dos detentos às ferramentas. Todavia, ambos por ter se valido apenas das barras de ferro que conseguiram retiradas das paredes do presídio, usando-as como ferramentas para abrir as celas e acessar o exterior da unidade prisional. As barras eram usadas para sustentar pias e prateleiras nas paredes das celas.

As celas não foram revistadas?

De acordo com pessoas ligadas à investigação, por estarem em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), Rogério e Deibson não saíam nem para o banho de sol. Neste caso, as celas não passavam por vistoria diária – o que se mostra um erro enorme. As celas estavam sem manutenção há anos, tinham paredes fragilizadas pela umidade e não possuíam câmeras internas e microfones. 

“Sem dúvida, houve falha de procedimento”, afirmou à TV Globo o juiz corregedor da prisão, Walter Nunes “Se as celas tivessem sido inspecionadas, não teríamos tido esse problema”.

Imagens da TV Globo mostram o pequeno espaço de uma das celas da penitenciária de segurança máxima de Mossoró; os fugitivos tinham de tomar banho de sol dentro da cela pelas restrições



Quem monitorava as obras fazia contagem de equipamento? Os operários que cuidavam da obra de reforço da segurança foram investigados previamente?

O Ministério da Justiça e Segurança Pública está investigando a possibilidade de funcionários da obra ou servidores da penitenciária terem auxiliado na fuga dos presos. A obra em andamento no telhado proporcionou aos detentos acesso ao local de fuga. No entanto, não há informações sobre investigações prévias dos operários envolvidos na obra.

Como os responsáveis pelas câmeras de monitoramento nada viram? Eles estão sob investigação?

Um relatório do dia anterior à fuga dos dois presos apontava que as câmeras do presídio de segurança máxima de Mossoró (RN) estavam inoperantes, com pontos cegos e sem monitoramento em alas, pátios, corredores de circulação e perímetro externo. A câmeras que estavam em funcionamento são antigas e apresentaram qualidade de imagem ruim.

Relatórios feitos por plantonistas entre o] começo de janeiro de 2023 e 13 de fevereiro de 2024 mostram que os problemas eram estruturais e que se arrastaram por anos sem que algo fosse feito. As câmeras foram adquiridas em 2009, com garantia de três anos, e, a partir de 2012, teria de ter sido feito contrato de manutenção. Entretanto, desde 2015 as imagens estão se deteriorando. As autoridades agora querem entender como os relatórios foram desconsiderados ao longo de tanto tempo.

Não há informações sobre investigações em relação aos responsáveis pelas câmeras de vigilância e ou de que os fugitivos usaram as informações deste relatório para a execução do plano.

Houve ajuda do lado de fora?

A Federação Nacional dos Policiais Penais Federais (Fenappf) divulgou um comunicado e afirmou que os dois detentos que fugiram da Penitenciária Federal de Mossoró (RN) não receberam ajuda externa.  “Os foragidos não tiveram apoio externo, ou seja, não havia logística externa, eles não possuíam veículo para fuga, celulares, casa de apoio e nem rota de fuga, o que nos leva a acreditar que não houve planejamento prévio e sim uma oportunidade que foi aproveitada e obtiveram êxito”, diz a nota.

Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “parece” que os detentos tiveram ajuda de pessoas de dentro do presídio. “Eu não quero acusar. Mas, teoricamente, parece que teve a conivência de alguém do sistema lá dentro. Como eu não posso acusar ninguém, eu sou obrigado a acreditar que a investigação que está sendo feita pela polícia local e pela Polícia Federal nos indique o que aconteceu no presídio de Mossoró”, disse Lula. 

Havia sensores de vibração no prédio para detectar tentativas de abertura de buracos nas paredes, pisos e tetos?

Não há informações sobre a existência de sensores de vibração no prédio, mas medidas estão sendo tomadas para fortalecer a segurança nos presídios federais, incluindo a ampliação de sistemas de alarme e sensores de presença.

