Enquanto fala em paz, ditador da Venezuela segue com retórica agressiva, ignorando apelos para o fim da crise que ele mesmo criou com a Guiana
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu na manhã deste sábado (9) um telefonema do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. A conversa tratou sobre a situação em Essequibo, território em disputa por Venezuela e Guiana, que faz também fronteira com o norte do Brasil, no estado de Roraima. De acordo com o Palácio do Planalto, Lula fez um chamado ao diálogo e sugeriu que a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) faça uma mediação e que o Brasil está à disposição para apoiar e acompanhar essas iniciativas, desde que ambos os lados aceitem negociar para evitar um conflito.
O teor da reação de Maduro não foi revelado, mas ainda pela manhã o venezuelano afirmou, via X, que pode haver diálogo com a Guiana. Ele escreveu que almeja “paz e compreensão” para uma situação exclusivamente criada por ele, que também aponta o dedo para a petroleira Exxon, que atua legalmente no litoral do país vizinho.
Porém, o comportamento do ditador é imprevisível. Duas horas depois, o post sumiu e ele postou, pelo mesmo X ,que as “autoridades da Guiana revogaram o acordo de Genebra” e que o país vizinho, que não possui forças armadas, “começou a repartir nosso mar” e ameaça construir uma base militar para o Comando Sul dos Estados Unidos. Estranhamente, faz essa alegação em um momento em os EUA afrouxam o embargo ao petróleo venezuelano.
A crise entrou na pauta do Conselho de Segurança das Nações Unidas na sexta-feira (8) e o governo dos Estados Unidos anunciou a realização de exercícios militares aéreos conjuntos com militares da Guiana, adicionando um ingrediente extra de tensão.
No momento, tudo se mostra um jogo de empurra retórico. Maduro tenta ganhar apoio interno para se manter no poder criando um crise externa com o vizinho mais pobre (velha prática de ditadores). Se começar a perder, poderá se valer dos apelos de paz acenados pelos vizinhos. Em termos militares, a Venezuela não tem poderio para invadir ninguém, ainda que tenha uma força numerosa e equipada para se defender de eventuais agressores.
Já a Guiana tampouco tem condições de enfrentar quem quer que for. Sequer há estradas pavimentadas conectando os dois países pela selva. Deslocar tropas exigira uma invasão por mar para atingir a capital, Georgetown, mas a Venezuela não possui uma marinha capacitada para tanto. A outra solução é pior, pois exigiria entrar pelo Brasil, o que é improvável e causaria uma guerra.
Do ponto de vista global, a gritaria que Maduro provoca só dispersaria recursos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a coalização militar do Ocidente que apoia Ucrânia, enquanto os os EUA sozinho ajudam militarmente Israel e ocorre uma dispendiosa escalada militar no Mar do Sul da China, envolvendo demarcações por zonas de exploração econômica exclusivas (ZEEEs) e ilhas entre China, Japão, Taiwan, Vietnã, Filipinas, Brunei, Malásia, Indonésia, além das tensões rotineiras entre as Coreias. Mas para isso funcionar e a Venezuela sair com algum lucro, Maduro precisaria ser um gênio e ter muitas cartas na manga. Os anos no poder não sugerem que ele tenha tamanhos talentos ocultos.
(com agências)
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