Para o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, que investiga crimes do governo e rebeldes, a violência não sumirá. Libertação de presos políticos ajudaria a recriar alguma ordem, mas as soluções são incertas e a lei islâmica pode ser adotada
O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão de Inquérito da Nações Unidas para crimes cometidos na Guerra Civil Síria, vê como positiva a queda do regime de Bashar al-Assad neste domingo (8). O líder rebelde do grupo Hayat Tahir al-Sham (HTS, que em livre tradução significa Organização para a Libertação do Levante), Abu Mohammed al-Golani, ainda não foi claro sobre suas ambições, porém parece claro que o novo regime está inclinado a adotar a sharia, a repressiva lei islâmica. Apesar de suas graves violações de direitos humanos, a ditadura Assad era caracterizada como laica. Antes o HTS era conhecido como a Al-Qaeda na Síria. Classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, o HTS foi apontado como autor de graves violações, como fuzilamentos e torturas contra adversários e descumpridores dos preceitos religiosos. Golani é nascido na Arábia Saudita, mas sua família vem de Golan, região anexada por Israel em 1967, o que indicaria que as relações com o vizinho seguiriam tensas.
“É um dia importante porque toda vez que um estado autoritário de quase meio século desaparece é sempre positivo (…)”, afirmou Pinheiro. O diplomata disse que o comunicado do líder rebelde é bastante razoável, mas que não tem como prever o futuro do país. “São tantos grupos armados que a violência não vai sumir num passe de mágica”, disse. Há risco de uma nova ditadura, desta vez de orientação sunita, em detrimento da elite xiita comandada por Assad. O HTS tomou a capital com ajuda do ao lado do Exército Nacional Sírio, uma coalizão de milícias apoiada pela Turquia, porém as relações entre ambos são tensas e conflitos já ocorreram.
Pinheiro vê uma sinalização positiva as primeiras medidas tomadas pelo novo grupo político. “É importantíssima a libertação de presos políticos. A alegria da população é um indicativo nesta direção. Agora garantia de que a violência não vai surgir de novo, não podemos dar“, informou.
Pinheiro disse que a queda do ditador foi por conta do enfraquecimento do grupo extremista xiita Hezbollah e da falta de apoio de Rússia e do Irã. Os principais aliados estão envolvidos em conflitos. A Rússia com a invasão da Ucrânia e o Irã com as trocas de retaliações militares com israel. Durante 13 anos de trabalho na comissão, o diplomata coletou com sua equipe mais de 10 mil testemunhos sobre crimes atribuídos ao regime sírio e outros grupos armados, incluindo Estado Islâmico, Al Qaeda na Síria (grupo HTS), curdos, turcos, russos, Otan e milícias locais. Tudo financiado em diferentes níveis por russos, iranianos, qataris, emiradenses, saudistas, turcos, iraquianos, norte-americanos, franceses e britânicos.
O presidente da Síria, Bashar al-Assad, decidiu renunciar ao cargo e fugiu para a Rússia depois que grupos rebeldes islâmicos tomaram as principais cidades controladas pelo regime, incluindo Aleppo, Homs e a capital Damasco. Com a fuga, as forças armadas deixaram de oferecer resistência, mas não depuseram as armas. Assad é próximo de Vladimir Putin e pode encontrar na Rússia um refúgio onde decidirá seus próximos movimentos. Há suspeita que o ditador tenha ocultado bilhões de dólares em contas secretas em outros países como forma de financiar suas atividades.