Como a movimentação não foi percebida?

Vários fatores contribuíram para que a movimentação dos detentos passasse despercebida, incluindo o silêncio com que agiram, a falta de funcionamento de câmeras de segurança e a ausência de iluminação adequada na área da fuga.

Se as celas são individuais, como dois fugiram? Dois buracos foram abertos?

Apesar de estarem em celas individuais, os detentos conseguiram acessar uma haste conectando as duas celas, perfurando uma abertura na esquadria entre elas. A fuga foi planejada e executada de forma coordenada pelos presos.

Depois de passarem pelo buraco aberto na parede, os detentos tiveram acesso a uma área de serviço conhecida como shaft — Foto: Reprodução/ TV Globo



Quanto tempo eles demoraram para romper as celas?

Estima-se que os detentos levaram mais de três dias para abrir as celas e executar a fuga, utilizando uma mistura de sabão e papel higiênico para esconder as perfurações. A fuga aconteceu às 3h, mas os agentes penitenciários só deram falta dos detentos quase duas horas depois.

Como os detentos violaram os portões e cercas?

 Ao escalar o teto, os presos tiveram acesso a uma espécie de shaft, uma abertura na parede que dá acesso por onde passam tubulações de água, esgoto, energia e ventilação da penitenciária. Esse duto não possuía portas e alçapões trancadas. Depois, eles atravessaram um tapume que cobria o canteiro de obras da reforma, de onde arranjaram um alicate deixado pelos operários. Assim, conseguiram cortar as grades que os separava do mundo exterior.

Como integrantes menos graduados do Comando Vermelho, como Deisinho e Tatu, conseguiram tal façanha?

Os detentos têm um histórico de violência, rebeldia e tentativas de fuga de outrasprisões. Deibson Cabral Nascimento, conhecido como Tatu ou Deisinho, e Rogério da Silva Mendonça são “matadores” da facção carioca, ou seja, responsáveis por executar rivais e faccionados que descumprem as normas internas do CV e membros do “tribunal do crime” – punição para “desvio de condutas” dentro da organização. Tatu é apontado pela polícia como um dos fundadores do CV no Acre. Ele foi condenado a 81 anos de prisão em 2015 com condenações por assaltos, furtos, roubos, homicídio e latrocínio e já participou de uma quadrilha que teria cometido 12 sequestros, incluindo de um prefeito da Bolívia.

Rogério da Silva, por sua vez, foi condenado a 74 anos de prisão e responde por diversos processos judiciais, entre eles roubos, associação a facção criminosa e assassinatos.

Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento, conhecido como Tatu ou Deisinho


O que queriam com família que fizeram refém?

Na noite de sexta-feira (16), os dois fugitivos fizeram uma família refém, segundo relatos feitos aos investigadores do caso. A dupla teria levado celulares e alimentos, além de ter pedido para ver notícias. Quando saíram do local, teriam levado ovo cozido e outros alimentos em uma sacola plástica, além de dois aparelhos telefônicos e carregadores.

A casa invadida pelos foragidos fica na área rural da cidade, ao final de uma rua voltada para uma região de mata. Segundo as informações repassadas pela vítima às autoridades, os dois chegaram pelo mato, por volta de 19h30, e saíram por volta de 00h30 de sábado (17).

Segundo histórico do relato, os dois estavam de boné, um de calça azul-claro com número (característica do presídio) e tênis azul com passador, um de camisa escura e o outro camisa clara. “Estavam fedendo muito e com aparência suja”, contou a vítima.

Líderes de facções presos em Mossoró serão transferidos?

Não está nos planos do Ministério da Justiça a transferência de detentos, mas estão sendo tomadas medidas para reforçar todos os equipamentos e protocolos de segurança nas cinco penitenciárias federais do país. Também foram determinados:

  • O afastamento imediato da atual direção da penitenciária federal de Mossoró e a indicação de um interventor para comandar a unidade.
  • Abertura de inquérito para apurar as circunstâncias da fuga.
  • Deslocamento de uma equipe de peritos ao local, com objetivo de apurar responsabilidades e de atuar na recaptura dos dois fugitivos.
  • Atuação de mais agentes federais nas buscas – a forma como essa operação para recaptura ocorre, no entanto, não foi explicada.
  • Ampliação de sistema de alarmes.
  • Aperfeiçoamento do sistema de entradas nos presídios, com implantação de reconhecimento facial.
  • Construção de muralhas.
  • Registro do nome dos fugitivos no sistema de difusão vermelha da Interpol.
  • Inclusão do nome dos fugitivos no sistema de proteção de fronteiras.
  • Reforço de agentes de segurança, incluindo a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas rodovias e nas divisas de estados próximos a Mossoró, como Ceará e Paraíba.
  • Abertura de processo administrativo para apurar as responsabilidades da fuga e de um inquérito policial para investigação de alguma eventual responsabilidade criminal, como uma possível facilitação da fuga.



Também detido em Mossoró, Fernandinho Beira-Mar está envolvido?

Não há informações de que o ex-líder da faccção Fernandinho Beira-Mar tenha ligação com a fuga dos presos, apesar de sua associação com o mesmo grupo. Considerado pelos órgãos federais um dos maiores traficantes de armas e drogas da América Latina, Beira-Mar foi transferido em janeiro deste ano para a Penitenciária Federal de Mossoró (RN).

Fernandinho Beira-Mar é considerado pelos órgãos federais um dos maiores traficantes de armas e drogas da América Latina



PCC resgata informações para fuga de Marcola?

Embora não haja confirmação oficial, há especulações dentro da PF sobre a possibilidade de o Primeiro Comando da Capital (PCC) estar planejando uma fuga para Marcola, líder máximo da organização, utilizando informações obtidas a partir da fuga dos dois detentos em Mossoró.

A fuga histórica justamente de dois integrantes do Comando Vermelho — rival do PCC — chegou aos ouvidos do chefão da facção paulista. No entanto, após saber da fuga inédita, Marcola não fez qualquer comentário e demonstrou semblante “apático”, segundo apurado pelo Metrópoles.

Em que pé está a força-tarefa nas buscas?

Desde sexta-feira (16) grupos de elite da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) se uniram na busca incessante por dois integrantes do Comando Vermelho, após 48 horas de procura incessante. A decisão de mobilizar as equipes especializadas foi tomada pelas cúpulas das polícias em conjunto com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, na quinta-feira (15).

Buscas por fugitivos do presídio de segurança máxima de Mossoró têm mais de 300 agentes. Foto: Divulgação



Eles podem ter sido mortos?

A advogada das famílias de Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento, Flávia Fróes, levanta a possibilidade de que os detentos tenham sido mortos dentro do presídio e que a fuga seria uma farsa para encobrir o crime. Segundo ela, a falta de imagens do momento da fuga também alimenta as dúvidas e questionamentos. Porém, o argumento é cada vez mais contrariado com novas provas.

Deisinho recebeu auxílio emergencial?

Sim. Apesar da pergunta não ter ligação com o ocorrido, circula pelas redes sociais questionamentos sobre benefícios dos presos e a falta de monitoramento no país. Preso na penitenciária desde agosto de 2015, Deibson Cabral Nascimento recebia R$ 600 de auxílio emergencial em 2020. O benefício foi pago pelo governo federal durante a pandemia da covid-19 e o nome de Deibson consta no registro do recebimento do auxílio que está no Portal da Transparência do governo federal em abril de 2020 – período em que ele já estava preso e cumpria pena por diversos crimes. 

Deibson Cabral Nascimento foi um dos dois presos que fugiram da Penitenciária de Mossoró, no Rio Grande do Norte — Reprodução



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